A inovação em produtos e processos tem sido um dos pontos de atenção na cadeia de
suprimentos, na busca de vantagens competitivas no ambiente de negócios. Inovar em produtos passa a ser uma
estratégia para escapar do chamado “oceano vermelho” de extrema competição,
enquanto a inovação em processos pode dar nova vida aos negócios com ganhos de produtividade e
qualidade. A combinação das duas linhas de inovação — produtos e processos —
pode significar um salto de resultados para a corporação.
Nesse cenário, é natural
que as lideranças em Supply Chain procurem abordagens que suportem o desenvolvimento de novos produtos e
processos, ao mesmo tempo em que elas também permitam rapidez na produção de engajamento e
obtenção de resultados ao longo da cadeia. A abordagem Lean, com sua reconhecida capacidade de
promover agregação de valor ao cliente e sucesso na resolução de problemas, tem sido
constantemente procurada pelas empresas como meio de atingir esse novo estado de inovação
contínua.
Nesse cenário, há necessidade de uma melhor compreensão de algumas das
principais práticas da abordagem Lean no Desenvolvimento de Processos e suas interseções com o
desenvolvimento e inovação em Logística e Supply Chain. Trata-se de um tópico importante
da filosofia Lean para inovação, mas frequentemente negligenciado. É um mecanismo fundamental
para permitir a estruturação de uma cultura da inovação contínua. Este artigo
define o propósito do Lean Process Development (LPD), apresenta sua estrutura básica
delineando seus principais elementos de conteúdo e, por fim, explica sua importância para uma
transformação da cultura da inovação.
Propósito
No ambiente de negócios, é comum as empresas estarem envolvidas com o desenvolvimento de novas
gerações de produtos e serviços, digitais ou analógicos, cujo lançamento é
estratégico para conquistar mercados com qualidade, custo e flexibilidade, inclusive gerando novos mercados
globais.
Os gestores discutem rotineiramente sobre as limitações e obstáculos que as
abordagens tradicionais de desenvolvimento trazem para o dia a dia da empresa — quando não, pensam em
startups como a solução para romper com a inércia. Entretanto, na maioria das vezes, reconhecem
que a maneira tradicional no desenvolvimento deve ser alterada.
Um típico cenário é a
situação em que os processos são melhorados depois que são colocados em
operação e demoram meses ou até anos para alcançar estabilidade trabalhando com as
equipes da operação e de apoio. Em outras situações, os novos processos encontram
problemas em sua operacionalização e alcançam o mercado com problemas de desempenho. Se fizer
parte da transformação digital, a desculpa de ser um avanço tecnológico acaba sendo
empregada para justificar a instabilidade operacional na implementação, porém, com o tempo,
deve esgotar seu poder de conter os descontentes com os resultados.
No setor de logística, essa
situação de processos instáveis pode significar insatisfação extrema,
irritabilidade do consumidor e situações em que as rápidas resoluções de
problemas podem não ser mais suficientes, além do fato dessas contenções sangrarem o
caixa da empresa.
O Lean Development Process (LDP) é uma abordagem estruturada com equipe de
trabalho multifuncional, interagindo com a estratégia corporativa e os atributos de valor dos clientes. Tem o
propósito de desenvolver novos processos enxutos e estáveis mais rapidamente, alinhados com
padrões de alta qualidade e performance, contribuindo para o aperfeiçoamento dos serviços e
produtos na medida em que é aderente ao desenvolvimento simultâneo.
Estrutura básica e elementos do LPD
A base da estruturação do LPD é o emprego de dois elementos estruturantes do pensamento Lean: o
método A3 na condução do desenvolvimento (Figura 1) e a ferramenta 3P para
geração e escolha de alternativas (Figura 2).
No A3, o entendimento do contexto e da
situação atual são pontos de partida para a equipe de desenvolvimento buscarem dados, fatos e a
compreensão de qual problema se quer resolver com o desenvolvimento dos novos processos. Problemas
estratégicos da empresa, obstáculos para atingir a entrega de valor para o cliente e sociedade,
questões de performance a serem entregues para os acionistas, enfim… busca-se deixar com a maior
clareza o que se pretende atingir com os novos processos.
Essa etapa do A3 pode requerer a
utilização do VSM para dar visão do que se pretende realizar com os processos em fluxo, o
cálculo do takt time e os atributos de valor que precisam ser atingidos. Com esse entendimento do
propósito do desenvolvimento, que deve envolver toda a empresa puxada pela equipe multifuncional do LPD,
atinge-se a etapa seguinte do A3, caracterizada pelo estabelecimento dos objetivos do desenvolvimento, expressos em
indicadores com metas e prazos.
Vencida essa etapa em que o A3 como método exerce o papel de um guia e
ordenador do pensamento, indicando a pauta de discussões e reunião de dados e fatos, passamos para a
fase de análise em que a ferramenta 3P exercerá a função de estruturar a
geração de alternativas de processo para o atingimento dos targets.
A ferramenta 3P
(Production Preparation Process) estrutura a etapa de desenhar os processos operacionais capazes de atingir
os resultados esperados e obter soluções aos problemas de fluxo para criação do valor
objetivado (Figura 2). Como consequência, se obtém inovação do estado atual.
O grupo
multidisciplinar do LPD deve avaliar se um time será suficiente para empreender a geração de
alternativas para todos os processos ou se deve criar outros grupos multidisciplinares para aplicar o 3P em
determinados processos, dividindo a carga de desenvolvimento, mas sempre alinhados com o time principal LPD do A3.
Figura 1 — Exemplo de A3 aplicado na Logística de um CD para
geração
de novos processos
Figura 2 — Desenho esquemático da ferramenta 3P com seus elementos
estruturantes
para geração de alternativas de processo, que
irão levar à convergência gradual do
melhor
processo
Na primeira etapa, o grupo desenha diversos conceitos de processos alternativos tendo os targets como
estímulo para a criação. Utiliza-se nesta etapa do 3P, o conceito de
“set-based” (considerar várias alternativas de processo com conceitos diferentes) no
lugar do tradicional “point-based” (escolha de um único conceito de processo
alternativo). O objetivo é desenvolver um conjunto de alternativas cujos pontos fortes convirjam para um
processo mais robusto, ao passo que os pontos fracos sejam eliminados ou substituídos (Figura 3). As
alternativas podem conter aperfeiçoamentos do serviço ou produto logístico que está
sendo desenvolvido simultaneamente ou com propostas de mudanças no caso de serviços e produtos atuais
no portfólio. A primeira opção é preferida porque estimula uma
potencialização de encontrar problemas mais cedo e corrigi-los antes que o produto com potencial de
problemas se efetive no mercado.
Figura 3 — diferenças na geração e tratamento das alternativas de processo
durante o
desenvolvimento, entre o tradicional point-based e a técnica
set-based usada na abordagem Lean
Os conceitos dos processos alternativos são então avaliados segundo 14 requisitos de um sistema
Lean de processos. As alternativas são avaliadas quanto aos elementos do processo Lean que o 3P destaca, tais
como “hanedashi”, “chaku chaku”, envolvimento do operador, dentre outros.
Há uma estruturação sobre a direção que as alternativas devem convergir, indo
para além do tempo e movimento no trabalho, pois os processos devem assegurar flexibilidade,
resiliência, adaptabilidade, dentre outras características que são conferidas pelos 14
requisitos avaliados.
Cada alternativa de processo recebe uma nota em cada quesito representando seu potencial
de entregar valor de formar estável. As alternativas com significativa pontuação total,
atendendo os critérios estabelecidos, passam para a etapa de simulação e
experimentação.
Na simulação e experimentação, o grupo (ou grupos) de
desenvolvimento deve se aproximar do Gemba e realizar simulações em escala real e
experimentações dos pontos críticos de performance ou para esclarecer dúvidas de
desempenho. As alternativas selecionadas, assim, vão convergindo para a melhor solução,
revelando qual a configuração de processo mais próxima de atingir e atender os quesitos do
sistema de operação, dos produtos e serviços e seus objetivos.
Como referência, o
grupo LPD, em geral, persegue almeja nessa fase em torno de três a quatro alternativas de processo, que
são experimentadas e comparadas entre si por meio de interações com layout, no caso do fluxo de
materiais, ou em simuladores do fluxo de informação e versões Beta de aplicativos. A
combinação de simulação e as experimentações físicas e virtuais
é central para obter a convergência para o melhor conceito. É disso que se obtém a
validação das fases anteriores de geração de alternativas e avaliação,
evitando-se viés de confirmação ou de pensamento otimista (wishfull thinking). Caso a
geração tenha sido toda enviesada ou realizada para cumprir tarefa, evidencia-se nas
experimentações a pobreza dos resultados e obriga-se a retornar para nova geração de
alternativas — agora, com o cuidado de evitar pensamentos pré-concebidos ou opções
já escolhidas.
As sucessivas interações da equipe, as experimentações
física e virtual em 3D e outros testes visam alcançar a melhoria dos conceitos selecionados e sua
integração parcial ou total em um conceito que apresenta vantagens sobre os demais, além de
atender aos requisitos do sistema Lean e do target da empresa. Nessa fase, também são avaliados se os
conceitos admitem facilmente a introdução de soluções de
“hanedashi”, “chaku-chaku”, balanceamento, flexibilidade de
“takt-time”, versatilidade no balanceamento e layout, de forma que se verifique, por meio
desses elementos objetivos, o alcance das características de flexibilidade, adaptabilidade e
resiliência — fatores que ainda são um tanto quanto subjetivos no tratamento de processos de
Supply Chain, mas que, com essa abordagem, ganham objetividade. Ao final, o processo convergente é
representado por um VSM futuro (material e informação, sempre bom lembrar) e seu respectivo
macrolayout, seguindo, então, para a etapa seguinte do A3: a definição das contramedidas para
detalhamento e configuração final.
Com a convergência para uma configuração
de processo mais enxuto sendo alcançada, a próxima etapa é o desenho em detalhes do processo na
etapa de contramedidas e estado futuro do A3. É nessa etapa que o conceito de processo escolhido após
experimentações e simulações ganha forma, definindo as tecnologias em detalhe. Agora, o
conceito escolhido deve ser detalhado em cada estação de trabalho física da logística
por meio do trabalho padronizado, relacionando com o fluxo de materiais e com as entregas de qualidade. As
relações do novo processo com os sistemas de informação, por sua vez, devem ser
projetadas em suas relações com o acesso de dados, a quantidade e qualidade de
transações necessárias em um fluxo contínuo. A definição de quaisquer
tecnologias é uma consequência do conceito desenvolvido e escolhido na simulação. De
fato, antes de definir a tecnologia, devemos nos preocupar com a mobilidade necessária, movimentos relativos
no layout, formas de carga e descarga, agentes físicos empregados, origem e integridade de dados,
conectividade necessária, transações de dados, dentre outros aspectos primários do
estado futuro que se quer atingir.
A definição da tecnologia como consequência e não
como primeira definição do desenvolvimento é um dos mais importantes conceitos da
inovação com abordagem Lean. É o princípio da ferramenta do tamanho certo (right
size tools), não necessariamente referindo-se a todo tipo de meio físico e tecnologia que
evitará automaticamente desperdícios se sua configuração respeitar o conceito escolhido,
experimentado e simulado. Essa etapa é um antídoto robusto ao consumismo desnecessário de
tecnologia que pode se configurar como um desperdício tecnológico e até como criador de outros
problemas. A tecnologia é escolhida em função de sua capacidade de adesão ao conceito do
processo enxuto e não pelo poder do marketing. Empresas praticantes do LPD relatam economias de 30 a 50% em
investimentos de capital e de 20 a 40% nos custos de operacionais como fruto da aplicação do
3P.
Na sequência dessa fase, após as contramedidas definidas com detalhamento do conceito
selecionado, o desenvolvimento passa para a etapa do A3 de definição do cronograma e acompanhamento da
construção do processo, tendo cada ação de detalhamento monitorada com a
avaliação contínua dos testes, “try-out” e alinhamentos entre as etapas
operacionais, de forma a realizar ajustes e integrações dos sistemas físicos e informacionais
visando alcançar os resultados das métricas operacionais e financeiras.
Não há
avanço se os indicadores esperados não são avaliados e entregues. Fornecedores são
acompanhados em seus sítios com a mesma avaliação em ciclos curtos e contínuos como
forma de identificar possíveis problemas antes de finalizar a entrega. Problemas detectados mais cedo e
menores são mais fáceis de corrigir.
No monitoramento, recomenda-se utilizar outras ferramentas
Lean de apoio ao A3, tais como GD e OBEYA, em que as fases e suas entregas são expostas e discutidas entre
grupos e com a alta liderança. A visibilidade é total, com transparência dos problemas no
percurso, riscos e obstáculos, e grupos de apoio são designados como uma cadeia de ajuda em diversos
níveis hierárquicos para superar as dificuldades e conferir agilidade nas soluções e
ajustes.
Com essa última etapa do A3 — apoiado pela ferramenta 3P —, gradativamente
vão se confirmando os resultados esperados ou realizando ajustes mais cedo e, portanto, mais fáceis e
econômicos para convergir em direção à confirmação e completude do
processo. O novo processo é entregue pronto para a etapa de início de operação e apto a
atender a demanda com estabilidade e eficiência.
Considerações finais
O LPD aqui descrito é um roteiro de trabalho científico adaptado para aplicação no
desenvolvimento de processos, com base em hipóteses e experimentos, com mapas de ações
desenhados para atingir um estado desejado. Entretanto, se esse roteiro fosse atribuído somente a um
departamento ou grupo, o desenvolvimento de processos ficaria estagnado e confinado a experimentos baseados em um
só conceito de como as coisas devem ser feitas ou a uma classe de processos e tecnologia específicos.
Limitaríamos o alcance das inovações, reduziríamos o resultado e não se
desenvolveria uma cultura organizacional voltada para a inovação.
A chave do LPD é
realizar o desenvolvimento por meio de grupos multidisciplinares na logística e no Supply Chain, usando a
técnica de geração de alternativas com o “set-based” e sua
convergência com experimentações e simulações, com envolvimento do Gemba e das
pessoas, buscando participação como forma de confirmar a validade da hipótese de valor do
processo.
Essa estruturação provoca a criação de uma cultura de
inovação por meio do “learning on the job”, com efetiva compreensão de que
o desenvolvimento deve ser calcado em fatos e dados e validados empiricamente numa hierarquia de entregas. Primeiro,
geramos alternativas de conceitos, avaliamos o potencial dos conceitos, selecionamos os mais aptos, convergimos para
a definição do conceito escolhido, o núcleo do processo, depois o processo completo, o layout
e, ao final, é que pensamos na tecnologia. Tudo isso com transparência, debates em cima de fatos e
dados, busca de resultados com processos sem desperdícios. Uma mudança cultural, na prática.