Nada se sustenta em ambientes de medo ou controle. A liderança lean entende que sua primeira responsabilidade é criar confiança, o terreno fértil onde as pessoas podem observar, questionar e melhorar o trabalho todos os dias.
Metade dos colaboradores não confia em seus líderes. Ao mesmo tempo, 76% dos líderes acreditam ser confiáveis.
A pesquisa Panorama de Gestão de Pessoas - Liderança (Sólides e Offerwise, 2025) revela mais do que uma diferença de percepções. Expõe um fenômeno que atravessa culturas e setores: a confiança está em queda livre.
O tema raramente aparece nas planilhas, mas seus efeitos estão em toda parte. Quando a confiança enfraquece, o medo se instala. O diálogo diminui, os erros se escondem, o aprendizado desacelera. E, no esforço de corrigir o que não funciona, as organizações respondem com mais controle – agravando o próprio problema que tentam resolver.
Durante muito tempo, a liderança foi construída sobre a lógica do comando. O controle era sinônimo de eficiência, e a previsibilidade, o valor supremo. Esse modelo produziu resultados em ambientes estáveis, mas se tornou disfuncional num mundo em transformação constante.
O excesso de supervisão, que um dia garantiu consistência, hoje gera apatia. A desconfiança se tornou parte da rotina, disfarçada em processos e indicadores. Reconstruir a confiança é o novo desafio estratégico das empresas.
E não se trata de um apelo sentimental, mas de uma questão de desempenho. É a confiança que faz o sistema funcionar. Sem ela, a colaboração se esgota, a inovação se retrai, e a melhoria contínua se torna retórica.
O pensamento lean, derivado do Toyota Production System (TPS), nasceu dessa compreensão. No coração do modelo japonês estão dois princípios inseparáveis: melhoria contínua e respeito pelas pessoas. Ambos dependem de confiança mútua. O TPS parte de um pressuposto simples e poderoso: as pessoas querem fazer um bom trabalho. Quando a liderança acredita nisso, o sistema pode ser desenhado para o aprendizado – não para a punição.
Na Toyota, qualquer colaborador pode interromper a linha de produção ao perceber um problema. Essa autonomia, chamada jidoka, só existe porque há confiança: o líder reconhece a responsabilidade do gesto, e o colaborador sabe que não será punido por expor um erro.
O kaizen, a prática de melhorar continuamente, também nasce dessa relação. Ele só floresce quando quem executa sente que pode propor mudanças sem medo. E o líder que pratica genchi genbutsu – que é ir ver o que realmente acontece no local de trabalho – demonstra que confia mais na realidade do que em relatórios.
Esses exemplos revelam que, no sistema lean, confiança é estrutura invisível que sustenta o aprendizado. Porém, o que o lean ensina com mais clareza é que confiança não se declara – constrói-se. Ela nasce da coerência entre o que se diz e o que se faz. Cresce na previsibilidade das decisões e na forma sobre como os erros são tratados. Cada ato de respeito ou transparência reforça o tecido da confiança; cada gesto de incongruência o desgasta um pouco mais.
Muitas empresas tentam compensar a falta de confiança com tecnologia. Investem em métricas, dashboards e sistemas de vigilância, acreditando que informação resolverá o problema. No entanto, dados não substituem vínculos humanos. Sem confiança, a tecnologia apenas torna o controle mais sofisticado e a cultura mais frágil. Organizações maduras usam informações para aprender, não para punir. Usam tecnologia para tornar problemas visíveis, não para escondê-los.
Reconstruir a confiança é, acima de tudo, uma prática de liderança. Ela começa pela presença: estar onde o trabalho acontece, ouvir sem pressa, compreender antes de agir. Prossegue pela coerência: fazer o que se promete, reagir com respeito diante dos erros, manter integridade nas decisões. E se consolida pela reciprocidade: oferecer às pessoas o mesmo grau de autonomia e dignidade que se espera delas.
Empresas que compreendem isso operam com menos atrito e mais clareza. Tomam decisões mais rápidas, baseadas em fatos e não em suposições. A confiança reduz o custo de coordenação e eleva a qualidade das conversas. É um ativo organizacional de alto valor – talvez o único que, quanto mais se compartilha, mais se multiplica.
O futuro da liderança depende de reconstruir esse alicerce. Não há transformação digital, cultural ou estratégica que sobreviva sem confiança. O pensamento lean oferece o caminho: confiar primeiro, agir com propósito e aprender todos os dias. Porque sistemas melhoram quando as pessoas podem pensar. E pessoas pensam melhor quando sabem que podem confiar.