Os recalls ameaçam a imagem e a credibilidade das empresas ou é uma forma de mostrar respeito aos clientes? O que dizer de uma empresa que reconhece publicamente a incompetência e a omissão de alguns de seus principais executivos?
A campeã mundial de recalls é, sem dúvida, a indústria automobilística. Desde a década de 70, essa indústria tem feito recalls em milhões de veículos para reparar os mais diversos problemas de qualidade, sendo que alguns deles tinham o potencial de ameaçar seriamente a segurança de motoristas e passageiros.
A necessidade de realizar o recall, ou seja, chamar de volta às concessionárias alguns veículos que já estavam em circulação, reflete falhas nos processos de projeção e produção de veículos, muitas vezes associadas a itens produzidos pelos fornecedores das montadoras.
Os primeiros recalls surgiram a partir de campanhas públicas nos EUA com movimentos ruidosos de defesa dos interesses dos consumidores. Aos poucos, foram se tornando processos normais por parte das montadoras.
Depois de muito esforço e muita melhoria concreta dos níveis de qualidade dos veículos, ainda assim, temos frequentemente, ainda hoje, o registro de recalls massivos de praticamente todas as montadoras.
O caso mais recente e rumoroso foi o da GM, que pagou uma multa milionária ao governo americano por ter escondido os problemas, assim como já havia ocorrido com a Toyota há alguns anos.
A grande novidade dessa vez foi a reação da CEO da GM, que reconheceu publicamente a incompetência e negligência por parte de executivos da empresa e determinou a demissão de 15 deles, assim como advertiu outros cinco.
Isso é muito raro. Normalmente, as empresas voltam as suas atenções para entender os problemas em seus processos internos e, a partir da identificação de suas causas, resolvê-los. Tendem a minimizar a busca dos culpados. E, quando internamente se procura identificar eventuais falhas de colaboradores da empresa e mesmo quando “punições” ocorrem, isso tende a não vir à tona.
O reconhecimento da incompetência e a punição aos executivos, feitos pública e abertamente, poderiam afetar a imagem da empresa. A opção por expor claramente os problemas internos foi uma decisão importante e até arriscada da nova CEO da empresa.
Embora o recall seja cada vez mais considerado uma situação normal, ainda que indesejada, hoje persistem as situações de “recalls brancos”, em que os reparos e trocas de componentes ocorrem nas concessionárias de uma maneira “informal”, sem se tornarem públicos.
Ou ainda há os casos de simplesmente se ignorar os problemas e torcer para que nada grave aconteça. Um acidente tem sempre dificuldades de investigação de causas. Por exemplo, o poder público no Brasil está pouco preparado para investigações técnicas complexas e profundas que requerem conhecimentos técnicos avançados. Além da existência de problemas de integridade e ética em eventuais processos legais, nos quais o poder das montadoras é muito maior do que o dos consumidores individuais, o que pode inibir a necessidade e a pressão de realizar o recall.
Expor a ocorrência dos problemas é sempre melhor. Reconhecer os defeitos e corrigi-los não prejudica a imagem e a reputação das empresas.
Há os enormes custos econômicos do recall, assim como há os eventuais custos de processos legais ao não se reconhecer os problemas.
Os recalls mais significativos dos últimos anos afetaram as duas maiores montadoras do mundo, a Toyota e a GM. Apesar disso, esse fator não afetou a reputação e a credibilidade dessas marcas, medidas pelas vendas e pelo “market share”, que continuam muito próximas da situação pré-recall.
Ou seja, o recall pode não atrapalhar a reputação e a imagem como se poderia imaginar em princípio. Pode ser favorável pela honestidade de reconhecer problemas e fazer algo. Serve como indicador de respeito aos clientes.
No longo prazo, isso fica mais barato do que os custos do recall. Deve ser valor e crença fundamental das empresas.
Evitar a ocorrência dos defeitos é o essencial, mas os desafios e pressões da competição tornam as empresas mais vulneráveis.
As causas mais profundas dos defeitos e problemas de qualidade estão na existência de produtos cada vez mais complexos, com a incorporação de novas tecnologias e uma maior variedade de produtos, com ciclos de vida cada vez mais curtos e lançamentos cada vez mais frequentes, muitas vezes não permitindo o tempo necessário para os testes de sistemas e componentes.
Enquanto isso acontece e os processos não se tornam imunes aos defeitos, o respeito aos clientes com o reconhecimento e resolução dos problemas é essencial e acaba sendo reconhecido.
Fonte: Revista Época NEGÓCIOS