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“Números Toyota” reafirmam resiliência e aprendizados nas origens do lean

Flávio Augusto Picchi
“Números Toyota” reafirmam resiliência e aprendizados nas origens do lean
Inspiradora do sistema lean, a montadora conseguiu se mostrar resiliente diante de um contexto desafiador

Toyota é exemplo de gestão ao atravessar a crise na cadeia de suprimentos — Foto: Flickr



Diversos setores industriais vêm sofrendo com a falta de semicondutores, conhecida como a “crise dos chips”. A escassez desses insumos indispensáveis teve início em 2021, como consequência do desarranjo de cadeias produtivas com a pandemia, e persiste em 2022.

Com o avanço da eletrônica embarcada nos carros modernos, a indústria automobilística tem sido uma das mais afetadas. Todas as montadoras, em todo o mundo, tiveram e ainda têm perdas de produção devidas a essa crise.

No entanto, algumas sofrem mais do que outras. Por isso é bastante interessante perceber como a Toyota, inspiradora do sistema lean, continua conseguindo nos surpreender ao se mostrar resiliente mesmo nos atuais contextos, reforçando-se como uma fonte de lições e aprendizados.

A montadora japonesa acaba de informar alguns números relevantes ao mercado automotivo. Comunicou que a produção mundial aumentou 30% no terceiro trimestre deste ano. Em setembro, por exemplo, ela produziu, mundialmente, 887.733 veículos, um recorde com relação ao mês anterior e um incremento de 73% em comparação ao mesmo período de 2021.

Diversos outros dados já vinham demonstrando que a Toyota, afetada como toda a indústria automobilística, tem conseguido passar pela crise dos chips com menos abalos que seus concorrentes.

É conhecido que a empresa, criadora do conceito just-in-time, é a que mais profundamente utiliza essa forma de conexão com fornecedores e nos processos internos.

Com essa prática, as entregas são diárias ou até mesmo em vários pequenos lotes por dia, o que mantém a reposição de peças mais próxima da real demanda dos clientes. Com o just-in-time, minimiza-se diversos desperdícios, como movimentações e manuseios desnecessários, problemas de qualidade tardiamente identificados e estoques, que ficam reduzidos ao mínimo para manter a produção no ritmo planejado.

Numa análise simplista, alguns poderiam concluir que isso levaria a uma vulnerabilidade maior em tempos de crise.

O que ocorre é que o just-in-time é somente uma parte do sistema Toyota de gestão, que deu origem à filosofia lean. Diversos outros componentes atuam, gerando elevada adaptabilidade e resiliência.

Um dos fatores que ajudam a explicar essa resiliência, quando se trata de cadeia de fornecimento, é o fato da Toyota, e todas as empresas efetivamente lean, adotarem uma postura de relacionamento com seus fornecedores totalmente diferente da maioria das companhias. Em vez das tradicionais relações conflituosas, buscam parcerias de longo prazo, desenvolvendo confiança mútua e buscando ganhos mútuos pela redução de desperdícios ao longo da cadeia.

Outra característica do sistema lean é sempre extrair, de forma sistemática e profunda, aprendizados em todas as situações, sejam boas ou ruins. Desde o desastre nuclear causado por um tsunami em Fukushima, em 2011, a Toyota desenvolveu um detalhado plano, em cooperação com seus fornecedores, prevendo ações de contingência para situações excepcionais que pudessem colocar em risco seu abastecimento.

Enquanto muitas empresas questionam o just-in-time devido à vulnerabilidade que os baixos estoques poderiam trazer, a Toyota usa outras forças de seu sistema de gestão, como a parceria com fornecedores, o aprendizado contínuo e o hábito de desenvolver planos extremamente detalhados para tudo, para tornar o sistema mais robusto, mantendo suas vantagens. Com isso, torna a empresa mais resiliente.

A companhia, no entanto, evitou otimismos. No anúncio dos números que a Toyota fez recentemente, outra característica que explica a força do sistema lean fica evidente: nunca se acomodar com as conquistas já obtidas, ressaltando com humildade os desafios que ainda precisam ser superados.

O comunicado prefere não chamar isso de "recuperação". E reforçou que a escassez de semicondutores e outras peças que afetaram a indústria automotiva ainda deve prejudicar a produção nos próximos meses.

Esses exemplos trazem a reflexão de que análises superficiais, sem considerar o conjunto dos elementos de um sistema, podem levar a conclusões precipitadas. E mostram como a empresa que originou a essência da filosofia lean, a Toyota, continua gerando aprendizados sobre gestão que são úteis a todos os setores.

Publicado em 11/11/2022

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil