Todos os dias, cada um de nós precisa tomar decisões. Na verdade, inúmeras decisões – desde o que vamos comer no café da manhã até como devemos nos relacionar com as pessoas ao nosso redor, a que horas devemos sair para ir ao escritório e como vamos gastar nosso tempo livre. Nossas vidas diárias são contínua, significativa e diretamente influenciadas pelas escolhas que fazemos, razão pela qual a forma como tomamos decisões sempre foi um tópico de grande interesse para neurocientistas, psicólogos, sociólogos etc.
No mundo dos negócios, decisões também são esperadas das pessoas em todos os níveis de uma organização, e é a combinação dessas decisões que determina se uma empresa terá sucesso, em última instância. As pessoas na linha de frente expõem os problemas ou os escondem? Os gerentes se esforçam para melhorar o sistema ou culpam as pessoas? Os executivos seniores pensam no longo prazo ao definir a estratégia ou optam por se concentrarem apenas em ganhar dinheiro agora?
No mundo lean, costumamos dizer que as pessoas devem receber as ferramentas e a autonomia de que precisam para tomar decisões e, assim, resolver problemas, mas acredito que o foco de nossa atenção tem sido tradicionalmente na solução de problemas em detrimento da tomada de decisões. Entretanto, sem tomada de decisão, não se pode esperar que se resolvam problemas.
Então, por que não prestar atenção em como tomamos nossas decisões e ver como a maneira lean de pensar e agir pode nos ajudar a garantir que elas sejam as melhores possíveis?
Cinco estágios da tomada de decisões
Como mencionado acima, há muitas teorias sobre tomada de decisões. Geralmente, é descrita como o processo cognitivo que resulta na seleção de um curso de ação entre várias opções possíveis (que podem ser racional ou irracional). Segundo Herbert Alexander Simon, a tomada de decisão é um processo de raciocínio baseado em pressupostos de valores, preferências e crenças do tomador da decisão. Todo processo de tomada de decisão produz uma escolha final, que pode ou não levar à ação.
Se tentarmos olhar para este processo cognitivo por uma perspectiva lean e dividi-lo em etapas menores, podemos dizer que existem cinco estágios principais no processo de tomada de decisões:
- Percepção – quão bons e treinados somos para ver a realidade ao nosso redor e reconhecer certos estímulos, como problemas que requerem nossa atenção;
- Intenção – com base no que percebemos, quão dispostos e determinados estamos para agir e fazer algo sobre determinado problema;
- Avaliação – como irei avaliar os riscos e os benefícios de agir frente ao problema. Vale a pena atuar sobre isso nesta fase? Eu tenho o que preciso para ter sucesso? Neste estágio, estamos aventando hipóteses.
- Ação – com base em nossa avaliação, decidimos agir (ou não) e usar as ferramentas à nossa disposição (no caso do lean, coisas como gerenciamento diário, huddles, kaizen ou hoshin) para concretizar nossa visão.
- Reflexão – somos bons em extrapolar lições de nossa experiência? Nossa intervenção valeu a pena? O que aprendemos com isso? Qual é o impacto que isso teve no sistema?
Lean e a tomada de decisões
Os cinco elementos destacados acima descrevem como as decisões são tomadas e o processo de pensamento que nos faz ver a realidade de uma forma ou de outra, de escolher um determinado curso de ação, de tirar conclusões sobre algo que acontece. Como o lean está tão intimamente conectado com a maneira como pensamos, acredito que possa nos ajudar a garantir que nossas decisões sejam as mais corretas.
Aplicado ao longo destes cinco elementos, lean pode transformar de fato a tomada de decisão em um poderoso impulsionador de uma transformação. Sua abordagem científica nos fornece uma maneira estruturada de tomar decisões, mesmo quando elas acontecem quase inconscientemente (por isso é tão importante tornar lean uma segunda natureza, a maneira como as pessoas veem o mundo ao seu redor).
As práticas e princípios lean podem tornar o processo de tomada de decisões mais eficaz. Como?
Quando se trata de percepção, com lean aprendemos a enxergar. Isso significa desenvolver nossa capacidade de visualizar os problemas, de separar o trabalho com valor agregado do desperdício. Como obtemos nossas informações diretamente do gemba – ao invés de um relatório ou uma apresentação – temos uma compreensão muito mais precisa da realidade ao nosso redor, dos problemas que vivenciamos, das decisões que precisamos tomar. É aqui que fica claro que a tomada de decisão é um conceito muito mais amplo do que a solução de problemas – se nossa percepção estiver errada e nos concentrarmos no problema errado, mesmo que sejamos os melhores solucionadores de problemas do mundo, isso não significará muita coisa.
No que diz respeito à intenção, enquanto pensadores lean, somos motivados a fazer melhorias diárias para entregar mais valor aos nossos clientes, como servir a melhor comida que pudermos em um restaurante ou oferecer aos pacientes o melhor atendimento possível. Esse foco na melhoria vem de duas fontes: a motivação que recebo e o conhecimento que recebo. Juntos, esses dois elementos me fortalecem, me dão a vontade – e os meios – para agir. Dessa forma, cada problema que observo torna-se um gatilho que desperta minha intenção de “fazer algo a respeito”.
Uma coisa é ter a intenção certa, mas que tal avaliar o problema e a situação em torno dele para entender se minha intervenção tem potencial para ser bem-sucedida? É nesta fase que decidimos agir ou não. Afinal, resolver um problema quando não temos o conhecimento ou o suporte de que precisamos é um desperdício. Isso torna a fase de avaliação crítica. Lean pode nos ajudar a avaliar a situação, encorajando-nos a fazer perguntas como “tenho o apoio de que preciso da liderança? Meu pessoal está comigo? Este é o momento certo para abordar isso? Eu tenho os meios de que preciso para causar algum impacto na situação? Vale a pena focar neste problema agora?”. Desenvolver nossas capacidades de avaliação é tão importante quanto aprimorar nossa percepção e nossas habilidades de solução de problemas.
Se decidirmos agir, lean nos fornece uma ampla gama de ferramentas, técnicas e comportamentos que podem nos ajudar a atacar um problema – desde sua definição até sua solução. A fase de “ação” é a solução de problemas sobre a qual normalmente falamos na comunidade lean. Pensamento A3, kaizen, envolvimento de equipes multifuncionais, caminhadas pelo gemba, 5 porquês – pode-se dizer que tudo o que lean nos ensina tem o objetivo de tornar o processo de solução de problemas mais suave e eficaz.
Por fim, não podemos nos esquecer da fase de reflexão. Fazer hansei também é uma decisão. Muitos negligenciam esta etapa crítica e descobrem como isso é um grande obstáculo à nossa capacidade de transformar as organizações. Refletir sobre as decisões que tomamos, sobre os problemas que resolvemos e como os resolvemos, e sobre o impacto que isso teve no todo, significa que estaremos mais bem equipados para resolver problemas futuros de natureza semelhante. Quanto mais problemas resolvermos, e quanto mais aprendermos com eles, melhor seremos para resolver problemas futuros – é o ciclo virtuoso do pensar e agir lean. Sem aprender com cada ciclo, não vamos conseguir progresso sustentável.
Dois exemplos
Vamos tentar imaginar dois cenários da vida real para dar vida a essas ideias. Em ambos os casos, um paciente em um hospital recebe a medicação errada. É assim que um processo de tomada de decisão não lean e um processo de tomada de decisão lean podem ser diferentes...
No primeiro caso, um gerente fica sabendo do incidente. Ele é uma pessoa antiquada, trabalhando em um ambiente antiquado. Ao perceber o que aconteceu – na verdade, erros de medicação não é algo tão raro em hospitais – ele imediatamente menospreza a situação e diz: “Isso acontece sempre. Ninguém nunca morreu. Sempre descobrimos a tempo”. Essa percepção falha da realidade (que leva o gerente a acreditar que isso nem mesmo é um problema) resulta em uma completa falta de intenção de fazer algo a respeito. A avaliação do problema convence o gerente de que o melhor curso de ação é garantir que a notícia da incidência não se espalhe. “Faremos algo sobre isso na próxima vez. Já temos muito o que fazer”, ele pensa. Nenhum problema foi resolvido, e, portanto, não há aprendizagem que possa ser extraída da experiência. Alguns meses depois, outra paciente recebe a medicação errada. Dessa vez, entretanto, ela desenvolve uma erupção cutânea em todo o corpo, e o hospital acaba com uma ação judicial em suas mãos.
No segundo caso, a gerente é uma pensadora lean. Alguém conta a ela sobre o erro de medicação e ela, imediatamente, vê isso como um problema que toda a equipe precisa examinar. A gerente sabe que esse é um problema comum em hospitais. Na verdade, ela imaginou que isso pudesse acontecer durante uma visita recente ao gemba – ela se lembra de ter perguntado como os farmacêuticos conseguiam diferenciar os medicamentos quando muitos vinham em recipientes semelhantes. Sua experiência estudando o trabalho no gemba mudou sua percepção e imediatamente a alertou de que o erro de medicação seria um grande problema. Como pensadora lean, seu primeiro instinto – ou intenção – é resolvê-lo. Para sua avaliação, ela vai ao gemba e conversa com o máximo de pessoas que consegue, realmente tentando entender a situação e entender se uma intervenção pode ter o resultado desejado. Uma vez que ela determina que esse é, de fato, o caso, ela decide agir. Ela forma uma pequena equipe para analisar o problema em profundidade e usa o pensamento A3 para resolver o problema de uma vez por todas por meio de um sistema simples, mas inteligente, de etiquetas coloridas e poka-yoke. À medida que a equipe se reúne para refletir sobre seu aprendizado, o sucesso de seu kaizen os inspira a compartilhar sua experiência com o restante do hospital para que outras áreas também possam evitar erros de medicação. Um ano depois, o hospital registra zero ocorrências de erro de medicação por seis meses consecutivos (e contando).
Por que não simplesmente resolver problemas?
Até agora, discutimos por que aplicar o lean às cinco dimensões da tomada de decisão faz muito sentido. Mas os mesmos resultados positivos podem ser vistos se olharmos para isso por outro ângulo: a tomada de decisões nos dá uma visão muito mais completa de nossas transformações lean do que apenas a solução de problemas. Isso nos obriga a fazer perguntas que, caso contrário, continuariam sem resposta: que problemas escolhemos? Por quê? Com base em quais evidências? Por que decidi ir em frente e resolver aquele problema?
Olhar para os cinco elementos da tomada de decisão pode nos tornar melhores em lean, porque isso pode adicionar uma nova dimensão às nossas discussões e nos dar uma nova maneira de olhar para os desafios que temos pela frente. Para aqueles que estão em uma jornada lean, e às vezes se sentem “emperrados”, essa perspectiva pode ajudá-los a ver as coisas de uma maneira diferente, encontrando novas portas para abrir. A tomada de decisões está por trás de todas as dimensões de uma transformação lean; por isso, é tão importante olharmos para ela e conectá-la melhor aos nossos esforços de transformação.
À medida que estudamos transformações lean, nosso foco até agora tem sido quase que exclusivamente a solução de problemas. Embora isso seja fundamental (está no cerne do sistema lean), solução de problemas, sem tomada de decisão sólida, não leva a lugar nenhum. Acho que estamos perdendo uma oportunidade ao ignorar o papel da tomada de decisões em nossas jornadas lean. Se acreditamos que a tomada de decisões entra constantemente em jogo em nossa vida diária, por que não a discutimos mais? Por que não a tratamos como a impulsionadora da transformação, como ela realmente é?