Tempos atrás visitei uma fundação que apoiava um município do Estado de São Paulo para melhorar suas práticas de gestão. Algumas das pessoas envolvidas na direção dessa fundação tiveram experiências interessantes de gestão em empresas privadas avançadas e queriam levar essas mesmas experiências para a gestão municipal de uma cidade com uma das maiores rendas per capita do país.
Foram contratadas pessoas experientes em melhorias de processo que começaram a trabalhar diretamente com alguns órgãos da prefeitura. Percebeu-se a existência de diversas oportunidades de melhoria para reduzir tempos, melhorar a qualidade dos serviços, aumentar a produtividade etc.
Conforme já havia descrito em coluna anterior (“Estabilidade no emprego não atrapalha”), fui visitar um desses projetos, a entrega de documentação aos cidadãos. Tratava-se de um processo relativamente simples. A meta era reduzir drasticamente o tempo de espera por um documento de 7 dias para 3 a 4 dias, ou seja, em 50%. Embora tivessem feito um bom levantamento da situação atual e uma proposta realista de melhoria, sem requerer investimentos, os planos de ação pareciam ficar travados.
Por que tantas dificuldades em implementar mudanças simples em processo simples, que iriam melhorar sensivelmente a satisfação e a qualidade do serviço oferecido ao cidadão, ao mesmo tempo em que aumentaria sensivelmente a produtividade, pois seria necessário menos de 50% do efetivo de pessoal existente (os quais não seriam desligados, mas poderiam ser realocados)?
Conversei com a secretária responsável pelo serviço. Sua posição era: “já atendemos à legislação municipal quanto aos prazos máximos de entrega dos documentos”. Apesar de minha argumentação dizendo que esse era o prazo máximo, e não o possível, e que havia uma grande oportunidade de melhoria, a secretária repetia que atendia à legislação. Ou seja, acreditava que “estamos bem e, portanto, não há o que fazer”. Se não se opunha ao projeto, ao menos não parecia ver sua necessidade e relevância.
Após uma rápida caminhada pelo processo e fazer algumas contas simples, pudemos perceber que as metas sugeridas de 3 a 5 dias poderiam ser, em verdade, reduzidas para aproximadamente 1 hora para cerca de 95% dos casos, cerca de 4% poderiam ser resolvidos em menos de 8 horas e o 1% restante teria um prazo de até 3 dias.
Ou seja, a maioria dos cidadãos poderia resolver seus problemas em uma única viagem, com uma pequena espera. Isso, sem nenhum investimento em TI ou outras áreas.
Ao caminhar até o final do processo e falar com a pessoa diretamente responsável pela liberação final dos documentos, tentei entender por que as sugestões de melhoria propostas não estavam sendo implementadas. Ouvi o mesmo bordão da secretária: “já atendemos à legislação”. Após insistir com ela sobre os benefícios e vantagens de implementar um processo muito mais ágil e barato, a resposta final que obtive, após longo processo de argumentação e contra-argumentação, foi “se fizéssemos isso, o cidadão poderia ficar mal acostumado e exigiria mais coisas!”. Frente a isso, dei as costas e saí frustrado.
Por que o setor público do Brasil segue ainda tão distante dos padrões mínimos de gestão eficiente? Por que, com raras exceções, o debate político passa tão longe das questões de gestão?
A responsabilidade de uma prefeitura e de seu prefeito é administrar o município do ponto de vista da resolução dos problemas dos cidadãos com o provimento de serviços de educação, saúde, infraestrutura, documentações, investimentos etc. E, para isso, conta com a arrecadação de impostos.
Uma gestão eficiente deveria ser procurar maximizar os resultados, ou seja, prover mais e melhores serviços e investimentos com os recursos disponíveis.
A lógica da gestão pública parece ser exatamente o contrário. Por que temos muito mais gente do que o necessário trabalhando? Por que uma proliferação contínua dos “cargos de confiança”, cujo objetivo nada tem a ver com o propósito da instituição, não havendo uma carreira técnica e meritocrática, escolhendo e promovendo as pessoas certas, na quantidade certa, para o trabalho certo? Por que os custos são sempre muito maiores do que deveriam ou poderiam? Ou seja, usam-se cada vez mais recursos para fornecer serviços iguais ou piores.
E por que os eleitores não se preocupam com isso? Por que não há pressão pública para aumentar a eficiência? Candidatos a posições executivas públicas listam promessas e promessas. Como isso será feito? Com quais recursos? Como vai ser melhorada a gestão?
Imaginem como poderiam ser nossas cidades com ganhos de produtividade de cinco vezes. Ou seja, poderíamos ter cinco vezes mais serviços e produtos com os mesmos recursos, ou, se preferirmos, poderíamos pagar cinco vezes menos impostos para ter o mesmo nível de serviços e investimentos.
Temos notado um número crescente de setores da administração pública tentando fazer a coisa certa. Mas ainda são poucos herois lutando contra a corrente, pois, na maioria das vezes, não há apoio decisivo vindo de cima.
Após décadas de melhoria da gestão nas empresas privadas, é uma questão de tempo para que a gestão se torne um fator crítico em eleições e que os cidadãos comecem a votar em quem sabe utilizar melhor os recursos públicos.
É evidente que são grandes as diferenças legais e de objetivos entre o setor público e o privado. Mas independentemente disso, o setor público atinge mal seus propósitos. Não há competição no setor público, há poucos estímulos a melhorias do desempenho, os propósitos das lideranças são distintos dos interesses da maioria dos cidadãos, os recursos são mal utilizados, entre outras coisas.
Mas na medida em que haja uma maior consciência das possibilidades de melhor utilização dos recursos públicos por um número crescente de cidadãos, pode haver uma mudança real na gestão pública e nos processos de escolha para os cargos executivos.
Fonte: Revista Época NEGÓCIOS