Em um cenário de recursos finitos e crescente demanda por soluções sustentáveis, a Toyota busca transformar desafios ambientais em oportunidades estratégicas. A montadora japonesa ampliou sua planta em Burnaston, no Reino Unido, com uma “fábrica circular” (Toyota Circular Factory) que começou a operar em 2025, conforme anúncios recentes. A unidade visa reaproveitar até 10.000 veículos por ano, recuperando cerca de 120.000 peças para enfrentar o problema global dos “carros inservíveis” — veículos tão desgastados que não podem ser usados ou revendidos.
Esses automóveis, quando descartados sem critério, geram desperdício significativo. No Brasil, por exemplo, menos de 2% dos veículos em fim de vida são reciclados, segundo estimativas do setor automotivo, devido à escassa infraestrutura formal. Em São Paulo, entre 2017 e 2021, mais de 6.500 carros foram retirados das ruas pela prefeitura, e a baixa taxa de reciclagem persiste em 2025, evidenciando a necessidade de soluções práticas. A Toyota integra essa iniciativa à sua meta de emissões zero até 2035, conforme o Environmental Challenge 2050.
Na planta de Burnaston, veículos antigos passam por triagem: peças viáveis são remanufaturadas, enquanto materiais como aço, cobre, alumínio e plástico tornam-se matéria-prima reciclada. A Toyota projeta recuperar 8.200 toneladas de aço e 300 toneladas de plástico de alta pureza ainda em 2025 — metas ambiciosas que dependem da plena ativação da unidade, iniciada neste ano. A World Steel Association aponta que reciclar aço pode reduzir até 58% das emissões de CO2 na produção de carrocerias, sustentando o potencial ambiental da iniciativa.
Diferente do foco exclusivo em veículos elétricos (EVs), celebrados por zerar emissões no uso, a Toyota adota uma visão mais ampla. Segundo a Agência Internacional de Energia, cerca de 50% do impacto ambiental dos EVs ocorre na fabricação. Para enfrentá-lo, a empresa aposta em reciclagem e remanufatura: nas operações europeias, 90% dos resíduos industriais são reaproveitados, conforme relatórios preliminares da Toyota Europa, e a reutilização de peças pode cortar custos entre 40% e 60%, segundo projeções internas divulgadas em 2024. Contudo, os altos investimentos iniciais e a complexidade logística dessa transição permanecem pouco detalhados.
Enquanto os EVs reduzem emissões no uso, o descarte de veículos antigos segue como desafio crítico. Na União Europeia, mais de seis milhões de carros estariam abandonados, segundo estudos do setor, e nos EUA, cemitérios automotivos — como o do Arizona, com mais de 10.000 veículos — ilustram a escala do problema. Em Burnaston, a Toyota responde com eficiência: um veículo é montado a cada 89 segundos, incorporando peças recicladas. Isso reflete o Toyota Production System (TPS), que une sustentabilidade e produtividade ao eliminar desperdícios.
A remanufatura, prática da Toyota há décadas, enfrenta obstáculos como a variabilidade das peças — cores, estados e procedências distintas — e a gestão de milhares de SKUs. Ainda assim, o TPS, com sua ênfase em fluxo e padronização, mitiga essas barreiras. Um levantamento da McKinsey (2023) revelou que 33% das indústrias sofreram interrupções severas nas cadeias de suprimentos entre 2020 e 2023, destacando a relevância de estratégias resilientes como essa.
A Toyota é criticada por sua baixa oferta de EVs puros, ficando atrás de rivais como Tesla e Volkswagen, que dominam esse mercado. A empresa defende uma abordagem alternativa, priorizando híbridos e reciclagem como soluções viáveis em curto prazo. Em 2023, 93% dos resíduos da Toyota North America foram reaproveitados, segundo seu relatório de sustentabilidade. A “fábrica circular” reforça essa trajetória iniciada com o “Toyota Earth Charter” (1992), mas sua viabilidade econômica e escalabilidade seguem em teste. A unidade exige infraestrutura avançada e mão de obra qualificada, custos que podem limitar sua replicação.
O setor automotivo responde por cerca de 15% das emissões globais, segundo a ONU, e a abordagem circular da Toyota pode reduzir esse impacto enquanto fortalece a cadeia produtiva. Contudo, ela não é pioneira: BMW e Volvo também investem em reciclagem, sugerindo que Burnaston integra uma tendência mais ampla. Os resultados de 2025 — como as 8.200 toneladas de aço — ainda estão sob avaliação, sujeitos a atrasos ou variáveis operacionais.
A lição da Toyota é pragmática: sustentabilidade exige visão e execução, mas enfrenta limites reais. A “fábrica circular” é um avanço concreto, mas não uma solução definitiva. Para empresas, ela oferece um modelo a estudar: o de que eficiência e responsabilidade podem coexistir com rentabilidade, desde que os desafios sejam enfrentados com transparência. Burnaston testa se essa abordagem pode escalar globalmente, mas seu sucesso dependerá de adaptações econômicas e políticas que vão muito além da Toyota.