Casos de má gestão na área de compras no setor público aparecem todos os dias na imprensa, na maior parte das vezes como escândalos ou indícios de corrupção. São produtos e serviços que acabam custando muito mais do que o previsto, pagos, mas não entregues, entregues em um prazo muito superior ao previsto ou com qualidade muito aquém do previsto.
Ou seja, a entrega contratada não atende às especificações de preço, qualidade e prazo, os indicadores mais importantes no relacionamento dos fornecedores com seus clientes. Isso vale para grandes obras de infraestrutura, como estádios, aeroportos, portos, rodovias, pontes etc., ou até para materiais custosos, como trens, torres etc., ou materiais utilizados no dia a dia, como material escolar, alimentos etc.
Esses problemas persistem apesar dos aparentes progressos, como leilões eletrônicos, licitações públicas etc., visando a maior transparência, mas nos quais o fator decisivo é o preço oferecido.
Porém, não se trata apenas de um problema que aflige a gestão pública. Também as empresas privadas têm dificuldades na gestão de seus fornecedores, ora partindo para critérios semelhantes, como a busca pelo menor preço, que quase sempre acaba custando mais (“o barato sai caro”), a qualidade deixa muito a desejar e os prazos não são atendidos.
A gestão dita moderna tem uma visão muito parcial do que significa ter uma gestão eficiente e otimizada dos fornecedores e de suas compras. Prevalece a noção básica de que os fornecedores são custos a serem minimizados e não valores a serem agregados.
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Como mudar essa relação tão enraizada nos métodos de gestão existentes? Na gestão enxuta, trata-se de questionar em essência as premissas da relação, reconhecendo primeiro que o fornecedor agrega valor ao cliente e que as relações ganha-ganha são necessárias para o sucesso de ambas as partes.
Em seguida, o cliente deve conhecer profundamente o seu fornecedor – seus processos, custos, problemas, capacitações, limitações etc. A discussão fornecedor-cliente não deve se pautar apenas no preço, mas sim nos processos que geram os custos e, portanto, os preços. Assume-se que os fornecedores precisam ter suas margens de lucro adequadas, ao mesmo tempo em que precisam reduzir permanentemente os desperdícios para poder reduzir os preços, sem alterar assim a sobrevivência e a rentabilidade do fornecedor.
Nesse sentido, um dos erros básicos na relação com fornecedores é tornar essa relação como uma simples busca por redução dos preços, frequentemente com métodos de pressão ou de "espremer" os fornecedores.
Ao contrário, ao assumir fornecedores como extensão da empresa, deve-se estabelecer uma relação próxima e transparente de ambos os lados, visando longo prazo, estabilidade e durabilidade.
Dessa forma, deve-se trabalhar de forma o mais próxima possível do fornecedor. O cliente deve conhecer profundamente seus parceiros, ao menos dos fornecedores chave.
Na gestão tradicional pública, essa distância é comprometida por relações de “intimidade” entre governantes e agentes públicos com o pessoal chave da área comercial dos fornecedores. No caso do setor público, algumas delas são escancaradas pela imprensa. Na maioria das vezes, porém, eles ficam encobertas. Nas empresas privadas também há um esforço constante para evitar que essas relações se tornem viciadas.
Em outras palavras, tradicionalmente os fornecedores são escolhidos com base apenas e tão somente nos preços que apresentam. Em boa parte das vezes, são justamente os piores fornecedores, aqueles que quebram rapidamente, que requerem aumentos de preços para continuar fornecendo ou aqueles que não entregam dentro dos prazos e qualidade previstos. Assim, cria-se um paradoxo de um sistema projetado para reduzir custos que aumenta os custos.
Deve-se nortear essa relação com indicadores de desempenho claros e contínuos, com metas claras, transparentes e feedback permanentes com relação a preços, qualidade e entrega.
É evidente que a gestão enxuta de fornecedores deve objetivar a redução dos custos totais. Mas isso deve ocorrer em conjunto. Ou seja, comprador e fornecedor devem, juntos, se organizar e trabalhar para que consigam reduzir os desperdícios e os custos. E melhorar a qualidade, garantido os prazos de entrega. Aí sim, teremos uma relação onde quem ganha é o usurário final dos produtos ou serviços ou o cidadão que paga os impostos. E a relação com fornecedores pode sair, enfim, das notícias de escândalos.
Fonte: Revista Época NEGÓCIOS