SAÚDE

Construindo um hospital de aprendizado

Catherine Chabiron
Construindo um hospital de aprendizado
NOTAS DO GEMBA – No GHU Paris (Groupe Hospitalier Universitaire Paris), a liderança combina estratégia com visitas ao gemba, resolução de problemas pelo método 5C e aprendizado multifuncional para criar uma cultura de melhoria resiliente e centrada nas pessoas no cuidado psiquiátrico.

Hoje, estou visitando o Hospital Sainte Anne, em Paris. Quem me acompanha é Guillaume Couillard, responsável pelo GHU Paris Psychiatrie & Neurosciences (que inclui o Sainte Anne) e coautor de L’Hôpital Apprenant (O Hospital que Aprende), junto com Michael Ballé e Anne Lise Seltzer. Ao lado dele está Louise Manteau, que lidera o escritório de kaizen.

Um ambiente de trabalho complexo

Guillaume e Louise começam compartilhando alguns números. O GHU atende 60 mil pacientes em 170 unidades espalhadas por Paris e arredores, principalmente pessoas com transtornos psiquiátricos – uma área complexa e frequentemente incompreendida da saúde. A organização conta com 5.600 funcionários, sendo 600 médicos. O atendimento ambulatorial representa 85% do trabalho, mas o hospital também administra quase 2.000 leitos.

Como explicado em L’Hôpital Apprenant, hospitais precisam constantemente equilibrar tensões entre restrições administrativas, necessidades da enfermagem e decisões médicas. Hospitais psiquiátricos enfrentam um desafio adicional: dependem de orçamentos anuais fixos do governo e são frequentemente retratados pela mídia como o “canto esquecido” do sistema de saúde francês. Além disso, trabalhar em um hospital psiquiátrico nem sempre corresponde às expectativas de carreira de enfermeiros, o que dificulta a atração de talentos. É, portanto, um cenário bastante complexo.

Melhoria contínua para enfrentar a complexidade

Guillaume assumiu como diretor-geral do GHU em setembro de 2020. Na época, já havia experimentado com sucesso práticas de melhoria contínua, primeiro em Nancy e depois em Lyon. Ao chegar a Paris, percebeu que ações segmentadas e treinamento pontuais não seriam suficientes para promover a mudança em um grupo tão complexo e com múltiplos stakeholders. Ele precisaria estabelecer desde o primeiro dia uma cultura de melhoria contínua – algo mais fácil de falar do que de fazer.

Ele tomou três decisões críticas:

  • Definir a missão geral do hospital: “Tomar melhores decisões para nossos pacientes e apoiar nossa equipe de enfermagem.”
  • Lançar um amplo programa de aprendizagem individual por meio da resolução de problemas.
  • E caminhar incansavelmente pelo gemba para reforçar os dois pontos acima.
Quadro branco mostrando o método PDCA em cinco colunas para resolução de problemas em hospital, com data, problema, causa, contramedida e impacto.

Alinhamento estratégico no topo

Com todas essas informações em mente, seguimos para a obeya principal, no andar de baixo. É ali que Guillaume articula sua estratégia para o GHU (cuidar melhor tanto dos pacientes quanto da enfermagem) e realiza reuniões individuais com cada um de seus diretores.

Quadro Weakpoint Management

Analisamos indicadores (KPIs) que monitoram leitos indisponíveis, tempo de espera até a primeira consulta, tempo gasto nas áreas de enfermagem, nível de satisfação da equipe (70% de avaliações positivas), e assim por diante. Guillaume acompanha de perto relatórios regulares de pessoal para identificar unidades com grave escassez de enfermeiros – garantindo que recebam atenção e apoio.

O restante da obeya reflete uma abordagem simples e eficaz. Cada diretor – seja de Enfermagem, TI ou Manutenção – atualiza manualmente um quadro com suas metas e as mudanças que está gerenciando (em andamento, concluídas ou apenas previstas). Por que focar em mudanças? Diante das tensões já citadas entre administração, enfermagem e corpo médico, Guillaume sabe que a solução de uma área pode ser o problema de outra. As mudanças, portanto, são discutidas individualmente (para compreender e desafiar) e também no COMEX, onde colegas podem questionar riscos. “Discutir mudanças é uma ótima oportunidade para criar alinhamento e reforçar a estratégia”, afirma Guillaume.

O COMEX, ele explica, tem uma pauta totalmente padronizada para manter o foco na missão. Começa com uma história de paciente (uma reclamação, um problema, um incidente). Depois, um diretor relata sua última visita ao gemba. Em seguida, discutem as mudanças atuais ou previstas em suas áreas. E dedicam tempo para aprendizados de um kaizen recente. Quando chegam aos itens finais, o essencial já foi tratado.

Guillaume afirma manter firmeza na missão e no “como”, mas que é mais flexível com a velocidade da aplicação. Recentemente, passou a estimular a Análise Funcional nas reuniões individuais: “Quero que reflitam sobre seu papel e impacto, considerando as necessidades de clientes internos e externos, para determinar as funções que seu departamento deve desenvolver”, explica.

