POLÍTICA

Lean no governo precisa de uma abordagem holística

Alec Steel
Lean no governo precisa de uma abordagem holística
PESQUISA – Um relatório recente do Escritório Nacional de Auditoria considera o que funciona e o que não funciona quando a gestão lean é aplicada em organizações do governo britânico.

No Escritório Nacional de Auditoria (NAO), temos observado o governo através das lentes do sistema de gestão por boa parte dos últimos sete anos, seja como parte regular de nosso trabalho de auditoria para o Parlamento ou a pedido de organizações governamentais específicas.

Algumas das coisas que descobrimos durante esse período foram discutidas em um artigo anterior aqui no Planet Lean. Desde então, em setembro de 2015, produzimos um novo artigo: "Managing business operations – what government needs to get right" (em inglês), que considera a capacidade do governo britânico de gerenciar e melhorar seu negócio.

Como avaliamos sistematicamente um total de 32 entidades governamentais e 86 áreas operacionais, construímos uma ampla gama de conhecimento sobre alguns dos problemas e padrões presentes no governo britânico.

O relatório é uma oportunidade de compartilhar o que estamos aprendendo sobre o que parece funcionar melhor quando organizações governamentais adotam lean ou outras abordagens de melhoria para gerenciar e melhorar seu negócio.

Então, o que descobrimos?

Coletamos muitos dados de nossas avaliações do governo, e nossa análise identificou quatro áreas críticas nas quais as organizações devem focar:

  • Focar no cliente.
  • Entender e gerenciar o sistema de ponta a ponta.
  • Usar informação para liderar a mudança em seu negócio.
  • Criar um ambiente no qual as pessoas possam gerenciar e liderar de forma a permitir que alcancem um bom gerenciamento das operações.

Essas áreas não só são críticas para que as organizações “acertem” em tornarem-se melhores na gestão e na melhoria de seu negócio, mas elas também são as áreas com as quais muitas organizações governamentais parecem estar tendo dificuldades.

O trabalho do NAO também ressalta a necessidade de entender e refletir sobre o impacto de diferentes abordagens à mudança, já que identificamos problemas tanto com a mudança estrutural top-down quanto com as iniciativas de melhoria projeto a projeto.

PRINCIPAIS DESCOBERTAS

O que é interessante sobre essas quatro áreas é que elas são formadas de características das camadas organizacional e operacional de nossa avaliação. O quadro do NAO considera cinco áreas em cada negócio – estratégia, informação, pessoas, processo e melhoria – e em duas camadas – organizacional e operacional.

Prova 1: abaixo está um exemplo de relacionamentos entre as partes do sistema de gestão:

relacionamentos entre as partes do sistema de gestão

Analisando o relacionamento entre como uma organização desempenhava contra uma das duas camadas (organizacional e operacional) e sua maturidade geral, percebemos que, talvez intuitivamente, não havia nenhum relacionamento.

Em outras palavras, descobrimos que as organizações governamentais que focavam apenas em sua camada organizacional (o “centro corporativo”) tinham pouco impacto em como os serviços eram entregues.

E aquelas organizações com abordagens muito estereotipadas (“programas lean” liderados por consultores ou usando uma equipe interna separada de melhoria contínua) foram capazes de melhorar suas capacidades de melhoria, mas nada mais – os resultados do negócio não foram sustentados e limitaram-se aos bolsos operacionais nos quais as atividades de melhoria focavam.

Essa descoberta confirmou nossa ideia – e esse é nosso maior aprendizado – que um sistema holístico é necessário para fazer com que a mudança permaneça. As partes individuais do sistema de gestão não existem isoladamente. Elas precisam interagir perfeitamente umas com as outras. A efetividade geral do sistema de gestão depende da capacidade e da interação entre suas partes componentes.

Nossa evidência sugere que diferentes abordagens são necessárias se o governo quiser melhorar, mas também que a melhoria é possível. Há muitos exemplos de sucesso por aí, tanto no governo britânico quanto internacionalmente. Um exemplo interessante é o “Results Washington”, uma iniciativa de melhoria tomada pelo governo do estado de Washington, EUA (o Planet Lean fez uma entrevista com eles aqui – em inglês). No NAO, interessamo-nos muito pelo trabalho do “Results Washington” porque ele reflete uma combinação de dois dos quatro desafios que o governo britânico enfrenta: a habilidade de entender como as diferentes partes do sistema interagem para o benefício do cidadão.

Duas lições importantes que aprendemos com a experiência do governo de Washington (que eu tive o prazer de visitar algumas vezes) foram como fazer o sistema funcionar de ponta a ponta quando a responsabilidade é compartilhada entre as agências governamentais e que o foco absoluto tem de ser no usuário final.

A importância da perspectiva do usuário é evidenciada por nosso próprio trabalho no NAO: nossa pesquisa revelou que a única característica mais relacionada à maturidade geral do sistema de gestão é como uma organização responde às mudanças na demanda do cliente. Então o entendimento de uma organização quanto a seus clientes e aos tipos de demanda, além de sua capacidade de lidar com a variabilidade nessa demanda de uma forma rápida e responsiva, é crítico.

Há mais algumas descobertas importantes em nosso relatório recente. Uma é que as organizações tiveram um melhor desempenho em nosso teste do sistema de gestão quando demonstravam capacidade na seção de pessoas. Isso pode, em parte, explicar por que o benefício dos programas de melhoria pode ser no curto prazo se o foco for fazer atividades de melhoria isoladamente.

Nossa última descoberta é sobre a grande aplicabilidade dos princípios em abordagens como o lean. Muitas vezes, ouvimos o argumento de que esses princípios só são aplicáveis em organizações focadas na entrega da linha de frente (e não naquelas do governo britânico que são mais focadas na política da criação) e que não pode ser aplicada em operações complexas. Então fizemos um teste para ver se a complexidade ou o tipo da organização tinham um impacto e descobrimos que nenhum dos dois eram fatores determinantes na capacidade do sistema de gestão ou uma barreira à adoção dos princípios de melhoria. Interessantemente, as organizações mais focadas em política tiveram uma nota melhor do que aquelas com um grande escopo operacional.

Essas descobertas demonstram que não estamos colocando o governo britânico em um teste sem motivo: é isso que todas as boas organizações estão fazendo para tentar melhorar.

E DAÍ?

Muitas de nossas descobertas não são reveladoras, mas uma confirmação do que já acreditávamos ser verdade. É importante, entretanto, que testemos nossas suposições, ou elas continuarão sendo apenas hipóteses e nada mais.

É nosso próprio “e daí?” que queremos responder. Uma das coisas que as organizações que avaliamos estavam mais interessadas era em descobrir aonde podiam ir para aprender a melhorar. O que vemos é que não há uma organização que “entendeu tudo” e conseguiu uma reviravolta completa. Em vez disso, há partes das organizações que têm se saído bem em áreas específicas. É isso que faz da colaboração e do compartilhamento no governo tão importantes. Mas também é crítico que toda organização aplique o aprendizado a seu próprio contexto e pense sobre o aprendizado a partir do “como” em vez de copiar o “o quê”.

Quando uma organização pede para ver outra que está melhorando muito seus serviços, começamos perguntando que lacunas no desempenho elas estão tentando eliminar. Usamos, então, as respostas para relacionar as organizações. Muitas vezes, isso aproxima organizações que nunca pensaram ter algo em comum.

Trazer exemplos de boas práticas e compartilhar informações com o governo têm um grande potencial para melhorar o setor como um todo.

Para o NÃO, o relatório é apenas um passo em direção ao objetivo no longo prazo de ajudar as pessoas a entenderem melhor seus negócios. Nossa intenção é começar usando esse conteúdo de forma a ser relevante para diferentes grupos de uma organização – sobre o que eles podem começar a pensar, individual e coletivamente, para melhorar seu negócio? Queremos colocar o conhecimento nas mãos daqueles que possam fazer algo com ele. Se vamos ter sucesso ou não depende de nossa habilidade para convencer as pessoas a pegarem esse conhecimento e seguir em frente.

Publicado em 16/03/2016

Autor

Alec Steel
Chefe de Operações e Especialização em Gestão de Processos no National Audit Office no Reino Unido
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal