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Bons de festa, ruins de gestão

O "imagina na copa", que, anteriormente, capturava a ideia dos problemas que aconteceriam, não existe mais. Não porque eles não surgiram. Mas porque a copa está aí.

Sabemos fazer festa. E, em ano de Copa do Mundo, mais ainda. Ruas decoradas e desertas nas horas de jogos do Brasil, assunto dominante nas rodas de conversa nas empresas, bares e casas, assim como meios de comunicação dominados pelo futebol. Comemoração efusiva de vitórias, tristeza profunda com as derrotas.

Agora, a Copa do Mundo no Brasil promete amplificar a festa. O assunto já parece dominar tudo. O treino de uma seleção estrangeira está nos principais telejornais. E a publicidade dá a impressão de que é quase exclusivamente centrada no assunto.

Ou seja, como um tsunami, a Copa do Mundo chegou com o Ano Novo. O “imagina na Copa”, que, anteriormente, capturava a ideia dos problemas que aconteceriam, não existe mais. Não porque eles não surgiram. Mas porque a Copa está aí. E os problemas também.

Quem imaginava assim estava com a razão. Nem todos os estádios estão prontos, como deveriam estar, no máximo, até o final do ano passado. Os que ainda faltam vão ser inaugurados, mais uma vez com muita festa e com muito discurso de autoridade, apesar de muito caros e com má qualidade, em alguns casos. O presidente da FIFA afirmou que “nunca na história da Copa do Mundo” houve tantos atrasos.

Os investimentos em infraestrutura avançam de maneira descoordenada e apressada. Em outros não há avanço algum.

Por exemplo, alguns aeroportos estão ampliando a capacidade e melhorando a qualidade dos serviços. Mas, em muitos casos, não vai dar tempo de utilizar essa capacidade plena na Copa. Outros nem tanto.

Descobriu-se agora que a malha de viagens áreas está estrangulada e está sendo ampliada no momento, dado que já se encontra com passagens esgotadas meses antes do evento. E esforça-se para evitar preços abusivos.

As melhorias em transporte coletivo, em sua maioria, não acontecerão até a Copa. Outros investimentos em energia e telecomunicações, igualmente previstos, não se realizarão no prazo. Irão acontecer depois da Copa ou serão adiados ou cancelados.

O sistema de hotelaria teve alguns investimentos marginais e terá dificuldades de acomodar os visitantes.

A segurança nas grandes metrópoles parece só piorar. Assim como a poluição e a sujeira nas grandes cidades-sede. Ou seja, a nossa capacidade de planejar e gerenciar mostrou-se, mais uma vez, um desastre. A realização de um evento de expressão como esse poderia ser uma excelente oportunidade de mudar a maneira do país trabalhar e de mostrar ao mundo que, além de ser o país do futebol, da alegria e das festas, pode ser um país onde as coisas funcionam minimamente.

Isso serviria não apenas para atrair novos visitantes no futuro, como, também, para mudar a percepção de investidores internacionais relutantes. Mas, mais importante ainda, serviria para melhorar a vida de milhões de brasileiros que continuarão a viver aqui após a Copa.

A ideia de que “a Copa do Mundo será um sucesso” esconde, infelizmente, a ideia de que as coisas podem e devem funcionar melhor no país, como, aliás, querem os milhões de manifestantes que foram às ruas no meio do ano passado. O que querem eles afinal? Que o país funcione melhor!

Enfim, acreditar que não se precisa planejar com antecedência, que não precisa se atentar aos “detalhes”, que tudo dará certo no fim e que vamos dar um jeito quando os problemas surgirem, leia-se, aqui, dar uma acomodada e fazer gambiarras, é nefasto para a capacidade de fazer bem as coisas.

Imagine se tivéssemos conseguido mudar essa percepção e realidade, e, hoje, o Brasil já fosse reconhecido como bom de festa e bom de organização. Seria extraordinário para todos nós que continuaremos a morar aqui e continuaremos a sofrer as consequências de pagar muito imposto e receber muito pouco em troca graças à ineficácia de nossos sistemas de gestão.

A oportunidade de mudar foi dada. Poderíamos ter continuado a ser bons de festa e de futebol e, também, sermos bons de organização e de gestão. Não aconteceu. Pena. Ainda existe uma oportunidade para o Rio de Janeiro nas Olimpíadas de 2016. Mas não podemos esperar para deixar as coisas para a última hora como fizemos com a Copa. Um bom processo de planejamento começa com um excelente início.

Seria uma maneira de começar a criar uma sociedade onde as coisas funcionam, e as pessoas são alegres e festeiras, eliminando a dicotomia entre os “bobos, mas alegres” e os “educados e ricos, mas tristes”.

Fonte: Revista Época NEGÓCIOS

Fonte: Época Negócios
Publicado em 21/01/2014