AGRONEGÓCIO

Uma visita a uma fazenda lean

James Womack

YOKOTEN DE WOMACK – O lean na agricultura pode ainda estar na infância, mas há uma pequena fazenda em Indiana que já está provando quão valioso podem ser os princípios e as técnicas lean para essa indústria.

Taiichi Ohno, o arquiteto do Sistema Toyota de Produção, tinha um problema com fazendeiros. Em seu artigo “Agricultores gostam de estoque”, publicado em seu livro “Gestão dos Postos de Trabalho”, Ohno nota que os fazendeiros inventaram os estoques. Os caçadores que vagavam pela Terra antes da agricultura praticavam a produção puxada: quando estavam com fome, puxavam um animal da floresta ou do pântano e o comia com algumas frutas colhidas de um arbusto ou árvore de sobremesa. Os fazendeiros, ao contrário, com o ciclo anual de colheita e vivendo em tais densidades que apenas a caça não podia mais suportar, precisavam armazenar alimento suficiente para passar o ano e ainda mais para lidar com colheitas ruins. O nascimento dos estoques.

Ainda pior, os fazendeiros tendem a produzir o máximo possível durante anos bons (uma forma de superprodução) para manter seus colaboradores e equipamentos ocupados e, então, armazena para vendas futuras, porque uma boa colheita sempre causa uma queda nos preços. Como resultado, os estoques e a superprodução passaram a ser vistas como sendo boas. Parte do trabalho da vida de Ohno era achar uma contramedida à vontade do fazendeiro antigo presente em nossas mentes de criar estoques excessivos em toda atividade humana, não importando quão longe estiverem da fazenda.

Mas a agricultura não era tão ruim de uma perspectiva lean: lembro-me de ter visitado o complexo de Marysville da Honda em Ohio durante a fase de contratações no início dos anos 80 e escutar que os fazendeiros eram o pessoal ideal para contratar como associados da produção porque “as vacas têm de ser ordenhadas todos os dias, e os fazendeiros precisavam consertar suas ferramentas em tempo real para manter a fazenda funcionando”. Então transferir os fazendeiros para as fábricas – o que também aconteceu na Toyota no início – parecia uma situação de ganho para todos: os colaboradores com as atitudes e habilidades certas que não eram mais necessários nas fazendas (onde o emprego agrícola caía de 41% do número total de empregos nos Estados Unidos em 1900 para 2% em 2015) poderia trabalhar na manufatura lean e, depois, nos serviços lean.

A combinação da decadente força de trabalho agrícola e os requerimentos inerentes de estoque de grandes colheitas feitas em lotes anuais em fazendas modernas de produção em massa longe dos clientes me fez pensar que não havia muito espaço para o pensamento lean na agricultura. . Então não pensei mais em agricultura até uma cópia do livro de Ben Hartman “The Lean Farm” aparecer em minha caixa de correio nesta primavera.

Ben e sua esposa, Rachel, são o tipo de pessoas que amo encontrar: são experimentadores autodidatas que falaram com algumas pessoas, leram alguns livros e, então, aplicaram o pensamento lean (arando novos solos, por exemplo) em sua pequena fazenda de vegetais próxima a Goshen, Indiana. Recentemente, aluguei uma picape com cabina comprida (o veículo mais americano, mais fazendeiro e mais energético que existe) e dirigi do aeroporto de Detroit para ver a fazenda lean em ação.

Quando examino experimentos com algo novo, sempre começo com o propósito. Nesse caso, “qual problema com a agricultura tradicional estavam tentando solucionar ao aplicar os princípios lean?”. A resposta era que, após gerações de muita agricultura nas fazendas familiares próximas, Ben e Rachel queriam tentar uma nova abordagem que forneceria maior equilíbrio trabalho/vida e ainda alcançaria uma meta financeira e seria melhor para os clientes, incluindo o planeta. Eles estavam procurando uma combinação de produtos frescos de alta qualidade a um custo razoável com o mínimo de uso de fertilizantes, pesticidas e combustíveis fósseis. Então começaram uma pequena (sete acres) fazenda de vegetais que vendia diretamente a alguns restaurantes gourmet e a clientes locais de cidades vizinhas através do programa de Agricultura Apoiada pela Comunidade (CSA), que cadastrava os clientes em um ano de entregas de caixas de produtos diretamente em suas casas.

O problema era que o trabalho era muito difícil. Usando métodos convencionais de fazendas pequenas, sessenta horas por semana eram necessárias para dar início à fazenda. Como eles pensavam em iniciar uma família, foi difícil enxergar como tudo poderia ser feito na fazenda deixando algum tempo livre para a família e dinheiro para outras necessidades.

Felizmente, um de seus clientes do CSA tinha um negócio de manufatura próximo e disse que o havia transformado pela aplicação dos princípios lean para criar mais valor com menos custos. Por que não aplicar essas ideias na agricultura? Mas, claro, não havia livros sobre agricultura lean e nenhum consultor chique para dar conselhos. Então a fazenda lean teria de nascer a partir da forma antiga e independente do fazendeiro: através de experimentos.

Esses experimentos foram inicialmente inspirados pelos sete desperdícios de Ohno, incluindo, claro, superprodução, movimento em excesso e transporte em excesso. Um exame dos movimentos do fazendeiro e do fluxo de produtos, desde a semente até o transporte, mostrou imediatamente que muito do “trabalho” da fazenda era, na verdade, desperdício – procurar ferramentas e suprimentos, andar longas distâncias devido a um leiaute ruim, “retrabalhar” colheitas que haviam sido mal plantadas, superprodução devida à comunicação inadequada com os clientes sobre quais itens queriam e quando.

Além disso, discussões intensas com clientes mostraram que eles queriam mais do que bons produtos. Eles queriam estar diretamente envolvidos com seu fornecedor na decisão de quais tipos de produtos deveriam ser plantados e como deveriam ser entregues em que momento e de qual forma. Eles queriam até discutir receitas e sugeriram que o fazendeiro desse dicas de cozinha e apresentasse itens desconhecidos. Em resumo, eles queriam bens mais serviços desenvolvidos em colaboração para solucionar seus problemas com comida, não apenas quaisquer vegetais que aparecessem no mercado ao menor preço de vendedores desconhecidos.

Com clareza quanto ao propósito e ao valor, Ben e Rachel estão em uma jornada de muitos anos para aplicar os princípios lean a todos os aspectos de sua produção e a todos que trabalham com eles na fazenda. Eles foram os pioneiros da “colheita pronta para o mercado” para minimizar a manipulação entre o campo e o cliente, das ferramentas do tamanho certo com trocas rápidas para minimizar a quantidade e o custo do material necessário, do “kanban da semente” para sempre ter o material de plantio necessário sem utilizar estoques de dinheiro, do “kanban do lote” para saber imediatamente quando um lote de terra está pronto para uma nova colheita e exatamente o que plantar, das trocas rápidas de lotes para que a nova colheita entre no mesmo dia que a antiga saiu e do “planejamento de heijunka” para distribuir o trabalho da fazenda igualmente entre os doze meses da temporada de cultivo, eliminar ativos ociosos (desperdício) e prevenir a mura e o muri sazonal da fazenda tradicional também.

Deixarei os detalhes totais para o livro de Ben, que acredito que você achará fascinante seja qual for a indústria na qual está. Mas algumas práticas contraintuitivas é importante compartilhar:

• Dado o propósito deles de um bom estilo de vida com um salário adequado, eles têm reduzido continuamente o tamanho de sua fazenda conforma a produtividade cresce, de sete acres para um e meio de área de colheita, enquanto aumentam sua meta de lucro líquido. E, no verão – quando os jardins de casa e os grandes fazendeiros trazem suas colheitas para o mercado e reduzem os preços –, eles acampam (e escrevem livros) enquanto seguem com força máxima os outros nove meses em suas estufas aquecidas. Poe que todos os outros que tentam transformar um negócio usando os métodos lean parecem pensar que o crescimento drástico e a riqueza sempre crescente são as únicas medidas de sucesso?

• Conforme eles olham para frente, um dos grandes desperdícios restantes é o desperdício do transporte. Seus clientes estão concentrados em duas cidades pequenas a alguns quilômetros da fazenda, necessitando de longas viagens (apesar de as distâncias serem muito menores do campo até a mesa do que as de muitos vegetais de hoje em dia). Então por que não mudar sua fazenda de meio acre para um lugar entre essas cidades adjacentes e minimizar o tempo e o custo de transporte? Comida realmente local!

Vamos ver isso direito: Ben e Rachel (assistidos por Shingo, o cão de guarda) estão tendo uma boa vida com sua família com um bom equilíbrio trabalho/vida cultivando vegetais 365 dias por ano (com a ajuda do trabalho estudantil de uma faculdade das proximidades no verão para que eles possam viajar) em uma terra de meio acre. Eles usam pouca energia externa (a maioria para o aquecimento da estufa no inverno), sem fertilizantes químicos ou pesticidas. E eles têm reduzido o desperdício do encolhimento e da superprodução drasticamente em comparação à produção fazenda-grande-para-mercado-grande, à distribuição e à revenda (onde até 20 por cento do plantio anual nem sequer é colhido devido a erros de cálculo sobre a demanda do mercado). Por que todos os vegetais não são cultivados dessa maneira?

Talvez no futuro eles serão. Certamente, o pensamento lean já estabeleceu uma fronteira na agricultura pela primeira vez. E espero que milhares de pequenos agricultores copiem (e melhorem) os métodos de Ben e Rachel. Mas e a grande agricultura de produção em massa? Para mim, é como a indústria automobilística em 1965, com elevadas barreiras à entrada, normas de segurança relaxadas e exigências ambientais mínimas. Um salto lean na agricultura que minimize os requisitos de energia e de água (e emissões de CO2 e metano), proporcionando frescor e variedade atualmente indisponíveis com os mesmos ou mais baixos custos para o consumidor, parece difícil de imaginar agora. Mas também era difícil imaginar o triunfo da Toyota e do pensamento lean no ano anterior ao lançamento do Corolla.

Publicado em 10/10/2016

Autor

James Womack
Fundador e consultor sênior do Lean Enterprise Institute.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal