O termo japonês mieruka, frequentemente traduzido como “tornar visível” ou “visualizar para entender”, é um dos artefatos mais poderosos da prática Lean. Ele expressa uma premissa de que só conseguimos gerenciar bem aquilo que conseguimos enxergar com clareza. Tornar o desempenho visível e acessível é uma forma de estimular a inovação, orientar decisões rápidas e manter todos alinhados em torno de um propósito comum. É disso que trata a gestão visual.
Ao sintetizar as informações essenciais de um processo em elementos visuais simples (como quadros, gráficos, padrões e sinais), a gestão visual transforma dados dispersos em conhecimento compartilhado, favorecendo o aprendizado contínuo. Em centros de distribuição, por exemplo, quadros de gestão visual ajudam a alinhar rapidamente líderes e operadores sobre metas, problemas e prioridades. Essa transparência cotidiana reforça o senso de unidade das equipes e estimula o engajamento de todos com o sucesso coletivo da operação, independentemente do nível hierárquico e do grau de capacitação.
Mas, a gestão visual não deve se limitar à confecção de quadros. Seu valor está em como ela se integra à rotina da organização por meio de práticas consistentes de liderança, desdobramento da estratégia e solução de problemas. Para isso, conhecer as principais ferramentas de gestão visual — e o propósito de cada uma delas — colabora para que gestores e agentes de melhoria contínua em logística possam aplicá-las de modo coerente às suas necessidades reais.
Diferentes quadros, diferentes propósitos
O universo das práticas Lean oferece uma variedade de quadros e ferramentas para colaborar com a gestão visual. Entender suas diferenças, finalidades e complementaridades é importante para fortalecer o modelo de gestão na logística. A Tabela 1 apresenta algumas das ferramentas tradicionais mais utilizadas para gestão visual, suas respectivas finalidades e exemplos de aplicação na logística.
Cada uma dessas ferramentas apresentadas na Tabela 1 tem uma utilidade específica. Devem, portanto, ser utilizadas a partir de sua finalidade, de forma aderente ao problema de gestão que precisa ser resolvido (propósito). Quando utilizadas de forma integrada e articulada entre si, contribuem para a construção de um sistema de gestão mais coeso, capaz de responder com agilidade às mudanças do ambiente.
Tabela 1 — Comparativo de ferramentas Lean para gestão visual
Os quadros de gerenciamento diário
Os quadros de Gerenciamento Diário (GD) são outros artefatos fundamentais da gestão visual em sistemas Lean. Por oferecer uma dinâmica única no sistema de gestão, merecem um capítulo à parte para discussão. A finalidade dos quadros de GD é alinhar a operação à estratégia da empresa, acompanhando a execução diária das atividades, sustentando resultados e otimizando a performance por meio da solução estruturada de problemas.
Os quadros de GD se associam à rotina da liderança, sendo utilizados para o desdobramento da estratégia em todos os níveis. São organizados de forma clara e acessível, e apresentam três blocos centrais (compromisso com a estratégia; variáveis de controle; e solução de problemas) que permitem à equipe compreender rapidamente se o processo está sob controle, quais metas estão em risco e quais ações devem ser tomadas. É o conjunto destes três blocos em um único quadro que qualifica o GD como uma abordagem de gestão para execução da estratégia, monitoramento de resultados e solução de problemas.
Empresas de diversos setores têm adotado amplamente o GD. Na logística, tem se mostrado particularmente valioso em almoxarifados e CDs, promovendo alinhamento diário entre líderes e operadores, facilitando o controle de variáveis críticas como produtividade na separação, perdas e nível de serviço. No varejo, seu uso tem contribuído para alavancar vendas e melhorar a experiência do cliente ao permitir que as equipes de loja exponham e resolvam rapidamente problemas.
Além disso, a abordagem tem sido aplicada com sucesso em áreas como compras e planejamento, nos mais variados segmentos da indústria, reforçando sua ampla aplicabilidade como artefato de gestão orientado à ação e à melhoria contínua. Também em ambientes dinâmicos, como o de logtechs, é suficientemente versátil para se adaptar e colaborar com a gestão ágil de projetos e com o crescimento organizacional.
Os quadros de GD são utilizados tanto em nível operacional quanto gerencial, servindo como pontos de encontro para discussões rápidas e objetivas sobre o desempenho diário de processos e variáveis de controle. Em cada um desses níveis, o quadro do GD é sempre constituído pelos mesmos três blocos, mas, com algumas diferenças, conforme apresentado na Tabela 2.
Tabela 2 — Blocos constitutivos do quadro de GD e suas diferenças para os níveis operacional e gerencial
No entanto, é essencial entender que o GD é uma abordagem de gestão que vai muito além de seu quadro visual. O GD combina elementos de liderança, disciplina na rotina e conexão estratégica para dar cadência, propósito e engajamento à operação. O quadro é apenas o ponto de partida para um processo mais amplo de escuta, aprendizado e ação, no qual líderes e equipes compartilham responsabilidades, expõem problemas e atuam de forma coordenada para garantir o alcance dos objetivos do negócio.
Uma vez estruturado, o GD conecta o gemba (local real onde o trabalho acontece) à estratégia da organização, promovendo um ambiente onde o progresso se torna visível, a melhoria contínua acontece e o alinhamento entre todos os níveis é permanente.
Analógico ou digital: o que importa é o uso e o aprendizado
Com o avanço das tecnologias digitais, é cada vez mais comum que quadros de gestão estejam presentes em plataformas on-line, integrados a sistemas de dados em tempo real e acessíveis remotamente pelas equipes. Essa digitalização permite, por exemplo, acompanhar variáveis de controle de forma dinâmica, mesmo em reuniões virtuais, com alto nível de precisão. No entanto, mais importante do que o formato (analógico ou digital) é a forma como o quadro é utilizado no dia a dia.
A interação humana ao redor de um quadro físico continua sendo um poderoso catalisador de engajamento e solução de problemas, especialmente em ambientes operacionais. Por isso, muitas organizações iniciam a gestão visual com quadros analógicos (com papel e caneta), testam sua eficácia, aprendem com a rotina e, depois, os transformam em soluções digitais mais robustas. Os quadros analógicos têm forte apelo interativo na operação, enquanto quadros digitais ganham força em ambientes distribuídos ou híbridos. Mesmo no formato digital, é essencial que os quadros digitais estejam visíveis no gemba, como em uma tela de TV próxima ao processo, mantendo sua função central de alinhar, informar e mobilizar as pessoas para a ação.
Gestão visual não é só tornar informações visíveis
É importante diferenciar que “gestão visual” não é simplesmente “tornar visuais as informações”. Gestão visual não se resume a expor dados em uma parede ou tela. Trata-se de criar um ambiente onde as informações certas estão acessíveis às pessoas certas, no momento certo, com clareza suficiente para orientar decisões e ações na medida certa.
Um quadro de gestão não é um painel decorativo. Antes, ele revela seu propósito de existir, mostra se a operação está dentro dos padrões esperados e colabora com a intervenção no processo no ponto e momento certo. O essencial é que a gestão visual seja um meio ativo de gerenciamento, que revele problemas e favoreça o diálogo, e não um mero repositório passivo de informações.
Liderança que dá visibilidade e propósito
Nenhuma ferramenta de gestão visual se sustenta sem a presença ativa de uma liderança conectada ao cotidiano das operações. Os quadros de gestão não substituem a presença dos líderes no gemba. Pelo contrário: são instrumentos que facilitam essa aproximação. Quando bem aplicados, ajudam o líder (um supervisor de transportes, por exemplo) a enxergar com clareza os desafios enfrentados pelas equipes naquele momento (como atrasos, bloqueios e pendências fiscais), a tomar decisões baseadas em fatos e a apoiar o desenvolvimento dos colaboradores com respeito. Pautada nas práticas Lean, essa liderança transforma quadros e reuniões em momentos de aprendizado, reforçando a conexão entre o propósito do negócio e o trabalho realizado todos os dias.
Exemplo prático de gestão visual na logística
Um exemplo prático ilustrativo é uma empresa varejista que desenvolveu seu sistema de gestão integrando as distintas ferramentas de gestão visual conectando sua operação logística. Esta empresa, em seus CDs, utiliza o Quadro Hora a Hora para acompanhar o volume previsto e realizado da separação, o Quadro Kanriban para a alocação de operadores entre recebimento e expedição, e o Quadro Kamishibai para auditoria das condições de trabalho e segurança. Em paralelo, os supervisores de logística utilizam o quadro de GD operacional (consolidando indicadores e problemas não resolvidos apontados no quadro hora a hora) e os gerentes das lojas têm, cada um, o seu GD gerencial. A Obeya, por sua vez, é utilizada para a gestão dos projetos estratégicos, que envolvem a expansão do negócio pela construção civil de novas lojas e a adoção de novas tecnologias (softwares e equipamentos). Essa Obeya contém um quadro GD gerencial com os principais indicadores a serem aferidos e acompanhados pelos executivos e um quadro MPT onde estão desdobradas as ações dos projetos estratégicos.
Esse exemplo evidencia que as ferramentas de gestão visual não competem entre si, mas se complementam, cada uma cumprindo um papel específico no sistema de gestão. A chave está em compreender a finalidade de cada ferramenta e aplicá-la de forma intencional: se o desafio está em cumprir prazos curtos (por exemplo, em escala horária), o Quadro Hora a Hora pode dar ritmo e foco; se o problema é a alocação de pessoas, o Kanriban ajuda a visualizar e agir; se a questão é o acompanhamento de um grande projeto, a Obeya traz clareza e favorece a interação.
Assim, a escolha da ferramenta parte sempre de uma pergunta essencial: “o que precisa ser melhorado hoje na logística?”. A resposta orienta a construção de um sistema de gestão visual sob medida para essa finalidade.
Gestão visual para alinhar, agir e evoluir
A gestão visual é muito mais do que a estética de tornar informações visíveis: é estratégica na logística para permitir acompanhar a performance e intervir na medida certa. As práticas Lean para gestão visual ajudam a transformar metas abstratas em ações concretas, mensuráveis e de forma transparente. Quando bem desenhado, o sistema de gestão se torna um organismo vivo, que pulsa no ritmo do trabalho real, conecta todas as áreas da organização e permite evoluir com base no aprendizado coletivo.
É nessa interseção entre estratégia, rotina e pessoas que a gestão Lean mostra sua força por meio de suas abordagens e ferramentas. E é ao tornar visível o que realmente importa (mieruka) que a logística constrói culturas resilientes, colaborativas e orientadas à melhoria contínua.
Referências
- ABAD, S. Entendendo as ferramentas Lean de gestão visual. Planet Lean - The Lean Global Network Journal, 2019.
- BATTAGLIA, F.; ITIKAWA, R. Obeya para gestão de projetos. LeanM@il. Lean Institute Brasil, 2024.
- FERRO, J. R.; GOUVEIA, R. Gerenciamento diário para executar a estratégia. 1. ed. São Paulo: Lean Institute Brasil, 2021.
- KAMADA, S. A cadeia de ajuda para manter a estabilidade produtiva. Base de Artigos do Lean Institute Brasil, 2008.
- LANCASTER, J. O trabalho da gestão. 1. ed. São Paulo: Lean Institute Brasil, 2017.
- LEAN ENTERPRISE INSTITUTE. Léxico Lean: glossário ilustrado para praticantes do pensamento Lean. 5. ed. São Paulo: Lean Institute Brasil, 2016.