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Não mexa na cena do crime


Um colega estava fazendo um trabalho para melhorar a eficiência de um almoxarifado em uma empresa que estava buscando melhorar seu desempenho. O almoxarifado havia ficado abarrotado e caótico devido o aumento do volume de vendas e de produção e da variedade e complexidade dos produtos.

A solução normal seria a simples expansão das instalações físicas, quer seja através de tendas provisórias, quer seja construindo elaborados edifícios com sistema automatizados caros.

Mas essa empresa já vinha passando por uma transformação lean e resolveu testar essa abordagem para resolver esse problema, sabendo vagamente da existência de uma série de técnicas e conceitos em torno do “armazém enxuto”.

O enfoque do meu colega era bastante simples. Sugeria que primeiro se entendesse com profundidade a situação atual e que, para isso, seria necessário ir ao gemba, local onde as cosas acontecem.

Ao chegar lá, e com a experiência de muitos anos, notou, entre outras coisas, como a falta de nivelamento, de padronização e de gestão visual atrapalhava o desempenho, criando picos e vales que não permitiam a melhor utilização dos recursos, ora ociosos, ora estressados. Aliás, situação frequente em muitos almoxarifados.

Mas uma coisa, embora também não inusitada, chamou a sua atenção. A grande quantidade de produtos em estoque que estava há mais de um ano no almoxarifado, sendo que alguns estavam lá há quase três anos! Eram matérias-primas, materiais em processo e mesmo produtos acabados obsoletos, que não estavam sendo utilizados, mas que compartilhavam o mesmo espaço físico dos produtos em uso. Enquanto não eram resolvidas algumas pendências legais e financeiras, esse material continuaria nesse local.

Meu colega pediu então para que fosse colocada uma fita amarela, dessas utilizadas em cenas de crimes em filmes americanos, em volta desse “material morto” para mostrar claramente a existência desses itens desnecessários e supérfluos, separando-os claramente do material vivo, em uso na empresa. Assim, ficaria mais fácil enxergar a operação atual, podendo-se identificar os problemas e oportunidades e ações de melhoria fossem implementadas.

Na semana seguinte, ficou satisfeito em ver a fita amarela cobrindo os vários vãos nas prateleiras com os produtos obsoletos. Tinha a expectativa de que isso pudesse, entre outras coisas, estimular o senso de urgência e também mostrar a existência de espaços que poderiam ser melhor ocupados com materiais em uso efetivo.

Ao retornar algumas semanas depois na empresa para verificar o andamento das ações sendo implementadas a partir de um plano, meu colega ficou surpreso ao ver a “cena do crime” totalmente alterada. A fita amarela fora retirada e o material morto voltou a conviver pacificamente nas mesmas estantes com o material vivo, sem um uma clara distinção.

Indignado, ele foi saber o motivo disso e recebeu a informação de que na semana anterior a empresa recebera a visita de um diretor da matriz e que não seria conveniente que fosse despertada a sua atenção e que ele visse a cena do crime, onde jazia aquela montanha de material morto. Com isso, o diretor não ficaria com uma má impressão da unidade, esperavam eles.

É surpreendente como ainda hoje prevalece o “me engana que eu gosto” ou “melhor esconder problemas”, mesmo naquelas empresas que querem se transformar.

Como é difícil fazer as pessoas aceitarem o fato de que não adianta esconder problemas e que o melhor mesmo é expô-los para assim poder resolvê-los.

No nosso exemplo, alterar a cena do crime onde jaziam mortos milhões de reais em materiais inúteis pareceu, aos colaboradores da empresa, ser a coisa certa a fazer, ao invés de mostrar ao dirigente a existência do problema e a necessidade de se resolvê-lo.

Mas também, nesse caso, não se trataria de identificar e prender os culpados e até condená-los. Mas entender porque essa montanha de material inútil jazia calmamente sem que ninguém fizesse nada. Nem cadeia, nem mesmo demissões para ninguém.

Não façam como essa empresa. Não alterem cenas de crimes. Expor os problemas é essencial para uma empresa que quer prosperar. O crime não compensa. E escondê-lo muito menos.

Apesar de tudo, com muito esforço e dedicação, essa empresa conseguiu reduzir metade do espaço, metade do estoque com metade do pessoal no almoxarifado, reaproveitados em outras áreas. Em apenas cinco meses, sem investimentos.

Mas algumas mudanças na mentalidade das lideranças foram necessárias. Se elas continuassem a alterar as cenas dos crimes, escondendo seus próprios problemas por mais tempo, os materiais mortos desnecessários estariam lá ainda, e as outras mudanças não teriam sido feitas.

Fonte: Revista Época NEGÓCIOS

Publicado em 14/05/2012