Em minha coluna do dia 16 de abril registrei como senti na pele, literalmente, a má gestão hospitalar ao ser internado alguns dias para um check-up em uma instituição de referência em São Paulo, mas que cuja gestão, recheada de desperdícios, retrabalhos, falta de padronização e outros males administrativos, representou para mim, além de sofrimento, um exemplo de como a administração hospitalar estava precisando urgentemente sair da UTI.
O que todos sabemos é que os sistemas de saúde estão doentes. A dúvida paira sobre qual o diagnóstico correto e quais os tratamentos mais efetivos. Há propostas de ampliação dos recursos públicos destinados ao setor ou outras de mudanças institucionais, como as principais medidas para sanar os problemas.
Mas a boa notícia é o quanto tenho percebido mais recentemente em visitas a hospitais, em reportagens da imprensa e nos relatos de alguns centros de referência, que diversos hospitais em todo mundo, incluindo no Brasil, estão descobrindo o poder da gestão lean para mudar radicalmente a administração ultrapassada que tanto tem marcado esse setor.
Nos EUA, por exemplo, uma recente lista do site www.health.usnews.com, especializado em notícias sobre a área de saúde, estabeleceu um ranking de 17 centros médicos de referência no país. E todos, sem exceção, estão implementando o sistema lean há pelo menos cinco anos – em alguns deles, há mais de uma década.
Um dos casos norte-americanos mais modelares é a aplicação do Sistema Lean nos hospitais e nas clínicas do sistema médico ThedaCare, localizado no Fox River Valley, no estado de Wisconsin, EUA. Em 2002, o índice de mortalidade nas cirurgias de ponte de safena no ThedaCare foi de quase 4% – cerca de 12 mortes por ano. Mas tais indicadores começaram a mudar, também, com a mudança de gestão.
“Depois de vários projetos de melhoria em cirurgias cardíacas ao longo de sete anos, nos quais eliminamos 40% do tempo e esforço desperdiçados com cada passo, a mortalidade cardíaca foi reduzida a praticamente zero. Da mesma forma, o tempo médio de permanência de cada paciente no hospital caiu de 6,3 para 4,9 dias, e o custo de uma ponte de safena foi reduzido em 22%”, detalharam os especialistas John Toussaint e Roger A. Gerard no livro “Uma transformação na saúde”, sobre aplicação da gestão lean nos hospitais, lançado recentemente no país.
No Brasil, já começam a se acumular vários casos de sucesso. Um dos principais – apresentado recentemente no Lean Summit – é de um centro de referência no tratamento do câncer, o Instituto Oncológico do Vale, de São José dos Campos (SP), que há alguns anos vem melhorando seus resultados relacionados à segurança do paciente, número de atendimentos, redução de custos e estoques.
Há casos em vários estados do país em diversos tipos de hospitais, alguns deles de reconhecida credibilidade. Embora em fases iniciais de implementação, notam-se resultados expressivos que não requerem investimentos, apenas maneira diferentes de administrar.
Mas o que os hospitais conseguem de tão significante ao implementar o lean? Maior agilidade e melhor atendimento, assim como melhor qualidade aos pacientes. Nos casos relatados, um dos resultados mais relevantes é a drástica redução do tempo médio de atendimento (o que inclui admissão, triagem, consulta, medicação e alta), o que representa menos espera e mais pacientes atendidos.
Muitos hospitais conseguem reduzir os tempos para liberação de exames clínicos e, com isso, tornam-se mais rápidos os inícios de tratamentos.
Também no trabalho de prescrição médica e prontuário do paciente, os hopitais conseguem reduções que representaram economia e mais qualidade: redução no número de etapas do processo, redução no tempo de processamento de contas, redução no desperdício de trabalho e redução na carga de trabalho dos colaboradores.
Outro item que merece destaque é a liberação de capacidade em centros cirúrgicos com a melhor utilização das salas, através de melhor preparação, planejamento, agendamento etc.
Para chegar a esses resultados, os hospitais têm se utilizados de diversas técnicas lean. Evidentemente que esse cenário relatado é só o começo, pois o conhecimento sobre o assunto ainda é bastante escasso nos hospitais.
Há dois grandes obstáculos nos modelos mentais existentes que precisam ser vencidos para que esse movimento continue a florescer.
Muitos tendem a dizer que hospital não é igual a uma indústria ou a uma montadora de veículos. E outros podem dizer que como todas as atividades em uma organização são os processos, tudo é muito parecido.
Ambas as visões têm uma parcela de razão. Se de um lado, há particularidades e especificidades na gestão hospitalar, há também uma série de elementos comuns a todas as organizações, inclusive montadoras de veículos.
Mas o que precisamos erradicar de vez é a mentalidade de que a única maneira de melhorar os serviços de saúde é através de uma maior alocação de recursos. Essa visão imobiliza nossas atenções e negligencia o fato de que é possível melhorar dramaticamente o desempenho do sistema de saúde através da melhor utilização dos recursos já existentes com novas técnicas, métodos e filosofia de gestão.
Muitos ainda não aprenderam a enxergar o valor e o desperdício sob a ótica do paciente. Há uma premente necessidade de novos conhecimentos e aprendizado sobre uma maneira diferente de administrar. Mas já há fortes indícios de que a administração hospitalar finalmente começa a sair da UTI em busca de sua própria cura.
Fonte: Revista Época NEGÓCIOS