A quantidade crescente e a alta visibilidade de crimes violentos cometidos por menores tem sido um dos assuntos mais discutidos pela sociedade nos últimos dias.
Tive a oportunidade de realizar um trabalho voluntário junto a uma entidade em uma região carente de São Paulo. Pude acompanhar de perto um desses projetos que funcionam com recursos públicos dos governos estadual e municipal em conjunto com o poder judiciário.
Pela minha experiência específica, parece haver indícios de um grave problema na gestão nesses programas sociais, já existentes para tentar evitar a reincidência dos menores infratores.
Ao aprofundar no entendimento do funcionamento real do programa, notei que muitas entrevistas dos menores e visitas às residências e suas respectivas famílias eram mal documentadas e analisadas, feitas de forma burocrática, apenas para cumprir um requisito formal, gerando um comportamento também burocrático dos menores que estavam lá apenas para assinar a lista e evitar ser punido, com poucas mudanças reais de comportamento e crenças.
A necessidade de acompanhamentos e suportes adicionais esbarrava nas barreiras e na ineficácia do setor público nas áreas de saúde e educação.
O acompanhamento das atividades escolares também era extremamente frágil, bastando, para isso, atestados da escola. Mesmo se o menor fosse assíduo, sabemos que o nível de ensino nas escolas públicas das comunidades mais carentes é muito baixo.
As atividades sociais e esportivas, como aulas de grafite, eram pouco atraentes para a maioria desses menores.
A gestão do programa tinha muito pouco conhecimento, compreensão e entendimento dos problemas envolvidos e de suas causas. E não se dispunha de métodos para avaliar efetivamente o que acontecia com as ações que estavam sendo realizadas.
Os delitos cometidos eram roubos, estupros, homicídios e tráfico de drogas. Desse modo, esse menor infrator já tinha cometido um delito grave, tinha sido apanhado e estava pagando pela infração. Ou seja, já tinha colocado o pé em outro mundo que o atraíra com prestígio, status e vantagens financeiras não encontradas no mundo “legal”.
Tinha-se pouquíssima informação sobre itens básicos que a maioria dos projetos possui. Por exemplo, pouco se sabia sobre as características econômicas e sociais desses menores e suas famílias, as causas e como foi cometida a infração inicial, e não havia metas específicas e claras, por exemplo, qual era a taxa atual de reincidência, quanto se pretendia ter e em quanto tempo.
Não é surpresa, então, que a eficácia dessas ações parecia ser muito reduzida ou, na melhor das hipóteses, mal conhecida. A reincidência da infração do menor parecia amplificar o problema, com níveis agravados de infração.
Pude perceber, assim, como um conjunto de boas intenções sem um processo bem definido e sólido não gerava resultados concretos, tornando-se mais uma fonte de desperdício de recursos públicos e de desmoralização do Estado.
E, além disso, não atacava um problema grave que, caso fosse abordado de forma eficaz, minimizaria em grande medida, o problema crescentemente grave da criminalidade dos menores e, consequentemente, da criminalidade em geral.
As pessoas envolvidas, ainda que mal remuneradas e sem preparo adequado, pareciam ter boa vontade e compromisso em atuar para melhorar as condições de vida desses menores e suas famílias, tentando evitar, assim, sua permanência no mundo da infração.
Mas a impressão que ficou é que o programa tinha pequenas chances de sucesso por não ser capaz de atrair esses menores para um novo tipo de vida, diferente daquele em que eles já conheciam e para o qual foram atraídos. Havia um senso de impunidade, ao menos enquanto fossem menores, e o programa era simplesmente uma formalidade, uma maneira de evitar punições como, por exemplo, uma internação na Fundação Casa, essencialmente pelas limitações da capacidade de gestão.
Entre a contramedida proposta por alguns de mudança na legislação – que possivelmente até deva ocorrer pela pressão social crescente – e a outra de nada se fazer, já que o sistema carcerário atual não funciona e colocar mais gente mais cedo na prisão só agravaria a situação atual, devemos encontrar caminhos alternativos que passem necessariamente pela melhor utilização de recursos públicos através de programas sociais com um novo tipo de gestão muito mais eficaz.
Fonte: Revista Época NEGÓCIOS