CULTURA E LIDERANÇA

Lições do esporte e da música: liderança é quem faz o outro 'jogar bem'

Flávio Battaglia
Lições do esporte e da música: liderança é quem faz o outro
No esporte ou na música, não é o improviso que sustenta o desempenho, mas a solidez da base sobre a qual ele se apoia

Nas últimas décadas, diferentes modalidades esportivas nos ofereceram exemplos notáveis sobre o impacto da liderança no desempenho de equipes. Mais do que tática ou motivação, esses casos evidenciam o papel central do líder na construção de times consistentes e capazes de alcançar excelência mesmo em cenários de adversidade.

Um exemplo recente vem do futebol brasileiro. No Mundial de Clubes da FIFA de 2025, o Fluminense chegou às semifinais contrariando expectativas. Não era o time com o elenco mais valioso, tampouco o favorito da mídia ou dos analistas. Ainda assim, superou adversários com maior poder econômico e visibilidade internacional. Parte significativa dessa trajetória tem sido atribuída à atuação de seu técnico, Renato Gaúcho.

Renato, além de ex-jogador de elite, figura no seleto grupo de profissionais que conquistaram a Copa Libertadores como atleta e treinador. Sua condução no Mundial reforça um ponto-chave: o papel da liderança como catalisadora do desempenho sistêmico. Com recursos limitados em comparação aos clubes europeus, foi capaz de construir coerência tática, confiança no elenco e clareza de propósito – atributos que extrapolam o futebol e dialogam com os desafios contemporâneos da gestão.

A analogia é pertinente. Em contextos organizacionais, líderes também não “entram em campo” na execução direta das tarefas, mas seu impacto é decisivo na criação de um ambiente propício a resultados consistentes. São responsáveis por definir direções estratégicas, alocar capacidades, desenvolver competências e, principalmente, estruturar sistemas de trabalho que permitam às equipes operar em níveis superiores de autonomia e qualidade.

O mundo dos esportes oferece outros exemplos emblemáticos. Phil Jackson, à frente do Chicago Bulls, levou a equipe a seis títulos da NBA. Não apenas por contar com talentos como Michael Jordan, mas por desenvolver uma filosofia de liderança baseada em coesão, confiança mútua e clareza de papéis. Bill Belichick, na NFL, construiu uma dinastia com os Patriots por meio de rotinas consistentes, uso intensivo de dados e foco no trabalho em equipe – princípios perfeitamente aplicáveis à liderança no ambiente corporativo.

Porém, nem toda liderança está à margem do campo ou no banco de reservas. Em muitos casos, ela se manifesta no próprio jogo, na figura de atletas que assumem a responsabilidade de organizar, orientar e inspirar seus colegas em tempo real. São lideranças técnicas e comportamentais que não dependem de faixa de capitão ou discursos inflamados, mas se expressam na postura, no exemplo e na capacidade de fazer o time render mais com sua presença.

No mesmo Fluminense citado, jogadores como Felipe Melo ou Marcelo – ambos com trajetória internacional – exerceram esse papel, ajudando a sustentar o equilíbrio emocional da equipe, corrigindo posicionamentos em campo e reforçando a união do grupo mesmo diante da pressão.

Fora do esporte, esse tipo de liderança também se revela com clareza. No universo da música, por exemplo, maestros como Leonard Bernstein ou produtores como Quincy Jones foram responsáveis por conectar talentos distintos em torno de um mesmo propósito. Jones, ao produzir álbuns como “Thriller”, de Michael Jackson, não apenas organizou arranjos e estruturas musicais – ele criou as condições para que músicos e técnicos trabalhassem de forma coordenada e eficiente. Sua liderança era discreta, mas decisiva: conectava habilidades diferentes para alcançar um resultado superior. Assim como nas organizações, trata-se de compreender que o papel do líder é viabilizar o desempenho do grupo, e não ocupar o centro das atenções.

A dinâmica colaborativa de algumas bandas de rock também oferece um campo fértil para identificar lideranças menos visíveis, mas essenciais – aquelas que organizam e integram o talento dos demais membros. John Paul Jones, no Led Zeppelin, costurava arranjos complexos e dava base para o virtuosismo dos colegas. George Harrison, nos Beatles, conciliava egos, trazia equilíbrio emocional e contribuições musicais sofisticadas, sem buscar o centro da cena. David Gilmour, ao assumir as guitarras do Pink Floyd após a saída de Syd Barrett, trouxe estabilidade e transformou ideias visionárias em obras musicais palpáveis. Em todos esses casos, a liderança se manifestava não no comando direto, mas na capacidade de fazer os outros “tocarem melhor”.

A diversidade desses exemplos – vindos do esporte, da música e de outras formas de atuação em grupo – revela um padrão comum: liderar não é sobre dominar, mas sobre criar as condições para que o todo funcione em seu melhor nível. É essa lógica que também fundamenta o conceito de “liderança lean”, uma abordagem que enxerga o líder como facilitador, mentor técnico e potencializador de capacidades. Na prática, significa construir ambientes em que o conhecimento flui, os problemas reais são enfrentados em sua origem e a melhoria do desempenho é resultado de um esforço estruturado, deliberado e compartilhado.

Em tempos de alto turnover, transformações tecnológicas aceleradas e convívio entre gerações com repertórios bastante distintos, liderar deixou de ser apenas sinônimo de comandar e controlar. Cada vez mais, significa estruturar, capacitar e sustentar – não por heroísmo, mas por meio de práticas de gestão inteligentes, adaptáveis e que estejam em constante evolução. Essa mudança não é uma imposição, mas uma oportunidade concreta de repensar o papel da liderança e fortalecer as reais bases do trabalho em equipe.

Organizações que compreendem essa lógica têm mais chances de construir uma vantagem competitiva sustentável. Afinal, bandas e times vencedores não se formam apenas por talentos, mas por líderes capazes de ativá-los no momento certo, da forma certa e com foco no que realmente importa. Liderança, nesse contexto, não é protagonismo individual — é a responsabilidade de configurar o jogo para que a equipe execute com inteligência e de conduzir o processo de preparação que permite à banda tocar junto, com rigor e intenção. No esporte ou na música, não é o improviso que sustenta o desempenho, mas a solidez da base sobre a qual ele se apoia.

Publicado em 14/07/2025

Autor

Flávio Battaglia
Presidente do Lean Institute Brasil