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Torture os números que eles confessam

Manipular os números é destrutivo e reflete um estilo de gestão na qual as lideranças tendem a estar distantes dos processos reais

A definição e a gestão de empresas com base em metas têm sido cada vez mais adotadas em organizações dos mais variados tipos.

Porém nem sempre isso ajuda como poderia. Muitas vezes, crê-se que, como em um passe de mágica, a definição de metas em si será suficiente para transformar a gestão e conseguir bons resultados. Há um grande equívoco em focalizar os esforços de gestão e melhoria em uma empresa em alguns números.

Por exemplo, uma empresa absorvida recentemente por um grupo maior tinha desenvolvido uma forte gestão lean (“enxuta”) que lhe permitiu um enorme sucesso com os clientes. Isso gerou um crescimento que, no ano anterior, havia sido de 25%.

Agora, o novo CEO está demandando um crescimento de todas as unidades em 12% do faturamento para este ano. Porém, para essa empresa recém-absorvida, essa meta é irreal, já que ela praticamente conquistou uma posição de monopólio em seu mercado, só conseguindo crescer em números orgânicos cerca de 2% a 3%.

Está assim surgindo uma tensão e falta de concordância em torno da definição de metas. A discussão não tem sido concentrada nos fatos e nos dados substantivos das condições reais de mercado e das possibilidades e oportunidades concretas de negócios, mas meramente em torno de metas que, segundo o novo CEO, devem ser bastante “ambiciosas”.

Quanto maior é o esforço na gestão com base em metas, maior é a tendência ao comportamento míope e manipulativo baseado em números definidos artificialmente. Essas práticas geram comportamentos de curto prazo em que o importante passa a ser apenas atingir as metas, mesmo que, para isso, seja necessário “manipular os números”.

A gestão lean acredita que o fundamental é focalizar nos processos, pois, ao melhorá-los, isso trará os resultados esperados. Atuar na maneira como a empresa trabalha é a única forma de atingir metas de melhoria.

O foco nos processos ajuda a evitar as manipulações dos números. Há diversas formas de manipulá-los. Por exemplo, criar formas “artificiais” de atingir metas escondendo problemas e só mostrando o que dá certo. Ou mudando os critérios para atingir as metas, favorecendo situações e pessoas. Ou manipulando as condições do negócio, visando a dificultar comparações históricas. E até mesmo promovendo “negociações superficiais de varejo”, nas quais um lado começa, por exemplo, com uma demanda de 5%, e o outro lado, com uma de 10%, tendo-se, aí, sucessivas rodadas de negociações do tipo:

  • Quero 9%.
  • Acho que só consigo 7%… Que tal?
  • Seria melhor 8%…
  • Então fechamos em 7,5%?
  • Fechado…

Isso pode levar a situações dissimuladas e perigosas, pois, na próxima oportunidade, ambos os lados se prepararão melhor para esses “joguinhos” artificiais e manipulativos que muito pouco contribuem para realmente melhorar os problemas reais da empresa.

A definição de metas é importante. Mas elas devem ser discutidas à luz da visão de onde se quer chegar, de um profundo entendimento da situação atual, de uma análise minuciosa das causas dos problemas atuais e dos obstáculos futuros até se chegar a um conjunto de ações.

Apenas a partir daí podemos ter uma ideia mais clara e realista se as metas que estamos definindo são reais e passíveis de serem alcançadas.

Números são apenas indicadores da realidade e abstrações. O mais importante é a situação concreta. Por isso falamos tanto na gestão lean no “vá ver com seus próprios olhos” e no entendimento profundo da situação atual e dos processos. Sair das cadeiras, parar de ficar em salas de reunião, evitar olhar somente para as telas de computador e limitar a administração via e-mail são atitudes essenciais.

Manipular os números é destrutivo e reflete um estilo de gestão na qual as lideranças tendem a estar distantes dos processos reais. Causa distorções, focos e prioridades equivocadas e, em médio e longo prazo, trará resultados inconsistentes e frágeis.

A gestão dos processos vai, efetivamente, garantir que se possa atingir metas desejadas. Não torture os números. Melhore os processos. Bons números virão.

Fonte: Revista Época NEGÓCIOS

Fonte: Época Negócios
Publicado em 16/04/2014