GESTÃO DA PRODUÇÃO

Uma aplicação inesperada do TWI (Trainig within Industry)

Há mais no TWI do que aplicações na indústria. Neste artigo, uma mãe criativa compartilha a tocante história de como utilizou Instruções de Trabalho para ajudar seu filho de 5 anos com Síndrome de Asperger

O autismo tem muitas faces. Uma delas é a Síndrome de Asperger, um transtorno de desenvolvimento caracterizado pela interação social prejudicada, padrões repetitivos de comportamento, interesses restritos e desenvolvimento cognitivo e de linguagem normal. Essa condição representa uma boa parte de minha vida: tanto meu marido quanto meu filho foram diagnosticados com essa síndrome, e muitos de nossos amigos também têm experiências com a Asperger em suas vidas diárias.

Há alguns anos, em meu trabalho como conselheira de gestão lean para o governo holandês, vi uma oportunidade de aplicar as técnicas do TWI para ensinar a meu filho novas tarefas, trabalhos e comportamentos. Quando percebi que havia uma interessante conexão aí, pesquisei por artigos sobre autismo e a gestão lean, mas não consegui encontrar nenhum. Alguém no Instituto Lean da Holanda, então, desafiou-me a escrever o primeiro, então aqui estou.

O TWI nunca foi um método utilizado para ajudar pessoas com Asperger, mas para capacitar os colaboradores de uma organização a realizar tarefas da maneira certa e com grandes resultados. Foi desenvolvido como uma forma de deixar as pessoas melhorar seu desempenho. E as pessoas com Asperger, como qualquer pessoa com uma deficiência, pode se sobressair também, desde que sejam desafiadas da maneira certa.

Como descobri que o TWI funciona muito bem com elas, decidi compartilhar minha experiência. Dessa forma, espero contribuir para a capacitação e emancipação de pessoas com autismo e seus membros mais próximos da família, e para a melhoria do cuidado que elas recebem.

Em primeiro lugar, deixe-me falar um pouco sobre essa condição. As pessoas com Asperger percebem detalhes, mas têm dificuldades para enxergar o todo. Como o cérebro deles funciona de uma forma diferente (eles coletam as informações sensoriais de uma maneira diferente), sua interpretação sobre o que está acontecendo pode ser diferente também. Todo dia, a vida e o mundo podem ser esmagadores para eles: situações sociais com todas as suas variantes são complexas, e as emoções são ainda mais difíceis de compreender. A mudança é estressante para a maioria das pessoas com autismo: é por isso que rotinas de aprendizagem podem ajudar os pacientes da Asperger a lidar com sua vida diária e a criar padrões de comportamento que tragam estabilidade a sua existência. O pensamento lean pode ensiná-los a não se esforçarem tanto em atividades diárias.

A principal missão do lean é melhorar a vida do cliente. Em hospitais, o cliente é o paciente, e aprendemos que podemos melhorar suas vidas apoiando a jornada do cuidador para que ele forneça um serviço melhor. De uma forma semelhante, o lean ajudou-me a descobrir como cuidar melhor de meu filho, como capacitá-lo e permitir que ele melhore sua própria vida e controle as oportunidades que aparecerem. Em outras palavras, o lean ajudou-me a educá-lo para que ele possa ajudar a si mesmo.

Um pouco de informação sobre TWI

O TWI foi desenvolvido nos Estados Unidos entre 1942 e 1945. Ele consiste em quatro elementos: Instruções de Trabalho, Métodos de Trabalho, Relacionamentos de Trabalho e Desenvolvimento do Programa. Os elementos têm focos diferentes: As Instruções de Trabalho são usadas para aprender novos trabalhos, e os Métodos de Trabalho, para melhorar os trabalhos. Os Relacionamentos de Trabalho miram nas relações interpessoais entre os membros da equipe e seu impacto no trabalho. O Desenvolvimento do Programa foca em o que e quando treinar cada membro da equipe.

O TWI foi inventado para melhorar o desempenho da indústria norte-americana durante a guerra, quando homens eram chamados ao exército, e as fábricas precisavam de novos colaboradores que pudessem substituí-los de maneira rápida e efetiva. Em uma época em que pessoal experiente e materiais eram escassos, o TWI trouxe um aumento quantitativo e qualitativo na produtividade de muitas companhias. Após a guerra, esse tipo de treinamento foi introduzido no Japão. Ele ainda é fornecido nas fábricas da Toyota.

As Instruções de Trabalho são um dos quatro elementos do TWI. Elas ensinam como aprender novos hábitos e tarefas e consistem nestes princípios:

  • Primeiro enxergue o todo, depois, os pequenos passos.
  • Aprenda vendo, entendendo e, então, faça você mesmo e experimente.
  • A estrutura ajuda a focar primeiro na rotina dos passos, depois em seus pontos principais e, por fim, nas razões atrás desses pontos.
  • O primeiro foco está em fazer de forma certa a tarefa, depois, em acelerar a ação.
Uma das premissas das Instruções de Trabalho é que toda tarefa ou trabalho pode ser aprendido, por qualquer um. O supervisor se torna um instrutor e ensina as novas tarefas ao colaborador. Para ajudar o instrutor, a tarefa é escrita em uma Folha de Especificação do Trabalho. Ela descreve a tarefa em três colunas: quais são os passos na rotina certa, como você quer que cada passo seja executado (nos pontos principais) e por que o passo precisa ser executado dessa forma específica.

Aprendendo a tomar banho

Nosso filho de 5 anos com Síndrome de Asperger sempre gostou de tomar banho. Mas sempre que queríamos que ele tomasse banho ele começava a entrar em pânico, chutando e gritando. Meu marido e eu não tínhamos ideia de por que isso acontecia e como evitar. Para aumentar nosso estresse, no ano seguinte da escola, nosso filho teria que tomar banho após a Educação Física, sozinho. Comecei a pensar em como poderia ajudá-lo a lidar com algo que, para a maioria de nós, parece ser tão simples, mas que, para ele, parecia tão assustador: tomar um banho.

Como Tomar Banho Para minha surpresa, a tarefa de tomar banho tinha 18 passos. Meu marido e eu tínhamos rotinas diferentes e, além disso, elas mudavam de dia para dia. Não é à toa que nosso filho começava a entrar em pânico!

Tínhamos que abordar esse desafio como uma frente unida. Levou algum tempo, mas ter uma abordagem como pais é importante nos cenários de aprendizagem para as crianças (ainda mais para crianças com autismo). Concordamos em comunicar uma mensagem até que ele tenha realizado a tarefa de “tomar um banho” da maneira certa.

Em primeiro lugar, determinamos as situações em que ele teria que tomar um banho:

  • Em caso de um pequeno acidente (controle esfincteriano).
  • Quando ele estiver visivelmente sujo (mãos, joelhos, cabeça).
  • Quando ele estiver mal-cheiroso.
  • Após praticar esportes.
  • Uma vez a cada dois dias, assim ele não teria que realizar essa apavorante tarefa todo dia e, ao mesmo tempo, ele não teria uma maneira de evitar o banho ao simplesmente evitar qualquer atividade que leva a ele (meu filho é muito esperto!).
Juntamente com meu marido, definimos a rotina do banho, os passos principais da rotina e as razões de sua importância.

O aprendizado tinha que acontecer em um lugar onde tanto meu filho quanto eu nos sentíssemos confortáveis. Decidi não ensiná-lo no banheiro, com medo de que seria muito estressante. Em vez disso, eu sentei com ele na sala e expliquei que, quando crescesse, ele precisaria ser capaz de realizar algumas tarefas sozinho, como preparar um lanche ou tomar um banho. Disse que, no próximo ano, ele seria capaz de tomar banho com o resto de sua sala depois da aula de Educação Física, sugerindo que talvez fosse útil que ele aprendesse agora. Ele concordou.