Após a visita à obeya, acompanho Louise para conhecer os outros departamentos do Hospital Sainte Anne. Ela quer mostrar como desenvolvem suas próprias obeyas conectadas à central. De fato, na Enfermagem encontramos a mesma missão explícita voltada aos pacientes e os mesmos quadros de acompanhamento de mudanças. Mas, de forma crucial, agora vemos como a missão se traduz no contexto específico. O apoio da gerência intermediária é um exemplo disso, enquanto a reflexão sobre trabalhadores temporários — que não pode ser resolvida apenas pela Enfermagem — será encaminhada para um grupo de trabalho multifuncional. A rotina de conversas individuais e de desafios coletivos é a mesma, e a missão geral em relação aos pacientes permanece inalterada.

Em seguida, seguimos para o setor de Compras e Logística, cuja missão é mais voltada a apoiar a equipe de enfermagem (tornando seu trabalho mais fácil, para que possam, por sua vez, tomar melhores decisões para seus pacientes). Mas eles vão além.

Guillaume Couillard

Guillaume Couillard

PDCA em cinco colunas presente em toda a organização

Cristina, à esquerda, and Ysatis, à direita

Cristina, à esquerda, and Ysatis, à direita

Cristina é a gerente de Compras e Logística. De pé ao lado do quadro, ela explica com entusiasmo o segundo elemento da transformação cultural em três frentes iniciada por Guillaume: o aprendizado contínuo em todos os níveis, por meio de um PDCA simples em cinco colunas – data, problema, causa, contramedida, impacto. Ela nos mostra, por exemplo, como a adaptação de ferramentas e rotinas a cada tipo específico de compra permitiu reduzir significativamente o tempo entre a solicitação de compra e o seu recebimento.

Ysatis, outra integrante da equipe de Compras, enfrenta dificuldades com atrasos nos pagamentos e falhas nos fluxos de informação. Seus 5Cs, como agora são chamados no hospital, têm como objetivo reduzir o tempo que a enfermagem gasta com tarefas administrativas e convencer fornecedores-chave a permanecer.

De volta com Guillaume, agora estou visitando um Centro Médico e Psicológico. Ele visita constantemente todos os hospitais do grupo, no ritmo de um ou dois por semana. Fico impressionada com o número de pessoas participando desta visita: médicos, equipe de enfermagem, psicólogos. Prova de que essa cultura de melhoria contínua está criando raízes, eu diria.

Estou presenciando aqui — por último, mas certamente não menos importante — o terceiro elemento da estratégia inicial de Guillaume para a mudança cultural: genchi genbutsu (“vá e veja por si mesmo”) durante visitas regulares ao gemba. Vejo-o fazer perguntas sobre pacientes, observar o processo de admissão, desafiar a equipe sobre atrasos ou sobre papéis e responsabilidades. As conversas são informais, mas sérias. Acontecem em pé, diante de um quadro, às vezes na própria ala de enfermagem. Ele também aproveita uma mudança iminente de software para engajar a equipe no compromisso com a preparação, a gestão de riscos e a solução de problemas.

“Quando vocês planejam se reunir em torno de um 5C para um momento de aprendizado?”, insiste Guillaume com a equipe, ansioso para que se comprometam com uma data e uma cadência regular para as sessões de aprendizagem. Após a visita, ele confirma que insiste em manter um takt time para o 5C, pois isso gera comprometimento. “Ele é agendado toda semana, não apenas quando se encontra tempo. Quando o takt time é adotado, a melhoria acelera”, me diz.

Ele também dedica tempo para explicar à equipe um processo de 5C: o exemplo simples de um paciente desidratado em uma sala de espera é usado para mostrar como selecionar o problema que desejam discutir, confirmar a(s) causa(s), analisar as contramedidas que foram implementadas e aprender com isso. “Nós não usamos o 5C para realmente resolver o problema”, explicará Louise mais tarde. “Mas sim para discutir como ele foi resolvido, depois do fato, e extrair aprendizados.”

Genchi Genbutsu incansável traz energia e foco

Guillaume conseguiu realizar 350 visitas desse tipo ao gemba em três anos e meio. Ele acredita ter entre 100 e 150 locais de gemba para visitar, incluindo as funções de apoio. Tem o cuidado de não sobrecarregar as equipes (nem a si mesmo) com planos de ação: o objetivo da visita é oferecer um espaço para reflexão e uma oportunidade para compartilhar desafios e as condições reais vividas por pacientes e equipe.

Guillaume e Louise no gemba

Guillaume e Louise no gemba

Quando o questiono sobre ter ou não uma abordagem padrão para as visitas ao gemba, Guillaume faz uma pausa para refletir. “Incluo um momento para reconhecimento”, me diz em seguida. É importante ouvir e passar tempo com pessoas que lidam, por exemplo, com pacientes difíceis ou recursos limitados. Ele nunca dedica menos de uma hora a cada visita. “É realmente uma oportunidade de encarar a realidade e, possivelmente, desafiar o COMEX como resultado. Mas também é um momento para treinar. Faço as pessoas trabalharem no próximo passo, na próxima melhoria.”

Ele pondera por um tempo. “Às vezes posso desafiá-los de forma mais incisiva para trazê-los de volta ao nosso foco — os pacientes. Mas percebo que usar ferramentas como o 5C ou o 5S, como meio, transforma a conversa: deixamos de falar sobre quem e passamos a falar sobre como e por que”, afirma.

Do aprendizado individual à inteligência coletiva

Estamos de volta ao escritório de Guillaume, junto com Louise. Ela também tem desempenhado um papel fundamental na condução da mais recente onda de mudança cultural: 5C ou 5S são ideais para discutir questões sobre as quais se tem controle, mas um hospital está repleto de problemas interdepartamentais que exigem a expertise e a disponibilidade de outros departamentos — e, provavelmente, um pouco de negociação e concessões. Guillaume e Louise, portanto, têm promovido o uso de ferramentas de kaizen de seis pontos, modelos de hoshin, comunidades de prática e task forces para cobrir todo o espectro das necessidades.

Diagrama dos fatores essenciais da gestão Lean em hospitais, mostrando etapas como alinhamento estratégico, tópicos de médio prazo, resolução de problemas, melhoria contínua no nível da equipe e Gemba, conectando cada etapa a benefícios como alinhamento de estratégias, inovação, colaboração, aprendizado individual e a tomada de decisões melhores para pacientes.

“Se tivéssemos começado com kaizen de seis pontos, questões complexas e A3s, tudo rapidamente teria entrado em modo de projeto”, reflete Guillaume. “Eu realmente queria que eles se familiarizassem com a resolução de problemas dentro do seu próprio escopo, para que adotassem rotineiramente o mesmo raciocínio ao avançar para questões mais complexas.”

As forças-tarefa se reúnem em torno de um tema, às vezes por vários anos. Encontram-se a cada semana ou duas e mantêm uma discussão contínua sobre questões estruturais, como atrair e reter enfermeiros, obter financiamento ou patrocínio para pesquisa ou promover o desenvolvimento sustentável. “O kaizen é ineficaz para um tema dessa magnitude: há fatores demais fora do nosso controle”, acrescenta Guillaume. Uma força-tarefa irá dissecar o problema, identificar possíveis alavancas de ação, considerar novas regulamentações, propor testes, monitorá-los, aprender e impulsionar a inovação.

Observamos alguns números: uma unidade conseguiu reduzir em dois terços o número de leitos indisponíveis em um ano; houve aumentos significativos no financiamento para pesquisa e uma redução no uso de recursos (18% menos consumo de gás em dois anos e 13% menos consumo de água em um ano); o recrutamento também apresentou alguns sucessos. Quando não há um KPI disponível de imediato, a força-tarefa contabiliza o número de melhorias bem-sucedidas.

Quem fala com quem: conhecimento-chave em organizações complexas

Viro-me para Louise para perguntar sobre as Comunidades de Prática (Communities of Practice – CoP). “Temos diferentes unidades e, portanto, diferentes CoPs. No caso das CoPs de melhoria contínua, normalmente eu conduzo as discussões sobre mudanças em andamento que possam afetar o desempenho; depois, alguém apresenta um exemplo de 5C em ação. Se houver tempo, podemos incluir um pouco de teoria sobre melhoria contínua”, me conta.

Um elemento essencial de savoir-faire (know-how) em organizações complexas é saber com quem falar em cada situação. O objetivo central das CoPs é justamente criar esse conhecimento mútuo: os participantes incluem assistentes administrativos, gestores de saúde, enfermeiros e pessoal administrativo. Se necessário, a CoP pode convidar um especialista em um tema específico. Alguns problemas discutidos na CoP também podem ser escalados para uma força-tarefa.

Guillaume ri. “Não estruturamos isso como uma CoP, mas esse ‘quem fala com quem’ é exatamente o que conseguimos alcançar com as funções de apoio”, explica. Unidades fora de Sainte Anne — onde todas as funções de apoio estão concentradas — reclamavam que o suporte nunca estava suficientemente disponível para elas. Guillaume incentivou as áreas de TI, Manutenção e Logística a começarem a realizar reuniões regulares nessas unidades. Foi uma situação de ganho mútuo: as reuniões agora se tornaram uma rotina essencial e problemas antigos foram resolvidos. Passaram de “ninguém nunca nos ouve” para “sei exatamente com quem falar para esse tipo de problema”.

Foque nos pacientes e na equipe de enfermagem. Dê a cada ator o tempo para explorar. Introduza um takt para ritmar e gerar comprometimento. Forneça ferramentas adequadas à magnitude dos problemas. Treine e explique, repetidas vezes. Estimule a criação de comunidades de prática. E vá ver por si mesmo, incansavelmente. De fato, Guillaume e sua equipe nos mostram o caminho para um hospital que aprende.

Publicado em 23/09/2025

Autor

Catherine Chabiron
Autora lean e membro do Institut Lean France.

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