GERAL

Pensamento lean para o negócio em família

James Womack
YOKOTEN DE WOMACK - O autor discute os benefícios que as muitas empresas familiares que compõem nossas economias podem aproveitar ao adotar a gestão lean.

Meu primeiro encontro com o funcionamento interno de organizações criadoras de valor - mais de 40 anos atrás - foi através da indústria automotiva, onde comecei a visitar empresas automobilísticas para fins de pesquisa em 1975. Minha primeira parada foi na General Motors, onde a gestão moderna e amplamente pública estava mais profundamente enraizada. A GM teve muitos problemas, mas ainda assim se destacou em sua indústria, então logo concluí, erroneamente, que essa seria a abordagem dominante da indústria mundial no futuro. Tudo o que era necessário era encaixar um pouco o pensamento e as ferramentas lean no sistema de gestão inventado por Alfred Sloan por volta de 1920 (e aperfeiçoado pela General Electric durante a época de Jack Welch).

Naquele momento, eu via as empresas de propriedade familiar - a maioria utilizando a gestão tradicional de pequenas empresas - como um fenômeno vestigial sendo gradualmente varrido por uma maré moderna, que por sua vez se encontrava com a contra-maré da gestão lean. Por isso, nunca esperei visitar ou me envolver com empresas familiares que utilizavam a gestão tradicional e não pensei mais sobre isso durante 15 anos. Elas eram antiquadas e estavam perdendo espaço.

Para minha surpresa, uma das primeiras empresas a me contatar depois da publicação de "A Máquina que Mudou o Mundo", em 1990, era uma grande empresa familiar que se preparava para a transição para a terceira geração. E, desde então, tenho visitado inúmeras empresas familiares, muitas em sua terceira ou quarta geração. Na maioria dos países, elas continuam a ser uma fração substancial das empresas criadoras de valor e do PIB, particularmente quando incluem firmas controladas por famílias com uma medida substancial de propriedade pública (por exemplo, a Ford, onde a família criou uma classe especial de ações, com direitos especiais de voto, reservada apenas aos membros da família, quando a empresa "abriu o capital" em 1956, conseguindo, assim, manter o controle do presente). Resumo: não acho mais que as empresas familiares desaparecerão.

Durante muito tempo, essa perspectiva parecia lamentável. Eu costumava visitar empresas familiares experimentando ferramentas lean, mas praticando a gestão tradicional de “o fundador sabe o que é melhor” (muitas vezes “o pai sabe o que é melhor”), de cima para baixo. Todos os gerentes eram julgados pelo relacionamento com o fundador/proprietário, em vez de ter medidas objetivas de desempenho, não havendo um método acordado de melhoria ou de implantação de iniciativas estratégicas. Parentes com desempenho insatisfatório apareciam em todos os lugares. Comecei a pensar que o verdadeiro propósito dessas organizações era criar e manter empregos seguros para os membros da família. Esse parecia ser um solo rochoso demais para transformações lean sustentáveis.

Com o passar do tempo, gradualmente mudei de ideia. Concluí que a fraqueza das empresas familiares é que elas usam a gestão tradicional o máximo que podem, mas acabam mudando para a gestão moderna à medida que crescem ou que os desafios do negócio emergem (leia "O Trabalho da Gestão", de Jim Lancaster, para uma história clássica de mudança entre a primeira e a segunda gerações de propriedade familiar, algo que envolveu uma transição da gestão tradicional para a moderna, até Jim descobrir algo melhor e mais lean). As empresas familiares também não sabem o que fazer com os descendentes do fundador, que muitas vezes têm habilidades e interesses muito diferentes do que a primeira geração e dos colegas que se juntaram ao fundador para construir o negócio.

No entanto, se essas empresas puderem ser convertidas em um sistema de gestão lean com os membros da família em funções que atendam às suas habilidades, acredito que elas possam ter algumas vantagens reais, tanto competitivamente quanto para a sociedade. Descrevi alguns deles na minha coluna de junho sobre uma empresa familiar de segunda geração que está fazendo a transição lean (da gestão moderna nesse caso) e que tem sido capaz de defender seus colaboradores no longo prazo criando mais valor para clientes com menos desperdício.

Deixe-me sugerir que o pensamento lean aplicado às empresas familiares tem três grandes benefícios:

Primeiro, ele fornece um método transparente e visível para julgar a eficácia de todos os gerentes, incluindo os membros da família e os colegas do fundador, à medida que eles se esforçam para criar estabilidade básica nas áreas supervisionadas, melhorar continuamente o desempenho e responder às necessidades adicionais para mudanças e melhorias identificadas pelo planejamento hoshin. Isso é possível através do gerenciamento diário, da análise A3 e dos ciclos anuais de hoshin. Os membros da família com desempenho fraco nessas tarefas podem ser treinados para melhorar seu desempenho ou serem movidos pelo grupo de recursos humanos para áreas, incluindo cargos no conselho, onde seu desempenho não é tão crítico. E isso não é um tratamento especial para os membros da família, porque todos os gerentes estão sendo avaliados, treinados e designados da mesma maneira. Essa é uma maneira de ir além da empresa familiar, com parentes que não estão à altura, mas que têm que seguir adiante de qualquer maneira, sem meios de melhorar ou de encontrar papéis que atendam às suas habilidades.

Em segundo lugar, a gestão lean fornece um sistema que não precisa mudar com o passar das gerações ou com novos CEOs. Pessoas de fora muitas vezes são contratadas quando uma família entra em conflito com a sucessão ou concorda que não há membros adequados na família. Isso cria uma situação arriscada quando a família não conhece profundamente o sistema de gestão da empresa ou não tem compromisso com ele, e o novo CEO sente a necessidade, como a maioria das vezes parece que acontece, de deixar uma marca na organização com um novo programa ou até mesmo com um novo sistema  de gestão. Por outro lado, os membros da família que aprenderam por longos períodos os métodos de gestão lean, de gerenciamento diário, de kaizen e de hoshin, ao praticá-los diretamente desde o início de suas carreiras, podem ser líderes efetivos da próxima geração. Ou eles podem servir como membros do conselho administrativo que ajudam a direcionar um rumo constante para o Norte Verdadeiro da organização ao longo de gerações, mesmo se não houver funções de gestão para eles dentro da empresa.

Terceiro, a introdução da gestão lean torna mais fácil para as empresas familiares assumirem o papel de defender seus colaboradores através de ciclos de negócios e crises. Os líderes de empresas públicas sentem que simplesmente não podem fazer isso sem serem punidos por investidores no curto prazo, e os proprietários de private equity não planejam ficar por perto o tempo suficiente para proteger os colaboradores. Portanto, essa importante tarefa social é mais facilmente executada por empresas familiares com longos horizontes de tempo e um senso de obrigação para com os colaboradores. No entanto, as empresas familiares muitas vezes retiveram a proteção dos colaboradores porque não tinham um sistema de gestão que convertesse desperdícios continuamente em valor e permitisse a construção de reservas para resistência a ciclos e crises. O pensamento lean e a gestão lean focam, antes de tudo, no processo de transformação de desperdício em valor, o que pode criar essas reservas e tornar a gestão dos colaboradores mais prática.

Anos atrás, depois do meu primeiro encontro sério com uma empresa familiar, lembro-me de dizer a um colega: “a empresa familiar (uma fazenda, por exemplo) parece ser uma ótima ideia até você conhecer a família”. Mas agora acho que a maioria das empresas familiares com problemas não está nessa posição devido a falhas na ideia de propriedade familiar, com membros individuais da família ou com uma dinâmica familiar bizarra. Em vez disso, elas sobrevivem com desempenho muito inferior ao possível devido às falhas da gestão tradicional ou moderna. Mas elas podem encontrar uma nova estabilidade enquanto empresas familiares duradouras quando a gestão lean é apresentada como contramedida.

Portanto, transformar empresas familiares presas na gestão tradicional ou moderna, com membros da família deslocados ou sem suporte em suas funções, é uma importante área da prática lean no futuro e uma oportunidade significativa para melhorar a vida dos proprietários e de seus colegas e colaboradores. Espero que muitos membros da comunidade lean, incluindo muitos jovens membros de famílias que encontrei nos últimos anos, enfrentem o desafio de aplicar o pensamento lean na empresa familiar.

James P. Womack, especialista em administração, é fundador e conselheiro sênior do Lean Enterprise Institute. Sua base intelectual no Cambridge Institute, em Massachussetts, é descrita em uma série de livros e artigos em coautoria do próprio Jim e de Daniel Jones nos últimos 25 anos. Durante o período de 1975-1991, ele foi um cientista de pesquisa em tempo integral no MIT, dirigindo uma série de estudos comparativos das práticas mundiais de fabricação. Como diretor de pesquisa do Programa Internacional de Veículos Motorizados do MIT, Jim liderou a equipe de pesquisa que cunhou o termo "produção lean" para descrever o sistema de negócios da Toyota. Ele foi presidente e CEO do LEI de 1997 até 2010, quando foi sucedido por John Shook.

Publicado em 06/09/2018

Autor

James Womack
Fundador e consultor sênior do Lean Enterprise Institute.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal