A produção da Kombi será descontinuada no final deste ano por não ser capaz de atender mais
às exigências de segurança do governo brasileiro. O final do ciclo de vida do produto
automotivo mais longevo do Brasil e um dos mais longos no mundo nos faz pensar sobre o que faz
um produto ter sucesso.
Como foi possível um produto com um design antigo, com sérios problemas de segurança,
estabilidade, baixo conforto, alto nível de ruído, entre outros itens graves, seguir por tanto
tempo como um produto bem-sucedido?
Um produto só tem sucesso se conseguir agregar valor aos clientes ao longo de seu ciclo de
vida. Produtos têm sucesso por um tempo e morrem. Ou são substituídos por outros ou suas
próprias falhas acabam por minar seu bom desempenho.
A Kombi tem as suas virtudes. Sua simplicidade com acabamento espartano, fácil manutenção por
ter grande parte de suas peças compartilhadas com o fusca, que esteve em produção também por
muitas décadas e em altos volumes, a flexibilidade de ser usada para transporte de carga e
passageiros com mudanças simples e fáceis de serem executadas na retirada ou colocação dos
bancos traseiros, o bom valor e facilidade na revenda são alguns dos fatores objetivos que têm
garantido um bom mercado e mantido esse veículo em produção por tanto tempo.
Assim, não deixa de ser impressionante como o primeiro veículo a ser produzido em massa no
Brasil, a Kombi, desde 1957, continuou sendo produzido, com algumas melhorias, ao longo de 56
anos. Nesse período, já foram produzidas mais de 1.560.000 unidades na fábrica da Volks de São
Bernardo do Campo, na grande São Paulo, tornando-o um dos veículos de maior volume de produção
da história do país.
A Kombi foi projetada na Alemanha na década de 1940. A ideia foi combinar o conjunto mecânico
do então Volkswagen Sedan, o Fusca, para um veículo de carga leve. Ou seja, foi colocada uma
carroceria nova, como se fosse uma caixa de sapatos, em cima da plataforma de um Fusca. O nome
“Kombi” é uma abreviação da palavra alemã “Kombinationsfahrzeug”, traduzida como “veículo
combinado” ou “combinação do espaço para carga e passeio”.
E foi em 1957 quando se iniciou a fabricação das primeiras unidades no Brasil, com
nacionalização de 50%. Pouco tempo depois, foi lançado o Fusca. Cerca de quatro anos mais
tarde, a Volks brasileira já lançava o modelo seis portas, com índice de nacionalização de
95%.
Durante todo esse tempo, a Kombi passou, gradativamente, a fazer parte da nossa história. Foi
o carro “oficial” dos vendedores ambulantes, dos feirantes, dos pequenos comerciantes e até
mesmo de distribuidores de produtos de grandes indústrias. Tornou-se ambulância, viatura de
polícia, dos bombeiros, carro de reportagem de TV, de rádio. Carregou projetos culturais em
lugares longínquos, como bibliotecas ambulantes, ou exibindo filmes, como o projeto “Cinema na
Kombi”. Virou até nome de restaurante cultuado em São Paulo – o Nakombi. Enfim, esteve sempre
muito presente em nossa vida cotidiana.
KOMBI (FOTO: DIVULGAÇÃO)
Enfim, a Kombi integrou boa parte da vida de muitos brasileiros. A VW colocou recentemente no
ar para que clientes enviassem textos e fotos sobre suas histórias com a Kombi
(kombi.vw.com.br). Há de tudo lá. A Kombi pintada com o símbolo do time do coração. A Kombi
que levava a família à praia, carregando sempre a farofa e a bola de futebol. A Kombi velha,
caindo aos pedaços, mas ainda em uso pelo brasileiro trabalhador de baixa renda. A Kombi que
foi destaque na festa de casamento do casal apaixonado. E muitas outras histórias.
Eu não mandei nenhuma contribuição, mas compartilho agora a experiência de um dia, em frente à
casa de meus pais no interior de São Paulo, ver a Kombi da família em princípio de incêndio,
pois o tanque de combustível estava cheio e transbordara pela rua ter um pequeno declive. Meus
baldes de água não resolveram o problema, que foi sanado com a chegada de um mecânico com um
extintor.
Desde então, a Kombi enfrentou a abertura do mercado, a entrada de novos competidores e a
introdução de novos produtos mais modernos, tais como vans de diferentes tamanhos, pequenas
pick-ups para transporte de carga e SUVs, sem ter, porém, competidores a altura. E conseguir
se manter competitiva ao longo dos anos. Na Europa, ela foi substituída por produtos mais
modernos que não se mostraram competitivos no Brasil.
Agregar valor ao cliente é a chave do sucesso de qualquer produto e empresa. Apesar de suas
grandes limitações, a Kombi foi capaz de navegar nas mudanças da tecnologia, na maior
competição com novos produtos e se manter competitiva agregando valor aos clientes com um
modelo inusitado de propiciar mobilidade para pessoas e cargas de forma simples e barata,
apesar de sua antiquada tecnologia.
Fonte: Revista Época NEGÓCIOS