LOGÍSTICA E CADEIA DE SUPRIMENTOS

The Lean Process Development (LPD): Uma nova abordagem para a inovação em logística e supply chain

Alvair Silveira Torres Júnior
The Lean Process Development (LPD): Uma nova abordagem para a inovação em logística e supply chain

A inovação em produtos e processos tem sido um dos pontos de atenção na cadeia de suprimentos, na busca de vantagens competitivas no ambiente de negócios. Inovar em produtos passa a ser uma estratégia para escapar do chamado “oceano vermelho” de extrema competição, enquanto a inovação em processos pode dar nova vida aos negócios com ganhos de produtividade e qualidade. A combinação das duas linhas de inovação — produtos e processos — pode significar um salto de resultados para a corporação.
Nesse cenário, é natural que as lideranças em Supply Chain procurem abordagens que suportem o desenvolvimento de novos produtos e processos, ao mesmo tempo em que elas também permitam rapidez na produção de engajamento e obtenção de resultados ao longo da cadeia. A abordagem Lean, com sua reconhecida capacidade de promover agregação de valor ao cliente e sucesso na resolução de problemas, tem sido constantemente procurada pelas empresas como meio de atingir esse novo estado de inovação contínua.
Nesse cenário, há necessidade de uma melhor compreensão de algumas das principais práticas da abordagem Lean no Desenvolvimento de Processos e suas interseções com o desenvolvimento e inovação em Logística e Supply Chain. Trata-se de um tópico importante da filosofia Lean para inovação, mas frequentemente negligenciado. É um mecanismo fundamental para permitir a estruturação de uma cultura da inovação contínua. Este artigo define o propósito do Lean Process Development (LPD), apresenta sua estrutura básica delineando seus principais elementos de conteúdo e, por fim, explica sua importância para uma transformação da cultura da inovação.

Propósito

No ambiente de negócios, é comum as empresas estarem envolvidas com o desenvolvimento de novas gerações de produtos e serviços, digitais ou analógicos, cujo lançamento é estratégico para conquistar mercados com qualidade, custo e flexibilidade, inclusive gerando novos mercados globais.
Os gestores discutem rotineiramente sobre as limitações e obstáculos que as abordagens tradicionais de desenvolvimento trazem para o dia a dia da empresa — quando não, pensam em startups como a solução para romper com a inércia. Entretanto, na maioria das vezes, reconhecem que a maneira tradicional no desenvolvimento deve ser alterada.
Um típico cenário é a situação em que os processos são melhorados depois que são colocados em operação e demoram meses ou até anos para alcançar estabilidade trabalhando com as equipes da operação e de apoio. Em outras situações, os novos processos encontram problemas em sua operacionalização e alcançam o mercado com problemas de desempenho. Se fizer parte da transformação digital, a desculpa de ser um avanço tecnológico acaba sendo empregada para justificar a instabilidade operacional na implementação, porém, com o tempo, deve esgotar seu poder de conter os descontentes com os resultados.
No setor de logística, essa situação de processos instáveis pode significar insatisfação extrema, irritabilidade do consumidor e situações em que as rápidas resoluções de problemas podem não ser mais suficientes, além do fato dessas contenções sangrarem o caixa da empresa.
O Lean Development Process (LDP) é uma abordagem estruturada com equipe de trabalho multifuncional, interagindo com a estratégia corporativa e os atributos de valor dos clientes. Tem o propósito de desenvolver novos processos enxutos e estáveis mais rapidamente, alinhados com padrões de alta qualidade e performance, contribuindo para o aperfeiçoamento dos serviços e produtos na medida em que é aderente ao desenvolvimento simultâneo.

Estrutura básica e elementos do LPD

A base da estruturação do LPD é o emprego de dois elementos estruturantes do pensamento Lean: o método A3 na condução do desenvolvimento (Figura 1) e a ferramenta 3P para geração e escolha de alternativas (Figura 2).
No A3, o entendimento do contexto e da situação atual são pontos de partida para a equipe de desenvolvimento buscarem dados, fatos e a compreensão de qual problema se quer resolver com o desenvolvimento dos novos processos. Problemas estratégicos da empresa, obstáculos para atingir a entrega de valor para o cliente e sociedade, questões de performance a serem entregues para os acionistas, enfim… busca-se deixar com a maior clareza o que se pretende atingir com os novos processos.
Essa etapa do A3 pode requerer a utilização do VSM para dar visão do que se pretende realizar com os processos em fluxo, o cálculo do takt time e os atributos de valor que precisam ser atingidos. Com esse entendimento do propósito do desenvolvimento, que deve envolver toda a empresa puxada pela equipe multifuncional do LPD, atinge-se a etapa seguinte do A3, caracterizada pelo estabelecimento dos objetivos do desenvolvimento, expressos em indicadores com metas e prazos.
Vencida essa etapa em que o A3 como método exerce o papel de um guia e ordenador do pensamento, indicando a pauta de discussões e reunião de dados e fatos, passamos para a fase de análise em que a ferramenta 3P exercerá a função de estruturar a geração de alternativas de processo para o atingimento dos targets.
A ferramenta 3P (Production Preparation Process) estrutura a etapa de desenhar os processos operacionais capazes de atingir os resultados esperados e obter soluções aos problemas de fluxo para criação do valor objetivado (Figura 2). Como consequência, se obtém inovação do estado atual.
O grupo multidisciplinar do LPD deve avaliar se um time será suficiente para empreender a geração de alternativas para todos os processos ou se deve criar outros grupos multidisciplinares para aplicar o 3P em determinados processos, dividindo a carga de desenvolvimento, mas sempre alinhados com o time principal LPD do A3.

Figura 1 — Exemplo de A3 aplicado na Logística de um CD para geração
de novos processos

Figura 2 — Desenho esquemático da ferramenta 3P com seus elementos estruturantes
para geração de alternativas de processo, que irão levar à convergência gradual do
melhor processo

Na primeira etapa, o grupo desenha diversos conceitos de processos alternativos tendo os targets como estímulo para a criação. Utiliza-se nesta etapa do 3P, o conceito de “set-based” (considerar várias alternativas de processo com conceitos diferentes) no lugar do tradicional “point-based” (escolha de um único conceito de processo alternativo). O objetivo é desenvolver um conjunto de alternativas cujos pontos fortes convirjam para um processo mais robusto, ao passo que os pontos fracos sejam eliminados ou substituídos (Figura 3). As alternativas podem conter aperfeiçoamentos do serviço ou produto logístico que está sendo desenvolvido simultaneamente ou com propostas de mudanças no caso de serviços e produtos atuais no portfólio. A primeira opção é preferida porque estimula uma potencialização de encontrar problemas mais cedo e corrigi-los antes que o produto com potencial de problemas se efetive no mercado.

Figura 3 — diferenças na geração e tratamento das alternativas de processo durante o
desenvolvimento, entre o tradicional point-based e a técnica set-based usada na abordagem Lean


Os conceitos dos processos alternativos são então avaliados segundo 14 requisitos de um sistema Lean de processos. As alternativas são avaliadas quanto aos elementos do processo Lean que o 3P destaca, tais como “hanedashi”, “chaku chaku”, envolvimento do operador, dentre outros. Há uma estruturação sobre a direção que as alternativas devem convergir, indo para além do tempo e movimento no trabalho, pois os processos devem assegurar flexibilidade, resiliência, adaptabilidade, dentre outras características que são conferidas pelos 14 requisitos avaliados.
Cada alternativa de processo recebe uma nota em cada quesito representando seu potencial de entregar valor de formar estável. As alternativas com significativa pontuação total, atendendo os critérios estabelecidos, passam para a etapa de simulação e experimentação.
Na simulação e experimentação, o grupo (ou grupos) de desenvolvimento deve se aproximar do Gemba e realizar simulações em escala real e experimentações dos pontos críticos de performance ou para esclarecer dúvidas de desempenho. As alternativas selecionadas, assim, vão convergindo para a melhor solução, revelando qual a configuração de processo mais próxima de atingir e atender os quesitos do sistema de operação, dos produtos e serviços e seus objetivos.
Como referência, o grupo LPD, em geral, persegue almeja nessa fase em torno de três a quatro alternativas de processo, que são experimentadas e comparadas entre si por meio de interações com layout, no caso do fluxo de materiais, ou em simuladores do fluxo de informação e versões Beta de aplicativos. A combinação de simulação e as experimentações físicas e virtuais é central para obter a convergência para o melhor conceito. É disso que se obtém a validação das fases anteriores de geração de alternativas e avaliação, evitando-se viés de confirmação ou de pensamento otimista (wishfull thinking). Caso a geração tenha sido toda enviesada ou realizada para cumprir tarefa, evidencia-se nas experimentações a pobreza dos resultados e obriga-se a retornar para nova geração de alternativas — agora, com o cuidado de evitar pensamentos pré-concebidos ou opções já escolhidas.
As sucessivas interações da equipe, as experimentações física e virtual em 3D e outros testes visam alcançar a melhoria dos conceitos selecionados e sua integração parcial ou total em um conceito que apresenta vantagens sobre os demais, além de atender aos requisitos do sistema Lean e do target da empresa. Nessa fase, também são avaliados se os conceitos admitem facilmente a introdução de soluções de “hanedashi”, “chaku-chaku”, balanceamento, flexibilidade de “takt-time”, versatilidade no balanceamento e layout, de forma que se verifique, por meio desses elementos objetivos, o alcance das características de flexibilidade, adaptabilidade e resiliência — fatores que ainda são um tanto quanto subjetivos no tratamento de processos de Supply Chain, mas que, com essa abordagem, ganham objetividade. Ao final, o processo convergente é representado por um VSM futuro (material e informação, sempre bom lembrar) e seu respectivo macrolayout, seguindo, então, para a etapa seguinte do A3: a definição das contramedidas para detalhamento e configuração final.
Com a convergência para uma configuração de processo mais enxuto sendo alcançada, a próxima etapa é o desenho em detalhes do processo na etapa de contramedidas e estado futuro do A3. É nessa etapa que o conceito de processo escolhido após experimentações e simulações ganha forma, definindo as tecnologias em detalhe. Agora, o conceito escolhido deve ser detalhado em cada estação de trabalho física da logística por meio do trabalho padronizado, relacionando com o fluxo de materiais e com as entregas de qualidade. As relações do novo processo com os sistemas de informação, por sua vez, devem ser projetadas em suas relações com o acesso de dados, a quantidade e qualidade de transações necessárias em um fluxo contínuo. A definição de quaisquer tecnologias é uma consequência do conceito desenvolvido e escolhido na simulação. De fato, antes de definir a tecnologia, devemos nos preocupar com a mobilidade necessária, movimentos relativos no layout, formas de carga e descarga, agentes físicos empregados, origem e integridade de dados, conectividade necessária, transações de dados, dentre outros aspectos primários do estado futuro que se quer atingir.
A definição da tecnologia como consequência e não como primeira definição do desenvolvimento é um dos mais importantes conceitos da inovação com abordagem Lean. É o princípio da ferramenta do tamanho certo (right size tools), não necessariamente referindo-se a todo tipo de meio físico e tecnologia que evitará automaticamente desperdícios se sua configuração respeitar o conceito escolhido, experimentado e simulado. Essa etapa é um antídoto robusto ao consumismo desnecessário de tecnologia que pode se configurar como um desperdício tecnológico e até como criador de outros problemas. A tecnologia é escolhida em função de sua capacidade de adesão ao conceito do processo enxuto e não pelo poder do marketing. Empresas praticantes do LPD relatam economias de 30 a 50% em investimentos de capital e de 20 a 40% nos custos de operacionais como fruto da aplicação do 3P.
Na sequência dessa fase, após as contramedidas definidas com detalhamento do conceito selecionado, o desenvolvimento passa para a etapa do A3 de definição do cronograma e acompanhamento da construção do processo, tendo cada ação de detalhamento monitorada com a avaliação contínua dos testes, “try-out” e alinhamentos entre as etapas operacionais, de forma a realizar ajustes e integrações dos sistemas físicos e informacionais visando alcançar os resultados das métricas operacionais e financeiras.
Não há avanço se os indicadores esperados não são avaliados e entregues. Fornecedores são acompanhados em seus sítios com a mesma avaliação em ciclos curtos e contínuos como forma de identificar possíveis problemas antes de finalizar a entrega. Problemas detectados mais cedo e menores são mais fáceis de corrigir.
No monitoramento, recomenda-se utilizar outras ferramentas Lean de apoio ao A3, tais como GD e OBEYA, em que as fases e suas entregas são expostas e discutidas entre grupos e com a alta liderança. A visibilidade é total, com transparência dos problemas no percurso, riscos e obstáculos, e grupos de apoio são designados como uma cadeia de ajuda em diversos níveis hierárquicos para superar as dificuldades e conferir agilidade nas soluções e ajustes.
Com essa última etapa do A3 — apoiado pela ferramenta 3P —, gradativamente vão se confirmando os resultados esperados ou realizando ajustes mais cedo e, portanto, mais fáceis e econômicos para convergir em direção à confirmação e completude do processo. O novo processo é entregue pronto para a etapa de início de operação e apto a atender a demanda com estabilidade e eficiência.

Considerações finais

O LPD aqui descrito é um roteiro de trabalho científico adaptado para aplicação no desenvolvimento de processos, com base em hipóteses e experimentos, com mapas de ações desenhados para atingir um estado desejado. Entretanto, se esse roteiro fosse atribuído somente a um departamento ou grupo, o desenvolvimento de processos ficaria estagnado e confinado a experimentos baseados em um só conceito de como as coisas devem ser feitas ou a uma classe de processos e tecnologia específicos. Limitaríamos o alcance das inovações, reduziríamos o resultado e não se desenvolveria uma cultura organizacional voltada para a inovação.
A chave do LPD é realizar o desenvolvimento por meio de grupos multidisciplinares na logística e no Supply Chain, usando a técnica de geração de alternativas com o “set-based” e sua convergência com experimentações e simulações, com envolvimento do Gemba e das pessoas, buscando participação como forma de confirmar a validade da hipótese de valor do processo.
Essa estruturação provoca a criação de uma cultura de inovação por meio do “learning on the job”, com efetiva compreensão de que o desenvolvimento deve ser calcado em fatos e dados e validados empiricamente numa hierarquia de entregas. Primeiro, geramos alternativas de conceitos, avaliamos o potencial dos conceitos, selecionamos os mais aptos, convergimos para a definição do conceito escolhido, o núcleo do processo, depois o processo completo, o layout e, ao final, é que pensamos na tecnologia. Tudo isso com transparência, debates em cima de fatos e dados, busca de resultados com processos sem desperdícios. Uma mudança cultural, na prática.

Publicado em 18/07/2024

Autor

Alvair Silveira Torres Júnior
Senior Lean Coach

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