CULTURA E LIDERANÇA

Lean enterprise: a gestão enxuta em busca da excelência

Ressalta aspectos relevantes da liderança lean.

Lean enterprise: a gestão enxuta em busca da excelência

1. O conceito atual de competitividade

O processo de globalização e a evolução econômica de países emergentes, como China, Índia, Brasil e Rússia, aguçam atualmente ainda mais a já intensa competitividade internacional.

O foco estratégico associado à excelência operacional passaram a representar o binômio de sucesso de qualquer organização ou nação para sua viabilidade sustentável de longo prazo.

A ética sócio-ambiental e a gestão de ativos não tangíveis, permeiam estes dois fatores, estabelecendo limites claros para o convívio com o meio externo, determinando em muitos casos a perenidade existencial de seus sistemas.

Nunca nossos modelos mentais foram tão demandados a adaptações, forçando-nos a revisões contínuas de conceitos e paradigmas, sob pena de resultar numa exclusão natural dos fluxos evolutivos a que somos expostos, como indivíduos ou como grupos sociais.

As competências técnicas e metodológicas não são mais suficientes, precisando ser complementadas pelas competências sociais, que passam muitas vezes a exercer papel chave em todas as relações humanas.

Estruturas organizacionais extremamente hierarquizadas e departamentais inconscientemente estabelecem relações de poder, onde os processos internos que levariam à agregação de valor e conseqüentemente à manutenção sustentável da instituição, são sobrepostos por atividades e comportamentos que só geram desperdícios de tempo e recursos.

Pode-se dizer que esta é uma das principais causas-raiz dos desastres organizacionais noticiados nos últimos anos. Grandes corporações chegam ao limite da existência porque o sistema de gestão não é capaz de, consistentemente, remover os desperdícios, muitas vezes óbvios nos processos internos, e se adaptar de forma rápida e eficaz às demandas de performance da área de negócios em que estão inseridas.

Podermos encontrar, no entanto, empresas que apresentam performance de excelência e mantêm-se em constante e positiva evolução.

Nestas organizações o valor a ser criado, definido pelo foco estratégico, é viabilizado por processos internos de excelência, sob os quais times de colaboradores atuam de forma a constantemente aperfeiçoá-los e adaptá-los, garantindo, assim, sua evolução sustentável.

2. A gestão enxuta – mudança de modelo mental

O histórico conceito de gestão “Lean” (melhor tradução para o português – Gestão Enxuta) é bem conhecido em vários setores industriais e ultimamente também em alguns setores de serviços.

O fenômeno japonês pós-guerra e o êxito inequívoco da Toyota foram as bases para estudos sobre esta nova abordagem de administração de negócios.

No final dos anos 80, um grupo de professores do MIT, liderado pelos professores James Womak e Daniel Jones, após extensa pesquisa de campo, lançaram o “Best-seller” mundial “A Máquina que Mudou o Mundo”, já traduzido em mais de 20 idiomas.

Apesar de se tratar de experiências vinculadas à indústria automotiva, ficou desde então claro que sua aplicação poderia ser expandida para vários setores, mesmo aqueles não produtivos e para todos os processos da organização, migrando a abordagem do “Lean Manufacturing” para o “Lean Enterprise”.

Em 1981 J. Womack e D. Jones lançaram mais uma obra determinante para a compreensão do “Lean Management”, tentando esclarecer alguns equívocos de interpretação, que reduziram o conceito ao uso de ferramentas e métodos, que, aplicados individualmente, geraram ainda mais desperdícios e imobilismo adaptativo à empresas.

Mesmo atualmente, existem dificuldades surpreendentes em relação ao uso real desta abordagem gerencial.

O livro “The Toyota Way” tenta reforçar aspectos tácitos do sucesso desta empresa, esclarecendo que não se trata apenas do uso conseqüente de metodologias, mas, sim, de uma mudança susbstancial do modelo mental da gestão do negócio.

Quebras de paradigmas importantes, como da adaptação do sistema departamental funcional para uma organização orientada por processo e o alinhamento incondicional das ações operacionais ao foco estratégico do negócio em busca da criação sustentável do valor, redefinem a relação de poder convencional para uma postura de trabalho em time e valorização do potencial humano, sintetizado no binômio: Competência e Motivação.

Esta nova forma de vivenciar o ambiente interno da organização traz, em si, elementos simples, mas que tiram da região de conforto todos os seus membros, provocando a formação de um ambiente mais integrador e com capacidade adaptativa eficaz.

Estamos falando de aspectos tácitos, que passam por uma reformulação individual e coletiva, formando realmente uma cultura organizacional flexível e robusta, induzindo todos a se posicionarem em relação aos fatos do dia-a-dia.

A viabilização prática deste conceito de gestão visa a redução de complexidade e o aumento do grau de consciência e autodisciplina em relação aos seus princípios básicos.

3. Princípios básicos do “Lean”

A redução da complexidade da mudança

Os princípios básicos do “Lean” funcionam como catalisadores da forma de pensar de todos aqueles que têm a intenção de seguir neste caminho.

Pode-se encontrar nas bibliografias sobre o assunto inúmeras abordagens para o tema, mas experiências em várias empresas mostram que podemos usar os seguintes quatro princípios fundamentais como modelo a seguir:

  1. Foco no Valor
  2. Orientação por Processos
  3. Trabalho em Time
  4. Melhoria Contínua

O Foco no Valor é o primeiro e talvez o mais decisivo princípio do “Lean Management”, pois nele determina-se a conexão, o foco estratégico da organização com os processos internos e, conseqüentemente, com as ações cotidianas.

A definição do Valor deve sempre contemplar as perspectivas dos “Stakeholders” da empresa ou instituição, tais como acionistas, clientes, sociedade, meio-ambiente, e ser definida de forma clara e inequívoca.

Para que este valor seja realmente passível de ser acompanhado é necessário seu desmembramento em outras grandezas (métricas), de forma a permitir o estabelecimento de metas e um sistema de controle de sua evolução, garantindo assim o alinhamento do foco de longo prazo com o de curto prazo da empresa.

O Desdobramento de Metas é uma metodologia que permite a todos os níveis de processos da organização o acompanhamento sistemático da parcela inerente do valor a ser agregado.

Um grande problema enfrentado é a tendência de se usar a estrutura departamental, e não processual, para o desdobramento de metas, em função da não visualização clara do inter-relacionamento dos produtos dos diversos processos e sua convergência para o valor a ser agregado, gerando-se, assim, o conhecido fenômeno de “conflitos de metas”.

Um desdobramento de metas eficaz deve se basear na cadeia de processos da organização, eliminando o tremendo desperdício de tempo de discussões e administração de conflitos de subgrupos internos.

Mesmo que esta abordagem processual não ocorra num primeiro momento, a definição de valor a ser agregado e seu respectivo desdobramento em metas mensuráveis (“Policy Deployment”) deixa ao menos evidente a definição do que é desperdício.

Desperdício é todo recurso (material, tempo, energia, etc) que não contribui para a agregação de valor ou não dá suporte para sua geração de forma perene.

O Foco no Valor traz a primeira necessidade da gestão visual, pois, se os objetivos definidos no desdobramento de metas não forem comunicados a todos os membros dos times, que na prática executam e otimizam os processos em questão, não será possível o monitoramento para seu alcance.

Uma vez definido e desdobrado o valor a ser criado, fica evidente a necessidade da identificação dos processos que o viabilizam.

Sem o princípio da Orientação por Processos, o foco no valor tende a se reduzir à forma de gestão que se convencionou chamar Gestão por Objetivos.

Apesar da relativa simplicidade da lógica desta abordagem, a orientação por processo tem se mostrado a maior barreira na construção do novo modelo mental “Lean”.

É nela que se reescreve a relação de poder na organização, transferindo-a do conceito funcional e departamental, onde o gesto é confundido com a figura do “chefe” para a abordagem do gestor entendido como um “coach”, com a responsabilidade de conhecer e coordenar o time para atuar no processo e atingir seus objetivos pré-determinados,

A definição de processo muitas vezes representa um fator importante para a desmistificação deste princípio.

Processo é simplesmente uma seqüência de atividades, com entradas e saídas definidas, que geram um produto ou serviço.

Entendendo-se a organização como um conjunto de processos que convergem, sem desperdício, para a agregação de valor pré-definida pelos "Stakeholders", o gestor deixa de ser o definidor de tarefas e assume o papel de líder adaptativo da organização.

Para que os processos possam ser devidamente gerenciados pelo líder e seu time, é importante observar os seguintes pontos:

  • Todos os processos devem ser devidamente mapeados e visualizados.
  • Toda atividade deste processo deve ser padronizada e ter suas entradas e saídas claramente definidas
  • Nenhum processo deve ser executado sem que haja uma demanda pelo produto ou serviço por ele gerado.
  • Todas as atividades devem ser executadas com disciplina processual observando-se as competências e os recursos por elas demandadas.
  • A seqüência de atividades deve permitir o valor fluir de forma unidirecional, evitando-se retonos e retrabalhos.
  • Todo processo deve objetivar a geração do produto ou serviço com o nível de qualidade esperado, entregando-o no momento demandado pelo cliente, com o menor custo possível.

Cria-se, portanto, a segunda necessidade de visualização e padronização, agora sobre os processos da organização.

Da mesma forma que no caso do Desdobramento de Metas, a visualização do fluxo e agregação de valor ("Value Stream Map") e a conseqüente padronização de suas atividades facilita a comunicação e estabelece a base para o processo adaptativo de melhoria contínua, necessária à perenidade da organização.

O exercício do mapeamento de processos em time, utilizando-se a ferramenta d visualização VSM ("Value Stream Map"), anteriormente utilizada apenas sobre os processos de manufatura, extrapola pra os demais processos da empresa o poder de aprender a enxergar os desperdícios e eliminá-los de forma consegüente e comprometida.

Talvez seja este mecanismo o mais poderoso para a formação do modelo mental da gestão enxuta, criando uma organização capaz de aprender continuamente.

O terceiro princípio da gestão "Lean" trata do fator humano, traduzido no trabalho em time.

É através do compartilhamento de competências e motivação das pessoas que atuam nas atividades de um processo, que se vivencia o sistema "Lean".

O nível de maturidade de um time e conseqüentemente o seu nível de autonomia estão diretamente vinculados à responsabilidade sobre os valores a serem criados pelos processos onde atuam.

Quando este time ainda é capaz de gerenciar o próprio processo de melhoria, podemos dizer que é auto-gerenciável.

Apesar do conceito de auto-gerenciamento ter sido amplamente difundido na última década, raramente se observa na prática sua real utilização. A liderança ainda exerce, independentemente da cultura organizacional ou regional, um papel fundamental no sistema de gerenciamento enxuto.

Com o trabalho em time, se estabelecem na organização novos papéis, quebrando forçosamente a visão departamental e funcional.

Os papéis da liderança e de membro em time trazem uma nova contextualização para a gestão de competências e de motivação de todas as pessoas envolvidas, reforçando a individualidade e contribuindo decisivamente para a eliminação do individualismo, que em muitos casos é a principal causa raiz de vários desperdícios.

Uma mesma pessoa pode exercer vários papéis em vários momentos, passando de "coach" funcional a membro de time, dependendo de suas competências e do processo onde está inserido.

Este entendimento reflete-se no perfil demandado dos colaboradores de uma organização, devendo ser analisado de forma preventiva até mesmo na formação acadêmica dos novos profissionais.

Conhecimentos atualmente não considerados em ementas no sistema de ensino de nível técnico e universitário, como o WSM, Desdobramento de Metas, Análise de Causas Raízes, TPM, FMEA, DRBFMA, Padronização de Trabalho, Comunicação, Assertividade, etc., passam a ser fundamentais para o sucesso de profissionais que desejam ingressar em uma organização "Lean".

O modelo de gestão de recursos humanos precisa ser também ampliado, observando-se a intrínseca dependência de conhecimentos tácitos e explícitos com o clima motivacional da organização.

O quarto princípio "Lean" estabelece a demanda interna incondicional pela excelência, onde toda a organização busca a melhoria contínua de seus processos, liberando ao mesmo tempo a criatividade e a auto-disciplina processual de todos os colaboradores.

Apesar da possibilidade quase infinita de aperfeiçoamento processual, seja através da introdução racional e objetiva de novas tecnologias (de manufatura, de informação, de produto, etc.) ou através de aumento de performance dos membros dos times, através de uma gestão de competências e motivação, pode-se inicialmente definir as seguintes classes de desperdícios:

  • Retrabalho
  • Falta de qualidade
  • Estoques
  • Movimentações desnecessárias
  • Atividades desnecessárias (entrada = saída)
  • Esperas
  • Desmotivação e competências inadequadas

Apesar de originalmente estes fatores terem sido identificados nos processos de manufatura, eles estão também presentes em processos chamados administrativos.

Para uma estruturação sistemática do processo de melhoria contínua sugere-se o uso da ferramenta A3 (utilizada originalmente pela Toyota). Através do mapeamento do estado atual podem-se identificar melhorias significativas do processo e estruturar a migração para um estado futuro de uma forma ordenada e padronizada, fazendo com que o próprio time, não só se comprometa conscientemente com o novo sistema, mas também monitore sua efetividade através das métricas previamente definidas.

Outras técnicas, preventivas ou corretivas, tais como 6 sigma, 5 Porquês, KPT, etc., usadas para identificação de causas raízes de variação de performance podem ser adicionadas à visão processual, desdobrando-se em projetos convergentes para o aperfeiçoamento do processo.

O princípio de melhoria contínua espontânea deve ser suportado pela organização e ser um dos pilares para o sistema de reconhecimento e motivação dos colaboradores, observando-se sempre a convergência para o desdobramento de metas e mantendo-se a coerência com o foco no valor.

4. A liderança "Lean"

Passos para a mudança

A implantação de um sistema de gestao enxuta de negócios ("Lean Enterprise") demanda um novo perfil de liderança.

Muitas barreiras surgem neste caminho, sobretudo aquelas referentes à adaptação a um modelo mental que quebra paradigmas extremamente enraizados na forma de pensar ocidental.

A origem do sistema Toyota de Produção, berço da gestão "Lean", baseou-se em técnicas há muito conhecidas no mundo industrial, mas o grande diferencial foi exatamente a conseqüência e disciplina com que foram empregadas, criando-se um sistema integrado para a geração e fluxo de valor, em contínua busca pela excelência.

Daí pode-se extrair as principais características de um líder "Lean":

  1. Autodisciplina
  2. Conseqüência
  3. Busca incondicional pela melhoria de performance

A lógica "Lean" é relativamente simples. O que faz realmente a diferença entre o sucesso e o insucesso de seu uso é a atitude das pessoas que nele atuam.

Para facilitar o início desta jornada, sugerimos o seguinte processo:

  • Defina o Valor a ser gerado por sua organização contemplando seus principais "Stakeholders".
  • Defina e padronize os processos para criá-los.
  • Defina e gerencie as competências e a motivação do time que executa estas atividades.
  • Visualize a demanda e só produza o que for demandado.
  • Melhore continuamente seus processos, buscando sempre a excelência através da eliminação dos desperdícios.
  • Comemore com seu time os resultados obtidos.
Publicado em 10/12/2007

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal