A inteligência artificial está reconfigurando a dinâmica das organizações. Automação de processos, análises preditivas, personalização de jornadas e simulações avançadas têm ampliado o escopo e a velocidade da tomada de decisão. Essas tecnologias favorecem maior integração nas cadeias de valor, otimizam o uso de recursos e oferecem painéis com indicadores em tempo real.
No entanto, a crescente dependência de sistemas digitais também traz riscos objetivos: decisões baseadas em informações enviesadas, simulações com pressupostos frágeis ou conteúdo com aparência de veracidade.
Com o avanço de ferramentas capazes de gerar simulações — como vídeos ultrarrealistas ou dados sintéticos produzidos por algoritmos para imitar padrões reais — cresce o risco de decisões fundamentadas em representações que não refletem com precisão as condições do negócio. O desafio não está apenas na análise, mas na validação concreta do que isso tudo realmente representa.
É nesse ponto que um princípio clássico da gestão lean oferece uma contribuição robusta. Genchi genbutsu — “vá e veja com os próprios olhos” — propõe que os líderes observem diretamente o trabalho onde ele acontece. Em vez de confiar exclusivamente em relatórios, telas ou projeções, a decisão é ancorada em evidências verificáveis, obtidas no local real: na linha de produção, no ponto de contato com o cliente ou durante um processo de desenvolvimento.
Essa prática se mostra particularmente relevante em contextos em que ferramentas digitais tendem a simplificar, omitir ou amplificar sinais. Um vídeo manipulado pode induzir a um recall sem fundamento técnico. Um dashboard que suaviza exceções pode mascarar falhas críticas. A presença física – mesmo que pontual – é, nesses casos, um instrumento de contraste e verificação.
O genchi genbutsu também pode cumprir um papel basilar na cultura organizacional. Em ambientes híbridos ou geograficamente dispersos, é comum que lideranças operem com base exclusiva em indicadores. Isso reduz o contato com os processos reais e com as pessoas que os executam. A observação direta restabelece essa conexão, melhora o entendimento do contexto e permite decisões mais alinhadas às condições concretas.
O princípio tem aplicações que extrapolam as fábricas. Na formulação de políticas públicas, no escrutínio de decisões corporativas ou na análise de informações em larga escala, o risco de julgamento baseado em abstrações é recorrente. Trazer o olhar direto, crítico e fundamentado – mesmo que por amostragem – torna-se essencial para evitar decisões descoladas da realidade dos sistemas em questão.
Incorporar o genchi genbutsu à prática gerencial exige mais do que intenção. Requer método, repertório analítico e discernimento para transformar a observação em diagnóstico útil. É uma competência que não substitui a tecnologia, mas a qualifica, oferecendo um contraponto concreto em um cenário cada vez mais mediado por modelos computacionais e inferências estatísticas.
Organizações que investem nessa capacidade fortalecem a qualidade da decisão em todos os níveis. Em tempos de crescente automação, gestores que mantêm proximidade com os processos reais estão mais preparados para reconhecer padrões relevantes, distinguir exceções significativas e agir com consistência. Genchi genbutsu não é um anacronismo em tempos digitais – é um instrumento de discernimento em ambientes onde a complexidade e a velocidade desafiam a precisão.