ESTRATÉGIA E GESTÃO

Trabalho

Precisamos pensar sobre redefinir o trabalho. Enquanto nós – aqueles que querem trazer mudanças organizacionais – não redefinirmos o trabalho de criação de valor do negócio, não teremos feito nenhuma mudança significativa. Você pode conseguir criar riqueza através de uma variedade de modelos de negócios ou formas de pensamento, mas, se quiser criar valor de verdade e empregos que valorizem as pessoas, você deve pensar em como seu pessoal trabalha no dia a dia. Isso porque a essência do pensamento lean é o TRABALHO. Lean significa trabalhar o trabalho: o trabalho de criação de valor que ocorre nas linhas de frente de sua empresa.

Se você me quiser que seu colaborador se entregue de corpo e alma, verifique se o trabalho é insignificante ou significativo. Eu vou me entregar se nossa relação for apenas uma transação monetária? Não há nada moralmente errado com uma relação puramente transacional se esse for nosso acordo mútuo, mas, se você quiser que cada pessoa em sua organização se comprometa, precisa alinhar todas no propósito. Alinhar quanto ao porquê de estarem aí, quanto ao que estamos tentando alcançar. Então elas podem focar – considerando que são humanas – no trabalho em si, no trabalho à mão.

Fico indignado com os comentários que escuto hoje em dia – “sabemos como fazer o trabalho, só precisamos mudar nossa cultura” ou “conhecemos as ferramentas lean, queremos a cultura lean” ou qualquer hipótese de que as pessoas podem ser engajadas na melhoria contínua como um exercício de treinamento. Essa forma de pensar muitas vezes leva-nos a afirmações como “Ah, nós engajamos nosso pessoal. As pessoas são a parte mais importante do processo. Apenas lhes damos espaço, e eles passam a dominar o trabalho…”.

Sério? Seu pessoal decidiu que a loja ficaria localizada na estação de metrô e que deveria abrir todos os dias às cinco da manhã? Eles decidiram ser o único centro de traumatologia em um raio de mais de 300 km? Eles decidiram que o novo prédio seria construído em um pântano? Eles decidiram que deveriam ganhar vinte reais por hora?

Cada pessoa vem ao trabalho todo dia e faz um trabalho. No escritório, em uma linha de montagem. Na alta administração, na recepção. Em uma construção, em uma fazenda. Fazendo transplante de coração, preparando café. O pensamento lean pergunta: Qual É o trabalho? E quais são os cuidados e apoios desse trabalho? Quem cuida disso? Como? Então não nos enganemos e aos outros com esse papo de “trabalho significativo”. De “nosso pessoal é nosso recurso mais valioso”. De “respeito pelas pessoas”. Não podemos falar disso sem um profundo respeito pelas pessoas e pelo trabalho em si.

Seu trabalho é insignificante ou significativo? Os dois? É normal que um trabalho significativo pareça insignificante. A maior parte do tempo é assim, não importa quão glamoroso possa parecer olhando de fora. Fale com um cirurgião no final de seu longo dia na sala de operação. Isso é um trabalho bom?

Infelizmente, muitos defensores pretensiosos do trabalho significativo são os primeiros a rebaixar esse trabalho. Por exemplo, o trabalho em uma linha de montagem. Perceba a hipótese subjacente da comum observação: “esse serviço é como trabalhar em uma linha de montagem…”.

Se a linha de montagem é humilhante, vamos nos livrar dela. Você, então, Sr. Consumidor, pode pagar o preço da falta de qualidade proveniente de pessoas tentando produzir com as próprias mãos – o que é principalmente, você sabe, um processo cheio de retrabalho, algo inerente ao artesanal: “deixe-me raspar um pouco mais aqui, ah, foi muito, agora tenho que raspar um pouco mais aqui…”.

Não estou dizendo que o trabalho artesanal não é real – estou dizendo que, se for real e se for uma coisa boa, então vamos transformar todo o trabalho em artesanal e dar-lhe o respeito que merece.

Produzir é, por natureza, algo significativo. É uma das formas mais significativas dentre as diversas que os humanos podem escolher para passar o tempo. O trabalho em uma fábrica – seja em uma loja ou em uma linha de montagem, seja esculpindo porta-retratos ou fabricando suportes de direção – é a forma como nos organizamos para fazer as coisas. É um trabalho imensamente recompensador e significativo. Ou pelo menos pode ser se quisermos.

Então vamos entendê-lo como sendo. Vamos elevar o trabalho. Comemorá-lo. E, com isso, vamos tratá-lo – o trabalho – com o profundo respeito que ele merece. Isso se aplica ao mais desconhecido recepcionista. Ou ao mais respeitado cirurgião. Ou a um gari.

O pensamento lean tem a ver, acima de tudo, com repensar, reimaginar o que o trabalho pode ser. Para fazer isso, precisamos começar com o propósito do trabalho.

Perguntamos: “Por que estamos fazendo isso, que problema queremos solucionar?”. Você, como dono ou CEO, tem um problema que quer solucionar, o que o trouxe a essa posição de reunir dezenas ou milhares de indivíduos diariamente para fazerem esse trabalho, para criarem valor juntos.

Tive, recentemente, a desanimadora experiência de caminhar pelo gemba com um jovem empresário, um aficionado por lean startup, que me explicou como seu projeto de sistema era perfeito, e o único problema era que ele não conseguia bons colaboradores para operá-lo de forma adequada. Não acreditei no que ouvi. Ao pressioná-lo, ele enfatizou: “Não, apenas não conseguimos bons trabalhadores aqui”.

Era uma operação de coleta de peças. Muitos itens estavam fora do lugar porque os apanhadores às vezes pegavam a peça errada, então a devolviam no lugar errado.

Andamos e conversamos, e deixei o gemba com um profundo sentimento de fracasso pessoal por não descobrir como mostrar-lhe uma forma alternativa de pensar em sua situação. Ele realmente pensava que tinha o sistema perfeito e estava confiante de que, em breve, ele lhe traria (e provavelmente trará) muita riqueza (apesar de seu péssimo atendimento ao cliente); seu problema eram os colaboradores, que eram ruins.

Contraste isso com isto. Construa seu negócio partindo do trabalho. Defina o trabalho de acordo com o valor que agregará para o cliente, com o trabalho que será feito para solucionar o problema do cliente. Construa o trabalho (o negócio) a partir daí, então qualquer um (intencionalmente evito, aqui, a palavra que me deixa tão desconfortável: “o colaborador”) que esteja fazendo o trabalho possa fazê-lo perfeitamente todas as vezes. Quando um cliente pede sua bebida favorita, o barista sabe como executar o trabalho para fornecê-la. E quando o inevitável problema aparece – “Oh, não esperávamos tantos clientes nesta hora do dia…” – ele sabe como (1) observar que há um problema, (2) inventar uma resposta rápida para tornar a situação imediata melhor, (3) ter ideias para tornar a situação melhor da próxima vez e (4) como executar essas ideias e testá-las e julgá-las quão bem funcionaram.

E aqui está a descoberta, a recompensa verdadeira: ele sabe que, embora aquele problema em particular não voltará a acontecer, ele está completamente confortável sabendo que outro problema, um diferente, com certeza OCORRERÁ. Provavelmente muito em breve – “Tudo bem, lidarei com cada situação conforme aconteça, como um novo desafio para continuar melhorando as coisas cada vez mais”.

E aqui está uma descoberta ainda maior: em vez de esperar pelo próximo problema, ele vai simular! Ao aprender a enxergar “problemas” meramente como “lacunas” entre a forma como as coisas são agora e a forma como deveriam o poderiam ser, podemos começar a enxergar toda situação como um problema esperando para ser solucionado.

Por exemplo, quando o barista define o tamanho do lote de preparação de café ou elimina totalmente os lotes utilizando um método de preparação para cada xícara ou desafia a equipe a responder ainda mais rapidamente quando as filas começam a ser formadas durante os horários de pico. Os problemas não estão mais no domínio das coisas que acontecem conosco; eles são melhorias esperando para serem feitas, lacunas que podemos atacar como parte de nosso trabalho regular.

Voltando ao gari, considere o que foi dito por Martin Luther King:

Se um homem for chamado para ser gari, ele deve varrer as ruas da mesma forma como Michelangelo pintava ou como Beethoven compunha músicas ou como Shakespeare escrevia poesias. Ele deve varrer as ruas tão bem que todos os anfitriões do Céu e da Terra pararão e dirão: “Aqui viveu um grande gari que fez bem seu trabalho”.

Então esses ideais – “vamos tornar o trabalho significativo” – não são novos. O que é novo são as formas de tornar o trabalho significativo através do pensamento lean.

Fonte: Lean Enterprise Institute.

Publicado em 27/07/2015

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