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Estabilidade no emprego não atrapalha

Pelo contrário, pode ser uma condição básica para que os esforços de melhoria prosperem e se consolidem

Palestrei recentemente em uma conferência sobre “Lean na Saúde”. Após várias apresentações de empresas de distintos setores, inclusive da área médica e hospitalar, mostrando os progressos conquistados e os excelentes resultados obtidos com a introdução de novas práticas e conceitos gerenciais inspirados na filosofia lean, uma das perguntas que me foi formulada em um painel de debates foi a seguinte: “A estabilidade no emprego do funcionalismo público não seria um dos maiores obstáculos para a adoção de novas práticas gerenciais e da melhoria contínua nesse setor?”.

Minha resposta foi muito clara. Sugeri que, ao contrário, um dos fatores fundamentais e requisito necessário para que haja ganhos sustentáveis de produtividade e de eficiência é o engajamento direto das pessoas envolvidas com o trabalho. E como muitas das melhorias significam a possibilidade de se fazer mais com menos recursos e, portanto, menos pessoas, muitos seriam induzidos a reduzir a quantidade de pessoas necessárias por meio de demissões. Se isso acontecer, há uma tendência das pessoas reduzirem seu envolvimento e os processos podem voltar a piorar. E, assim, morrerem as iniciativas de melhoria.

Ou seja, a estabilidade no emprego não atrapalha. Pelo contrário, seria uma condição básica para que os esforços de melhoria prosperem e se consolidem.

Mas entendi a preocupação da pessoa que formulou a pergunta. Ela poderia estar sentindo muitas dificuldades em provocar mudanças em um ambiente pouco afeito às mesmas. E, talvez, imaginasse que a estabilidade no emprego provocasse acomodação nas pessoas.

Se a estabilidade no emprego é um fator que ajuda, então, quais seriam os fatores que não ajudam ou mesmo que atrapalham. Independente de uma organização ser pública ou privada, o fator essencial que impulsiona o movimento em busca da melhoria é a liderança, em seus diferentes níveis. Se houver um compromisso e uma necessidade de melhoria e a liderança for capaz de engajar a todos, então, teremos o florescimento de iniciativas positivas.

Fui conhecer um esforço inicial de uma prefeitura que contava com o suporte de uma fundação ligada a mesma, com a colaboração de pessoas que já tinham tido experiências bem-sucedidas em empresas privadas.

A equipe envolvida em um projeto piloto desenvolveu uma série de sugestões que iria reduzir dramaticamente o tempo de espera dos cidadãos por documentos requisitados à prefeitura. Embora a legislação local definisse um prazo máximo de 7 dias úteis para a entrega desses documentos, a equipe conseguiu mostrar que seria possível atender a necessidade de quase toda população demandante entre 3 e 4 dias, sem nenhum investimento adicional e sem necessidade de contratações. Ao contrário, seria necessário um número menor de pessoas no processo.

Um exame preliminar dos processos básicos envolvidos, da demanda, dos tipos de documentos requeridos e dos tempos me sugeriu que, na verdade, com algum esforço adicional, além das ações propostas por esse projeto piloto, seria possível reduzir esse tempo para 1 hora, na maioria os casos.

Mesmo sem qualquer ameaça a esses empregos, pois os servidores públicos tem estabilidade e poderiam ser reaproveitados em outras tarefas e serviços de interesse da população, o projeto piloto teve pouco apoio. Da parte responsável de maior autoridade da secretaria municipal envolvida, ouvi que reduzir esses tempos não era assim tão importante, pois a legislação já era atendida. E da parte dos supervisores envolvidos diretamente com o processo, ouvi que “se o tempo de espera fosse reduzido tanto assim, as pessoas atendidas ficariam mal acostumadas”. Diante dessa resposta, não tive alternativa a não ser virar as costas e partir.

Com mudanças muito simples nos processos de trabalho, a maioria dos cidadãos poderia ser atendida rapidamente, em cerca de 1h, resolvendo o seu problema quase que imediatamente, perdendo menos tempo e, ainda, poderiam ser liberados funcionários para outras atividades de importância para quem paga os impostos. Repetindo, sem nenhum investimento adicional, a não ser implementar algumas mudanças nos métodos e processos de trabalho.

O notável dessa história é que não houve um interesse por parte das lideranças envolvidas, no nível mais alto e no nível dos envolvidos diretamente com o processo. O aspecto potencialmente favorável, que é a estabilidade no emprego, não foi relevante. Todos poderiam ser beneficiados. Mas os esforços iniciais de melhoria encontraram barreiras fortíssimas.

Essas situações também acontecem em empresas privadas. O que faz um movimento de melhoria prosperar é a atitude das lideranças ao definir o propósito, objetivos e metas claras, desdobrá-las, apoiar as pessoas a mudar os processos e as atividades de modo a conquistar essas melhorias.

Estabilidade no emprego ajuda a viabilizar a criação de iniciativas de melhoria contínua. A liderança interessada com propósitos claros faz as iniciativas florescerem.

Fonte: Revista Época NEGÓCIOS

Publicado em 04/06/2012