ESTRATÉGIA E GESTÃO

Gestão precisa viabilizar e estimular a autonomia

Flávio Augusto Picchi
Gestão precisa viabilizar e estimular a autonomia
Uma grande barreira para isso acontecer é a insegurança dos líderes, que os impede de mudarem seus comportamentos tradicionais

O líder deve estimular os funcionários a propor mudanças nos processos de trabalho



Já houve um tempo em que era considerado normal um funcionário se limitar a repetir as tarefas exatamente como os superiores determinavam, sem nunca propor melhorias ou tomar decisões sobre ajustes necessários. Nesse modelo de gestão, caberia aos funcionários somente executar, enquanto aos chefes cabia pensar, decidir e melhorar.

Esse conceito é considerado ultrapassado há muito tempo. Hoje é senso comum na administração que equipes com pleno conhecimento dos objetivos e com autonomia nos seus âmbitos contribuem muito mais para os resultados e trabalham com maior motivação.

No entanto, se isso é conhecido faz tempo, por que ainda vemos tantos líderes que continuam exercendo o “comando e controle”, desperdiçando todo o potencial criativo de seus colaboradores e enfrentando enorme dificuldade para dar mais autonomia aos seus times?

O fato é que esse processo não é simples e depende de muitos fatores, como a relação entre líderes e equipes, e o contexto da organização.

Muitos gestores entendem racionalmente a importância para o sucesso da companhia de que seus times tenham maior autonomia e dependam menos deles para tudo. Contudo, colocar isso em prática “já são outros quinhentos”.

Uma grande barreira para isso acontecer é a insegurança dos líderes, que os impede de mudarem seus comportamentos tradicionais.

Será que a equipe tem maturidade para tomar certas decisões? E se realizarem mudanças desconexas? E se os resultados não estiverem evoluindo? Será que vou saber tarde demais? E se determinadas ações implicarem em elevados riscos para a organização, sem que a direção tenha a chance de avaliar? Essas são algumas questões que fazem com que muitos líderes relutem em dar mais autonomia a suas equipes.

Como mudar esse cenário? A gestão lean nos traz várias ideias. Afinal, dar iniciativa aos indivíduos e times é uma das essências do sistema lean.

Imagine a decisão de parar uma linha de produção, algo que pode custar milhares de reais por minuto em perda de faturamento. Na maioria das empresas, isso só poderia ser decidido pelo presidente. No sistema lean, em contrapartida, cada operário tem o poder de desencadear esse processo, acionando o andon para sinalizar um problema. Não pode existir autonomia maior do que essa. No entanto, há regras estabelecidas, como uma cadeia de ajuda (se o problema não puder ser solucionado em um curto intervalo de tempo pré-estabelecido, a linha passa, aí sim, a poder efetivamente ser parada).

Todos os funcionários e equipes são estimulados diariamente a propor mudanças em seus processos de trabalho. No entanto, também há métodos para que isso seja feito com experimentos que comprovem a eficácia quanto à qualidade, segurança e produtividade das mudanças.

Esse contexto, no qual a autonomia pode acontecer, é construído por meio de diversos mecanismos. Estes dão aos líderes a confiança de que as equipes vão exercer a autonomia num ambiente que direciona todos para os objetivos maiores da empresa.

Isso acontece, por exemplo, com o uso extensivo (envolvendo todos os níveis) dos conceitos lean, como mapeamento de fluxo de valor, tempo takt, desdobramento das metas estratégicas por meio do hoshin kanri e tantos outros. Esses conceitos fazem com que as equipes saibam claramente a direção em que devem focar as melhorias, evitando ações desconexas.

Práticas como o gerenciamento diário, o gemba walk e o trabalho padrão da gerência possibilitam o acompanhamento em tempo real do que está acontecendo e de como as equipes estão reagindo, dando tranquilidade aos líderes de que as coisas estão sob controle.

Outro exemplo se refere a como os processos mudam e evoluem. As equipes propõem e implementam melhorias frequentemente, mas toda mudança do trabalho padronizado – a forma como as tarefas devem ser realizadas com qualidade e segurança – precisa ser testada e aprovada, comprovando que não há nenhum risco envolvido.

Portanto, a gestão lean ajuda a estabelecer critérios e a organizar como essa autonomia vai ocorrer na prática, fazendo com que todos tenham consciência de suas funções e papéis dentro da organização.

Hoje, em meio às inovações tecnológicas e com o trabalho à distância ou híbrido, dar autonomia para pessoas e equipes se torna algo inevitável, mais do que necessário. Isso porque já não se consegue mais “controlar” como antes tudo o que as pessoas fazem. Fica ainda mais evidente que é melhor estimular a proatividade e direcioná-la de forma produtiva.

Podemos concluir que essa desejada maior autonomia dos times depende de um ambiente organizacional adequado e de líderes e liderados treinados e preparados, que saibam como discutir problemas e tomar decisões conforme métodos estabelecidos.

Muitas empresas declaram que desejam criar um ambiente no qual os times tenham maior autonomia. No entanto, não adianta ficar somente no discurso. Isso não vai acontecer de forma adequada se não houver mudanças estruturais que criem um ambiente propício para isso e alterem os comportamentos de líderes e colaboradores.

Publicado em 10/11/2021

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil