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‘Num tem num dá’

Mudanças no local de trabalho, mesmo que pequenas, podem gerar uma transformação profunda na maneira como as pessoas pensam e percebem sua posição na empresa

Mudar a atitude e o comportamento das pessoas é objeto de estudos e esforços de especialistas há muito tempo. Sempre são destacadas as dificuldades e obstáculos para a mudança.

Às vezes, mudanças, mesmo que pequenas, no local de trabalho e na maneira como as pessoas realizam as suas atividades cotidianas, podem causar uma profunda transformação na maneira como elas pensam e percebem a sua posição na empresa. E isso também pode melhorar o senso de orgulho profissional e mesmo pessoal.

Há pouco tempo estive visitando uma empresa que, durante anos, havia se preocupado muito pouco com seu processo produtivo. Com produtos avançados, superiores em tecnologia e um mercado pouco competitivo, a área produtiva da empresa tinha práticas muito antiquadas.
Um das áreas mais esquecidas e menos valorizadas era a de retrabalho. O processo produtivo da empresa apresentava muitas atividades de usinagem com ciclos de trabalho muito longos devido à complexidade e ao tamanho das peças.

As dificuldades de compreensão e entendimento de onde estava o processo produtivo no tempo de produção acabavam gerando muitos atrasos que pressionavam os tempos de execução das tarefas. Para acelerar o trabalho que atrasava com frequência, às vezes a qualidade era prejudicada, e algumas atividades de retrabalho tiveram que ser feitas fora do fluxo de produção. Assim, a empresa decidiu criar uma área especifica para realizar retrabalhos que, pouco a pouco, de precária e temporária, passou a ser permanente, embora continuasse precária.

Como era considerada uma área não prioritária, acabou ficando esquecida e em piores condições de limpeza e arrumação do que as outras, que, por sinal, não eram em si muito organizadas.

A área cada vez mais se tornou marginalizada, esquecida, suja, mal cuidada. E, pior, frequentemente recebia a visita de diretores, gerentes e supervisores muito nervosos e ansiosos, demandando informações sobre peças que estavam muito atrasadas, como se fosse pura responsabilidade da área. Ou seja, ainda era fonte de frequentes reclamações.

Como a falta de padrões bem estabelecidos e processos de trabalho pouco padronizados e sem controles tornava o processo de retrabalho bastante instável e variado, havia quase uma situação em que cada caso era um caso. E era difícil fazer previsões antecipadas sobre o tempo esperado de finalização dos trabalhos.

Como o pessoal da produção sabia da existência da área, pareciam caprichar cada vez menos, e aumentavam ainda mais os problemas e a carga de trabalho da área, cujo aumento de pessoal era compreensivamente visto com dúvidas e restrições por parte da direção da empresa.

Isso contribuía para o baixo moral do pessoal da área, mesmo tendo pessoas competentes e qualificadas no local. Muitos desejavam mudar de setor.

A transformação lean na empresa trouxe algumas novas práticas e ferramentas para a área. Começando com o 5S, a arrumação e a limpeza com locais demarcados, informações visuais, ferramentas dispostas claramente e no lugar certo, facilitando o trabalho das pessoas que não precisam mais sair andando em sua procura. A gestão visual mostrava o andamento dos trabalhos, a ocorrência de atrasos, problemas tinham um tratamento estruturado, e o sistema FIFO garantia a sequência correta dos trabalhos.

Agora o ambiente está muito melhor, há mais segurança e melhores condições de trabalho, o pessoal sabe o que deve ser feito, não precisando ninguém para dizer.

As pessoas tornaram-se orgulhosas do que fazem. A empresa vai começar a tratar o problema do retrabalho na fonte, ou seja, os funcionários da área vão ajudar os operadores de modo que não haja mais necessidade de retrabalho. Assim, vão ajudar os operadores e trabalhar lado a lado como orientadores e conselheiros técnicos.

Apesar de saber que se as coisas continuarem indo nessa direção e a empresa tiver sucesso nesse conceito há uma ameaça real da área desaparecer, mesmo assim, os colaboradores dessa área de retrabalho já dizem ter uma série de novas ideias que vão colocar em prática.

Quando ouvi de um deles a frase “num tem num dá aqui” senti que uma mudança profunda na atitude dos colaboradores começava a acontecer. Se a liderança continuar apoiando, tudo leva a crer que essa mudança vai se enraizar. Para a satisfação dos colaboradores e da empresa.

Fonte: Revista Época NEGÓCIOS

Fonte: Época Negócios
Publicado em 09/07/2013