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Em gestão, é preciso desaprender para aprender

Flávio Augusto Picchi
Em gestão, é preciso desaprender para aprender
Grande parte dos líderes reproduz estilos baseados no comando e controle. Para mudar isso, é preciso desaprender esse estilo e assimilar uma nova prática

Os conhecimentos disponíveis estão em constante mudança: há sempre coisas novas que precisam ser entendidas, assimiladas e praticadas — Foto: Unsplash



Uma das características mais importantes em uma empresa é a capacidade de aprender que as pessoas precisam desenvolver a cada dia. Os cenários e os conhecimentos disponíveis estão em constante e rápida mudança. Há sempre coisas novas que necessitam de ser entendidas, assimiladas e praticadas.

No entanto, há nesse fenômeno um outro sentido específico que, por vezes, não se percebe com clareza. É que, para conseguir avançar com um sistema de gestão, o processo de aprender requer, primeiro, desaprender. E isso deve ocorrer em todos os níveis de uma companhia.

Por exemplo, com relação às práticas das lideranças. Grande parte dos líderes aprendeu e reproduz estilos de liderar baseados no comando e controle, na ideia de que precisam ser “heróis”, que devem resolver tudo sozinhos... São conceitos que foram cristalizados na gestão tradicional por décadas, mas que hoje se mostram equivocados e improdutivos.

Para mudar isso, é preciso desaprender esse estilo. Só assim se consegue assimilar um novo conceito e prática de liderança, que é aquela que torna o líder um mentor, um coach, alguém que vai orientar e apoiar seus liderados na revelação e solução de problemas.

Se os líderes de uma empresa não desaprenderem de verdade o velho estilo, jamais conseguirão, de fato, implementar o mais recente, que se prova mais eficiente e produtivo.

Esse fenômeno de “desaprender para aprender” não se restringe às lideranças. Todos os profissionais de uma organização, sejam eles líderes ou liderados, trazem consigo “vícios” herdados de modelos tradicionais, que impedem as novas ideias de ocupar espaço e evitam que as tarefas sejam feitas de outra forma.

Um exemplo: as pessoas geralmente se concentram em fazer o trabalho em “grandes lotes” e acham que isso é produtivo. Hoje, porém, já se sabe que esse procedimento tende a ser extremamente improdutivo. E que, em vez disso, trabalhar com foco em “pequenos lotes”, em fluxo contínuo, é muito mais eficiente. No entanto, se não desaprendermos o primeiro, não conseguiremos implementar, de fato, o segundo.

Esse processo não é simples. Primeiro, porque exige uma certa humildade que, na prática, não é tão fácil de encontrar ou mesmo de desenvolver.

No geral, há uma cultura, de certa forma arrogante, que se manifesta quando os funcionários acham que sabem alguma coisa ou, por medo, fingem saber. Quando se olha mais de perto, percebe-se que, muitas vezes, a pessoa “acha que sabe” – ou seja, ouviu falar e superficialmente formou uma opinião.

Então, é preciso se questionar de forma honesta sobre o que “você realmente sabe”, em comparação com o que você “acha que sabe”. São coisas bem diferentes. Isso se aplica não só ao que o profissional conhece de determinados conceitos ou métodos, mas principalmente a quanto ele sabe sobre o que está efetivamente acontecendo nos processos da empresa, seus reais problemas e causas. Não é uma reflexão fácil de fazer, mas precisa ser praticada.

É preciso muita humildade para reconhecer que, antes de formarmos uma opinião, precisamos aprender mais, com fatos e dados, indo aonde as coisas acontecem, ouvindo diferentes pessoas - clientes, operadores, fornecedores e todos envolvidos na questão analisada.

No sistema lean, todos esses questionamentos fazem parte do cotidiano da gestão. É que adotar o lean sempre exige quebras de paradigmas, de antigos padrões, conceitos, práticas, comportamentos.

E não se consegue isso sem processos contínuos profundamente relacionados a desaprender, aprender e reaprender. Esse é o verdadeiro significado do aprendizado organizacional, que precisa ocorrer de forma coletiva.

Publicado em 24/11/2022

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil