Recentemente, assisti à versão brasileira de um consagrado musical da Broadway. Quase três horas de espetáculo, mais de uma dezena de artistas no palco, uma orquestra afinada ao vivo e, nos bastidores, invisíveis ao público, dezenas de profissionais coordenando luz, cenografia, som, figurinos, efeitos. Nada destoava. Nada parecia fora de tempo. Como se toda aquela complexidade estivesse sendo conduzida por engrenagens silenciosas, precisas, harmônicas. Impossível sair dali sem pensar em gestão.
O que mais me impressionou foi a afinação e a sincronização. Termos musicais, sim, mas profundamente adequados ao universo das organizações. Afinação não só no sentido vocal, ainda que isso, por si só, já fosse notável, mas na forma como todos, absolutamente todos, pareciam compreender o sentido pleno daquilo que entregavam. Nenhum excesso, nenhum gesto fora do lugar. Sincronização, porque tudo acontecia na medida certa, no momento exato, numa lógica de interdependência rara, mesmo em ambientes empresariais maduros.
O espetáculo contava a história dos Four Seasons (Jersey Boys), grupo vocal que atravessou décadas com sua sonoridade marcante e sua capacidade de adaptação. Curiosamente, a trama dramatizava não só o sucesso do grupo, mas os bastidores de sua construção: ensaios incansáveis, conflitos de ego, erros financeiros, decisões difíceis, pactos silenciosos entre os que escolheram pensar como time, e não como estrelas isoladas. Aquilo não era só entretenimento. Era uma aula viva de planejamento, execução e disciplina.
Pensei na quantidade de organizações que poderiam funcionar como coletivos afinados, mas operam como uma sequência de solos desencontrados. Pessoas brilhantes, eventualmente, mas sem clareza sobre o papel que cumprem na construção do resultado sistêmico. E não por má vontade. Muitas vezes, por ausência de direção clara, metas mal articuladas, processos desalinhados, lideranças que não ensaiam com suas equipes os princípios básicos do que se quer construir juntos.
Na gestão lean, chamamos isso de hoshin kanri, um processo que vai além do desdobramento estratégico e conecta o propósito da organização às práticas do dia a dia. Promove alinhamento entre níveis e áreas, clareza sobre prioridades e responsabilidade compartilhada na execução. Ao mesmo tempo, envolve ciclos contínuos de aprendizado, com acompanhamento rigoroso das metas, diálogo entre líderes e equipes e uso sistemático do PDCA, o ciclo de planejar, executar, verificar e ajustar, que viabiliza correções de rota em tempo real.
Em essência, trata-se de garantir que todos estejam afinados com o mesmo propósito e sincronizados quanto ao ritmo e à direção das ações. Não se trata de controle, trata-se de orquestração: fazer com que cada parte, mesmo autônoma, contribua para a harmonia coletiva.
Esse tipo de gestão não se sustenta com planilhas, metas e indicadores. Exige algo menos visível, mas profundamente decisivo: escuta ativa, preparação cuidadosa, disposição para ajustar, refazer, recomeçar. Como num espetáculo, o nível de precisão que impressiona o público, ou, no caso das empresas, o cliente, nasce de um processo disciplinado de aprendizado. Erros fazem parte do ensaio. O refinamento vem da repetição, da troca, da humildade para revisar e da coragem para corrigir. Não é improviso. Não é inspiração repentina. É método. É a prática cotidiana de fazer bem, e, sempre que possível, fazer melhor.
O que mais nos impressiona em um espetáculo assim não é apenas o que se vê, mas tudo o que precisa acontecer para que aquilo exista. Cada transição perfeita, cada nota precisa, cada gesto integrado aponta para algo que ultrapassa o talento individual: uma arquitetura invisível de liderança. Liderar, nesse contexto, não é ocupar o centro do palco, é garantir que cada pessoa saiba exatamente quando e como entrar em cena. É cuidar dos bastidores, dos ensaios, das dúvidas, dos alinhamentos finos. É tornar possível a excelência do outro.
Talvez o que falte em muitas organizações não seja capacidade, mas a consciência de que bons resultados são quase sempre o efeito colateral de um trabalho coletivo bem ensaiado. Mais do que ferramentas, métodos ou metas arrojadas, talvez nos falte a coragem de reconhecer o valor do que não se vê. Aquilo que, como num musical, só se revela quando tudo funciona: o tempo certo, o tom exato, o espaço entre as falas, o silêncio que antecede a próxima nota.
A arte tem essa estranha precisão de nos devolver o essencial por contraste. Ao ver uma equipe afinada e sincronizada em cena, somos levados a examinar nossa própria “partitura”: estamos realmente escutando uns aos outros? Estamos atentos ao compasso coletivo ou apenas à nossa própria melodia? Estamos dispostos a ensaiar o suficiente até que a entrega de muitos soe como uma só? Talvez esse seja o ponto de partida para outro tipo de gestão, menos baseada em controle e mais ancorada em conexão, escuta humilde e construção conjunta.