O primeiro dia do “treinamento” foi dedicado a explicar as razões para tomar banho, algo com que meu filho ficou curioso. Disse que as pessoas tomam banho por higiene pessoal e para ficar saudável. Um corpo limpo permite-lhe procurar hematomas e perceber como estão curando. Também há um aspecto social envolvido, disse a ele: as pessoas gostam de pessoas limpas e, após brincar e se sujar, é necessário limpar-nos. Falei disso como uma regra normal em nossa família.

No dia seguinte, mostrei a ele 18 cartões com figuras dos passos necessários para tomar um banho. Ao assistir e ajeitar as imagens na ordem certa, nosso filho enxergou o processo completo pela primeira vez.

Havia momentos de risadas também, conforme a rotina começava a soar mais e mais lógica em nossas mentes. Lave seu cabelo primeiro e atrás depois. Você não iria querer fazer da outra forma, iria? Então, discutimos os passos principais do banho: como lavar seu cabelo, o movimento da esponja em seu braço, e assim por diante. Na terceira fez que fizemos isso, separamos algum tempo para explicar a rotina completa, seus passos principais e as razões de sua importância.

Concordamos em pendurar os cartões no chuveiro como um lembrete e, naquela noite, fomos realizar a tarefa.

O chuveiro estava preparado, os cartões pendurados em uma corda (gestão visual em seu melhor, não acha?). Obviamente, eu estava lá para prestar assistência. Nosso filho entrou confiantemente no banheiro e, depois, no chuveiro. Nesse momento, não houve gritaria. Ele sabia o que esperar. Ele olhou para os cartões, nomeou o primeiro passo com seus pontos principais e as razões para sua importância e, então, realizou a tarefa. Após completar a primeira tarefa, ele virou o cartão e seguiu ao próximo passo.

De acordo com a rotina, ele fechou a cortina. A partir desse momento, não pude ver mais nada, mas conseguia ouvi-lo. Fiz a ele as perguntas de coaching. Encorajei-o e parabenizei-o porque, pelo que conseguia ouvir, as coisas estavam indo bem. Então ele perguntou: “Mãe, por que preciso enxaguar a espuma do meu corpo agora? Não há espuma”.

Esquecemos de um passo.

Esquecemos do passo “coloque sabão em sua esponja”. Normalmente, nosso filho ficaria muito chateado se algo inesperado acontecesse ou se ele cometesse um erro. Mas, dessa vez, ele apenas riu. Eu, a instrutora, havia esquecido algo e ele não havia feito nada de errado. Ele virou os cartões sem reclamar e, então, começou de novo a partir do ponto em que ele lavava seu pescoço com sabão, dessa vez colocando sabão na esponja.

Uma hora mais tarde, um menino limpo estava lá, orgulhoso, em nosso banheiro.

No dia seguinte, um novo cartão foi colocado na corda de instruções, com o passo que tínhamos originalmente esquecido. As dificuldades, frustrações e o estresse relacionados a nossa inabilidade de ajudar nosso filho com o banho acabaram naquela noite: dentro de um mês, ele conseguia tomar banho sozinho. Nos próximos seis anos (ele tem 11 agora), ele desenvolveu sua própria rotina de banho, com quatro formas de banho:

  • Um banho longo de pelo menos 15 minutos.
  • Um banho curto de cinco minutos.
  • Um banho pós-esportes.
  • Um banho para relaxar.
Enquanto aprendemos a acelerar o processo, ele também manteve a rotina. Hoje ele faz tudo em menos tempo, ainda completando os passos principais. Ele melhorou sua rotina com alguma ajuda de nós pais (uma forma de fazer isso era dando menos tempo para ele completar a rotina, como no método ‘Oh Não!’, de Taiichi Ohno, como descrito no livro de Freddy e Michael Ballé ‘A Mina de Ouro’).

