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Quem é o “dono” do problema?

Flávio Battaglia
Quem é o “dono” do problema?
A resposta a essa pergunta pode ser decisiva para o sucesso e a sustentação da transformação lean. Há equívocos recorrentes sobre determinadas práticas que simplesmente ignoram a importância do “senso de dono” com relação ao desafio de revelar problemas e implementar soluções.

Transformar empresas não é uma das coisas mais fáceis de se fazer. Mudanças organizacionais envolvem estruturas complexas, constituídas por uma série de elementos únicos em cada realidade.

Há “microambientes”, internos ou mais próximos à empresa, como seus departamentos, estruturas físicas, produtos, colaboradores, fornecedores, clientes etc. São os elementos sobre os quais as companhias têm alguma capacidade de gestão e controle. E há o “macroambiente”, fatores externos à organização, como contextos econômico, político, cultural e tecnológico, que são “incontroláveis”.

Por tudo isso, conseguir a façanha de transformar uma empresa, de verdade, indo “além da fachada”, nos remete a esforços sistemáticos, profundos e duradouros. Desenvolver “microambientes” que funcionem melhor e reajam de maneira rápida e precisa a estímulos do “macroambiente” continua sendo um dos principais desafio da gestão. Em outras palavras, isso significa que precisamos continuar aperfeiçoando nossa capacidade de resolver problemas nos diferentes níveis da organização.

Para nós, do Lean Institute Brasil (LIB), isso é particularmente relevante. Nosso esforço diário, há anos, tem sido direcionado para aperfeiçoar a gestão das organizações de maneira sustentável, apoiando-as, direta e indiretamente, para que consigam fortalecer  suas competências, especialmente as relacionadas a essa dimensão.

Incorporar a maneira lean de pensar, decidir e agir pressupõe reconhecermos a complexidade de cada situação e sermos capazes de adaptar a linguagem, as técnicas e a abordagem. No entanto, a competência fundamental a ser desenvolvida continua sendo a solução de problemas.

Um de nossos mais importantes aprendizados remete à pergunta que está no título deste texto. Quem é o dono do problema?

Usamos essa pergunta com frequência quando estamos diante de determinados “impasses”. Numa perspectiva simplificada, para efeito de ilustração, podemos pensar em dois extremos possíveis: “especialista” ou “gestor da área”. As implicações são profundas, e precisamos reconhecê-las para não perdemos tempo e dissiparmos energia.

Isso é tão importante que certamente será um dos temas debatidos no Lean Summit 2023, dias 20 e 21 de junho, no World Trade Center (WTC), em São Paulo. Principalmente em duas trilhas de conteúdos que têm muito a dizer sobre essa questão: "Estratégia e Sistema de Gestão" e "Excelência Operacional".

Na maioria das vezes, a transformação lean começa com o protagonismo de “especialistas”, desenvolvidos internamente ou contratados como apoio externo. São os especialistas os principais responsáveis por aportar novos conhecimentos e impulsionar os primeiros esforços de transformação.

Geralmente, os especialistas são responsáveis pela condução dos projetos e precisam entregar resultados ambiciosos. Isso faz todo o sentido para quem está começando. No entanto, esse modelo de intervenção não pode se perpetuar. Com o passar do tempo, o protagonista precisa passar a ser o gestor. Os esforços de melhoria não podem ser capitaneados por especialistas para sempre: precisamos do protagonismo dos gestores das áreas. Se isso não acontecer, melhorias podem simplesmente não se sustentar.

Nosso grande objetivo deve ser, então, que os gestores “puxem” os especialistas. E não que os especialistas “empurrem” melhorias para as áreas, muitas vezes contra a real disposição dos gestores responsáveis.

Nesse contexto, parte importante do sucesso da transformação lean está na “compra” que o gestor da área faz da mudança. Se o dono da área não “comprar” a ideia e, de fato, compreender seu papel na dinâmica gerencial, não há chances reais de sustentação. É por isso que enfatizamos tanto a importância de estabelecermos um propósito claro para a transformação lean.

As mudanças precisam estar associadas a uma causa maior, uma razão fundamental que as justifique. E, de acordo com a ótica lean, esse propósito precisa estar diretamente associado à criação e entrega de valor para os clientes.

Todo esforço de mudança consome energia. Portanto, precisamos ser capazes de canalizar a energia disponível, direcionando-a para as questões realmente relevantes para o desempenho da organização.

Na prática, isso significa conectar de maneira plena a estratégia com os esforços de melhoria, garantindo que as duas coisas caminhem juntas. Dessa maneira, aumentamos a capacidade de engajar os gestores e definir claramente as fronteiras de atuação dos especialistas ao longo da jornada de aprendizagem.

Especialistas precisam focar no desenvolvimento de competências para que os gestores sejam capazes de avançar de maneira cada vez mais autônoma, a ponto de os especialistas se tornarem desnecessários com o passar do tempo.

Trabalhar a implementação lean de maneira eficiente pressupõe nutrirmos, de maneira precoce e permanente, o “senso de dono” dos gestores com relação ao desafio de revelar problemas e implementar soluções. O dono do problema precisa ser o dono da área. Quando especialistas “assumem” o problema, precisamos redobrar os cuidados. Resolver o problema “com” o gestor não significa resolver “pelo” gestor.

Publicado em 13/09/2022

Autor

Flávio Battaglia
Presidente do Lean Institute Brasil

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