NOTA DOS EDITORES: O Planet Lean e o Lean Institute Brasil não apoiam
nenhum partido político, na Itália ou em qualquer outro lugar. O objetivo do conteúdo
deste artigo é informar os leitores sobre a abordagem adotada por um dos candidatos,
independentemente de sua filiação política, e fornecer uma perspectiva única
sobre como uma campanha política pode ser gerenciada.
De 20 a 21 de setembro, milhões de italianos foram chamados às urnas
para votar nas eleições locais e regionais. Em disputa estavam sete regiões e várias
cidades, incluindo Matera. Essa cidade de 60.000 habitantes, localizada na região sul de Basilicata,
é conhecida pelos Sassi, duas extensas áreas de cavernas que representam um dos mais antigos
assentamentos continuamente habitados do mundo. É um local de grande beleza que, em 2019, foi a Capital
Europeia da Cultura.
Você pode se perguntar o que isso tem a ver com o pensamento lean. Bem, pela
primeira vez na Itália, uma abordagem lean foi usada lá para fazer uma campanha política
– nesse caso, a de Domenico Bennardi, do Movimento Cinco Estrelas. A ideia era simples: atingir o valor
máximo – vencer a eleição – com o mínimo de investimento. Neste estudo
de caso, explicarei como esse objetivo foi alcançado e como as pessoas envolvidas reagiram a essa
abordagem política bastante incomum e orientada para o marketing.
MAPEANDO O ESTADO ATUAL
Para entender o contexto e o estado atual completamente, a equipe contou com o modelo
A3 e com o Lean Marketing Canvas (uma ferramenta que descrevi em um artigo recente no Planet Lean – em inglês). Em particular, essas estruturas foram usadas para:
- Reunir dados da eleição anterior
(número de eleitores elegíveis, número de eleitores reais, número de partidos,
resultados do segundo turno).
- Identificar os erros cometidos na
eleição anterior.
- Estudar a Lei Eleitoral, bem como o processo e a
dinâmica política.
- Analisar a voz do cliente (ouvir atentamente os
problemas levantados pelos cidadãos).
- Identificar as principais causas de
insatisfação com o atual cenário político.
- Elaborar uma visão para estabelecer uma classe
política nova e mais jovem.
Em seguida, definimos os objetivos mínimo e máximo, os KPIs que
acompanharíamos e nosso público-alvo:
- Nosso objetivo mínimo era obter 10.000 votos e
chegar ao segundo turno da eleição para prefeito (que foi realizada de 4 a 5 de outubro) com
20-23% dos votos.
- Nosso objetivo máximo era ganhar a
eleição com o maior número de vereadores.
- Nós nos esforçamos para renovar a classe
política garantindo que 80% de nossa base fossem candidatos que nunca haviam se candidatado
antes.
- Nosso público-alvo: pessoas de 18 a 99 anos, o
que corresponde aos 50.730 eleitores elegíveis.
ANÁLISE DE PROBLEMAS E COMPETIDORES
Assim que analisamos a situação inicial, percebemos que nenhum partido
(excluindo o Movimento Cinco Estrelas) conseguiria concorrer sozinho e esperar atingir o objetivo mínimo
– chegar a 20% dos votos. Os motivos eram vários: não tinham muitos representantes na
Câmara Municipal; eles eram recém-estabelecidos e, portanto, pouco conhecidos; eles não
tinham muita presença em instituições públicas; eles tinham menos história em
comparação com outros partidos e eram menos ativistas.
Para solucionar esse problema, os partidos optam por formar uma
coligação com outros partidos para atingir o objetivo mínimo, com uma ressalva
(considerando as crenças do candidato e do estatuto do seu partido): nenhum candidato a vereador poderia
ter participado de outras coligações no passado ou concorrido com outros partidos que haviam
governado Matera na legislatura anterior.
Outra etapa importante em qualquer campanha (seja ela política ou de
marketing, na verdade) é entender com quem você está competindo. Então, analisamos os
outros candidatos à eleição para prefeito e os partidos que os apoiavam. Aqui estão
eles:
- Rocco Sassone, centro-direita, com
seis partidos (Lega, Forza Italia, Fratelli d’Italia e três outros partidos cívicos)
representando 188 candidatos a vereador.
- Giovanni Schiuma, centro-esquerda,
com cinco partidos (incluindo o Partido Democrático) e quatro outros partidos cívicos, para um
total de 138 candidatos.
- Pasquale Doria com dois partidos
cívicos e 54 candidatos.
- Nicola Trombetta com um partido
cívico de 32 candidatos.
- Luca Braia com um partido
cívico e 26 candidatos.
- Domenico Bennardi, o candidato que
apoiamos, com quatro partidos (Movimento Cinco Estrelas, VOLT, VERDI PSI e Matera 3.0) e 106
candidatos.
Ao mesmo tempo, iniciamos um processo de nemawashi para estabelecer
informalmente as bases para a mudança que queríamos alcançar ao discutir nossa abordagem
com as pessoas envolvidas na campanha e apoiá-las continuamente conforme elas se ajustavam ao novo
método.
No começo, os candidatos estavam céticos. Eles não estavam
acostumados a medir seu desempenho e ficaram surpresos pela prática de analisar os erros na frente de
seus colegas. Depois de algumas semanas, entretanto, eles começaram a enxergar os benefícios dessa
abordagem (ela tornava mais fácil não repetir os mesmos erros) e mergulharam de
cabeça.
NOSSA ESTRATÉGIA DE MARKETING LEAN
Com nossos objetivos claramente definidos, estávamos prontos para seguir para
a fase de execução. Mas não antes de definir claramente os papeis e as responsabilidades
dos colaboradores da campanha: mídias sociais, comunicação, logística, marketing
estratégico, relações públicas, gerente de operações etc. Isso ajudou
muito a desenvolver um sentimento de responsabilidade em cada membro da equipe.
Nesta etapa da campanha, nossa análise assumiu um papel vital. A Lei Eleitoral
Italiana recompensa a coligação que recebe o maior número de votos no primeiro turno da
eleição para os candidatos a prefeito, e não para os candidatos a vereador. Com base nisso,
começamos a treinar e desenvolver os colaboradores e os candidatos, explicando a eles como a lei funciona
em detalhes, alinhando-os em direção a uma meta comum e motivando-os. Ou ganharíamos a
eleição juntos ou perderíamos juntos.
O treinamento aconteceu durante toda a campanha, com sessões semanais de
alinhamento de 35-40 minutos com os candidatos. Durante essas reuniões, oferecemos a eles as ferramentas
de que precisavam para fazer uma campanha eficiente – por exemplo, relatórios de dados. Em termos
de KPIs, rastreamos leads e propectos (sendo que os leads são eleitores em potencial que ainda não
escolheram nenhum candidato; já os prospectos são eleitores que já estão ativamente
engajados com o candidato). Semana após semana, olhávamos para os resultados conquistados e para
qualquer desvio que possa ter ocorrido. Isso nos informava sobre como planejar para comícios e outros
eventos da campanha, que deveriam preencher a lacuna identificada.
Graças a essa abordagem, com base em uma análise e controle
contínuos e motivação, toda a coligação se manteve focada no Norte
Verdadeiro, fazendo com que Domenico Bennardi fosse eleito mesmo que isso significasse sacrificar seus
próprios votos.

NOSSA ABORDAGEM À COMUNICAÇÃO
Outro motivo por trás do sucesso da campanha de Bennardi foi o estilo de
comunicação do candidato a prefeito com o resto da coligação. Esse era justamente o
foco do treinamento: garantir o alinhamento dos candidatos e moldar sua comunicação durante os
comícios e os encontros com os eleitores. O foco estava em escutar a voz do cliente, discutindo as
necessidades reais das pessoas de Matera em vez de responder aos ataques dos rivais (na verdade, parte da
estratégia era evitar sequer mencionar os oponentes de Bennardi). Todos os 106 candidatos deveriam adotar
essa abordagem e somente compartilhar informações relacionadas ao plano de Bennardi, em vez de
gastar tempo com guerras fúteis de palavras com os oponentes. Num primeiro momento, essa foi talvez a
coisa mais difícil da campanha – é difícil não responder a
provocações e ataques pessoais –, mas no final mesmo os “keyboard
warriors”1 da
coligação começaram a aderir à política, após enxergar os excelentes
resultados que conquistamos semana após semana.
O pensamento lean até mesmo definiu o slogan da campanha de Bennardi, que foi
inspirado na tradução para o italiano da palavra kaizen: “Cambia in
meglio”, que significa “Mudar para melhor”. Essa mensagem foi claramente aceita pelos
cidadãos de Matera e claramente contribuiu para a vitória de Bennardi.
Também percebemos a importância de tornar a informação que
compartilhávamos o mais facilmente consumível possível. Com isso em mente, resumimos o
programa de eleição de Bennardi (que ainda estava disponível por completo no website) em um
folheto com diferentes cores correspondendo a diferentes tópicos – desde meio ambiente até
planejamento urbano, desde turismo até esportes. Veja na figura acima. O lean nos ensina o poder da
visibilidade, algo que levamos a sério quando definimos nossa abordagem à
comunicação.
A fim de reduzir o tempo e os custos do projeto e da impressão de panfletos,
programações, posters, outdoors etc., decidimos confiar em uma visão única para toda
a coligação. Isso também nos ajudou a passar uma mensagem de consistência e
união, ao mesmo tempo que oferecemos aos eleitores uma visão geral clara de quem era parte dos
partidos. Cada panfleto ou qualquer outro recurso eleitoral poderia, portanto, ser personalizado para cada
candidato da coligação. Outro benefício dessa abordagem foi que fomos capazes de evitar
personalismos e garantir um nível igual de visibilidade a todos os candidatos (o que é muito
importante para aqueles que não gastam dinheiro para imprimir e colocar outdoors).
O website que criamos, que contém as informações mais relevantes
sobre Dominico Bennardi, sua história e seu plano para Matera, também se tornou uma ferramenta
para informar a campanha e ajustar nosso objetivo: os dados fornecidos a nós com
informações preciosas sobre os usuários.
Nossa estratégia de mídia social focava principalmente no Facebook e no
Instagram. A página do Facebook, em particular, se tornou a principal plataforma que o candidato usava
para alcançar sua base. Aqui, postávamos todas as fotos, gráficos, atividades,
comícios, slogans, vídeos, lives para manter as pessoas atualizadas sobre as atividades
diárias de Bennardi.
De forma crítica, a análise dos insights da página nos permitiu
medir a resposta de cada post e, mais importante, sentir as reações dos eleitores e suas
opiniões sobre tópicos importantes. Nosso trabalho no Facebook nos ajudou a entender os principais
tópicos da campanha, as coisas com que as pessoas realmente se preocupavam e o tipo de
comunicação a que elas mais respondiam. Sincronizar nossa mensagem (com todos os candidatos
compartilhando os posts de forma consistente e rápida) aumentou a visibilidade e a popularidade de nosso
conteúdo, o que forçou nossos competidores a gastar dinheiro com propaganda e conteúdo
patrocinado para tentar nos alcançar.
Devido à pandemia, as pessoas se mostraram relutantes em participar dos
comícios e outros eventos pessoais, e é por isso que os vídeos e os eventos ao vivo no
Facebook representaram uma parte tão importante de nossa estratégia. Eles não só
permitiram que alcancemos mais pessoas, mas também, como mencionado acima, forneceram a nós
grandes insights que nos ajudaram a formar nossa mensagem.
Os aplicativos de mensagens instantâneas, como WhatsApp e Telegram,
também foram importantes na campanha. Eles foram usados para informar os colaboradores sobre atividades
que estavam acontecendo e mudanças de planos de última hora, garantindo que a campanha ocorresse
de forma suave.
RESULTADOS E REFLEXÕES
No primeiro turno das eleições, Bennardi recebeu 27% dos votos (nossa
meta era 20-23%), o que significa que ele enfrentaria Rocco Sassone (da coligação centro-direita)
duas semanas depois no segundo turno. Escolhemos por não juntar forças com outras
coligações; em vez disso, Bennardi e sua campanha continuaram focando em seus esforços de
comunicação inspirados pelo lean e mantiveram a estratégia.
Nos dias 4 e 5 de outubro, essa abordagem deu resultado, levando Bennardi a uma vitória enfática contra
Sassone. O resultado final foi 68% dos votos para Bennardi e 32% para Sassone (que foi o candidato mais votado no
primeiro turno). Então, o valor máximo foi conquistado para a campanha de Bennardi com o mínimo
de custo: ela custou um sexto do que a dos oponentes.
Colocar o lean em nossa estratégia de comunicação significa que conseguimos concentrar a maior
parte de nossos esforços de campanha em diversas plataformas, o que, por sua vez, resultou em custos de
marketing muito mais baixos e em nossa habilidade de controlar a campanha mais de perto. Também sentimos o
efeito da Covid-19: o medo da infecção manteve as pessoas em casa e efetivamente tornou a campanha
digital, sendo movida em grande parte para a mídia social. Ao medir o impacto de nossos posts e nossa
atividade online, pudemos entender com o que os eleitores realmente se preocupavam e ajustar nossa mensagem de
acordo para endereçar suas preocupações.
O novo prefeito de Matera e sua
coligação nunca haviam pensado que o método científico poderia ser tão importante
para uma campanha política. As pessoas acreditam que a política só tem a ver com
relacionamentos, comícios e emoções. Embora isso seja parcialmente verdade – não
há dúvidas de que a emoção tenha um papel na escolha de quem votamos –, foi
incrível ver quanto sucesso a campanha teve graças a uma análise consistente de dados, um foco
nas necessidades dos eleitores e uma estratégia baseada na melhoria contínua. Se essa não for
uma prova de que o lean sempre vence, eu não sei qual será!
Nota da tradutora
1. Uma pessoa que faz posts abusivos ou agressivos na internet, normalmente escondendo sua verdadeira identidade. (Definições da Oxford Languages)