Por que funciona?

Pessoas com Asperger não pegam rotinas ou tarefas; eles precisam ser ensinados explicitamente. Utilizar Instruções de Trabalho é uma forma de fazer isso. Esse método é baseado na suposição de que, se um colaborador (ou aprendiz) não aprende o trabalho, quer dizer que o instrutor não ensinou de maneira adequada. Isso dá ao aprendiz mais liberdade para aprender em seu próprio ritmo.

O motivo pelo qual as Instruções de Trabalho funcionam é porque elas são feitas para qualquer um, incluindo alguém com Asperger, que precisa aprender tarefas repetitivas (como utilizar um telefone, fazer a mochila, limpar o quarto ou tomar um banho).

Como um ponto de partida, eles utilizam o conhecimento do colaborador (ou, nesse caso, de uma pessoa com autismo). A maioria das pessoas com autismo sabe como fazer diversas coisas, e, ao construir esse conhecimento, podemos capacitá-los a aprender novas tarefas e comportamentos. No caso de nosso filho, seu conhecimento sobre tomar um banho ou sobre passos individuais, como “lavar seu cabelo” ajudou a ensiná-lo como tomar um banho.

A estrutura das Instruções de Trabalho e das Folhas de Especificação do Trabalho ajuda pessoas com autismo a ter a tarefa nas mãos. Primeiro, eles são informados sobre quando fazer certo trabalho e por quê (na maioria das vezes, as pessoas esquecem). As figuras também ajudam porque são tão simples que as pessoa não se perde nos detalhes.

Os passos principais dão respostas a questões gerais (quem, o que, onde, quando?), então há instruções claras sobre cada passo. Para pessoas com Asperger, isso é crucial, e, quando a preparação está pronta, o como também pode ser respondido. O “por quê” é, na maioria das vezes, óbvio para pessoas que não têm Asperger, mas, para aqueles nessa condição, a razão para algo acontecer pode ser completamente nova. As razões são identificadas para justificar o porquê de certa tarefa ser completada de certa forma.

Adicionando conceitos gerais, como saúde ou comportamentos socialmente aceitos, à terceira coluna da folha pode ajudar ainda mais as pessoas com autismo. Essas são razões extras para uma tarefa ser da forma que é. Conectar as tarefas a esses grandes “valores” ajuda a criar um foco mais amplo nas ações necessárias para completá-las, o que ajuda as pessoas com autismo a avaliar novas situações mais rapidamente.

Com o sucesso do TWI e nosso experimento do banho em mente, ensinamos nosso filho outras rotinas “normais”, como fazer a mochila, ir à loja sozinho e ir de bicicleta à escola. Hoje, com 11 anos, ele tem três projetos em ação: limpar seu quarto e separar os blocos de LEGO, pegar o trem sozinho e aprender a aprender novas habilidades.

Foi ele quem escreveu a Folha de Especificação do Trabalho, com nossa ajuda. Isso teve o benefício adicional de nos dizer como ele gosta de fazer as coisas e por quê. Por fim, o TWI aumentou o entendimento mútuo em nossa família.

Há outro elemento no TWI: o treinamento das Relações do Trabalho. As relações sociais podem ser extremamente complexas de lidar para muitas pessoas com Asperger. Como Donald A. Dinero nos conta, o treinamento das Relações de Trabalho em uma firma permite aos colaboradores resolver problemas pessoais utilizando um método analítico não-emocional combinado com alguns conceitos básicos das relações humanas.

Quando ele estiver pronto, as Relações de Trabalho pode ajudar nosso filho em suas interações sociais da forma como as Instruções de Trabalho o ajudou com sua higiene pessoal. E, quem sabe, talvez em alguns anos ele que estará escrevendo um artigo sobre como as pessoas com Asperger podem ajudar a si mesmas e a outros utilizando os princípios e técnicas do TWI.

Publicado em 30/09/2014

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