Introdução
A experiência de levar o carro em uma concessionária não é das melhores que temos na vida. Em primeiro lugar, quando levamos nosso carro até uma concessionária, é porque provavelmente ele apresentou algum problema; em segundo, às vezes ele não tem um problema aparente e o levamos para uma revisão periódica, onde se identifica que o carro tem alguns problemas; sem contar que às vezes ele fica mais tempo do que o previsto na concessionária.
Este artigo tem o objetivo de questionar algumas premissas que existem em algumas concessionárias, e mostrar como elas podem ser superadas por meio da aplicação dos conceitos lean, provendo mais valor para o cliente. Outro ponto importante é apresentar como é possível iniciar um projeto para iniciar a transformação lean em uma concessionária.
O que o cliente espera?
Entender o que o cliente espera é o primeiro passo para iniciar a transformação. A primeira resposta que vem a mente é: "ele espera que o serviço combinado seja realizado no tempo previsto", apesar de esta visão ser óbvia, não é tão fácil de ser atingida.
Muitas vezes, o cliente não sabe qual é o serviço de que ele precisa. A única coisa que ele sabe é que geralmente tem um problema ou que deve ser feita uma determinada revisão em seu veículo. Este fato faz com que algumas concessionárias determinem ao cliente que é necessário fazer um diagnóstico para definir o que deve ser feito e que, para isso, o veículo precisa ficar na concessionária o dia todo. Esta previsão muitas vezes é feita até para uma revisão simples e troca de óleo básica.
O que o cliente realmente quer é que o seu problema seja resolvido o mais rápido possível, de preferência antes do final do dia. Esta definição do que tem valor para o cliente é fundamental para repensar a estratégia do negócio. Algumas concessionárias assumem que o cliente quer deixar o carro o dia todo na concessionária, pois assim ele vai trabalhar e retira o veículo no final do dia.
Este ponto de vista pode ser válido para alguns clientes. Mas se dermos ao cliente a opção de retirar o veículo em 1 ou 2 horas, com certeza ele vai esperar pelo conserto para ir ao trabalho com seu próprio carro, em vez de ir e voltar com transporte de terceiros ou transporte público.
Como prover o serviço no tempo certo para o cliente?
Se o cliente espera que o serviço do seu carro seja realizado no menor tempo possível, o que nos impede de fazer isto? Por que quase todos os serviços levam 1 dia para serem realizados? Entender quais são as atividades realizadas no carro durante sua estadia na concessionária é fundamental para entendermos quais são as atividades que podem ser melhoradas, ou eliminadas, de forma a reduzir o tempo de 8 horas para 2 horas.
Para o entendimento completo do que ocorre com o veículo, podemos utilizar o Mapa do Fluxo de Valor, ferramenta muito utilizada por empresas praticantes do lean — é claro que serão necessárias algumas adaptações para viabilizar a sua aplicação. Conceitualmente, o mapa representa o fluxo de informação, que se inicia a partir do momento que o cliente liga para agendar o serviço e o material, que neste caso é o carro, ou seja, desde a sua chegada até a sua entrega ao cliente.
Para iniciar a elaboração do Mapa do Fluxo de Valor, em primeiro lugar, é necessária a definição da família de serviços, que nada mais é do que uma classificação dos tipos de serviços realizados na concessionária por tempo de realização e quantidade de serviços - esta definição ajuda a fazer agrupamentos de serviços para viabilizar o desenho do mapa com foco em determinados tipos de serviços que possibilitam criar trabalho padronizado no futuro.
"Peneiramento" dos Serviços

Exemplo da seleção da família de serviços. Fonte: “Creating Lean Dealers”, p.15.
Após selecionar os serviços que têm maior ocorrência, podemos fazer o mapa do fluxo de valor, e para sua realização é necessário percorrer o caminho do carro dentro da concessionária, bem como desenhar como é realizado o agendamento do serviço. É importante representar as esperas, que são identificadas pela presença de mais de um carro parado em alguma área da concessionária, as atividades que são realizadas e registrar os tempos de cada atividade. A seguir, segue um mapa do fluxo de valor simplificado.

Mapa do Fluxo de Valor atual de uma concessionária. Adaptado de: “Creating Lean Dealers”, pp. 20-27.
O Mapa mostra algumas informações importantes, o tempo total que o carro fica dentro da concessionária é de TT = 7,5 horas, sendo que o tempo de processamento é de TP = 110 minutos, isso significa que o carro fica 7,5 horas e o tempo de serviço efetivo não passa 1 hora (Tempo de realização do trabalho), a diferença para 110 minutos se refere a teste e movimentação do carro.
Durante um dia que o carro passa na concessionária, apenas 13% do tempo é utilizado para a realização da atividade, o que realmente agrega algum valor para o cliente. As outras atividades são desperdícios, dentre eles: espera e movimentação desnecessária.
Como eliminar desperdícios no processo?
Os desperdícios são sintomas e não causas, portanto é necessário entender o que gera o desperdício antes de eliminá-lo. Uma das causas prováveis é a falta de fluxo contínuo na concessionária, fluxo contínuo significa "fazer um, mover um". Para que isto aconteça, é necessário balancear as operações, ou seja, distribuir o trabalho para que eles aconteçam de forma sincronizada.
Como fazer com que o carro passe de uma fase para a outra de maneira contínua, sem interrupção, ou em FIFO para evitar a espera? Em primeiro lugar, é necessário identificar quais são as atividades de cada etapa do processo e o tempo de realização de cada uma; em seguida, deve-se eliminar aquelas que não agregam valor. Após essas melhorias, é necessário distribuir o trabalho entre as pessoas de forma a viabilizar o fluxo entre as etapas.
Para assegurar que as atividades sejam realizadas conforme o planejado, é necessário padronizar o trabalho - o que é considerado um paradigma na área de serviços, pois a primeira reação das pessoas é achar que não é possível padronizar o trabalho na oficina já que cada carro possui suas peculiaridades. Será que os carros mesmo diferentes uns dos outros?

Mapa do Fluxo de Valor Futuro. Adaptado de: “Creating Lean Dealers”, pp. 40-43.
Como podemos observar no mapa acima, o tempo total caiu de 7,5 horas para 100 minutos, o que viabiliza a entrega do veículo em até 2 horas, e o Tempo de processamento caiu de 110 minutos para 75 minutos, em função do diagnóstico antecipado e da eliminação do pré-diagnóstico.
Uma vez que é possível entregar o carro em até 2 horas, significa que estamos próximos de atingir o que o cliente deseja: resolver o problema rapidamente e dentro da sua expectativa. Isso será um diferencial entre as demais concessionárias de veículos a partir do ponto de vista do cliente.
Controlando o trabalho visualmente?
Para manter o trabalho conforme planejado é fundamental fazer um bom a agendamento do trabalho a partir da solicitação do cliente. Esta gestão da programação de forma visual é fundamental para dar autonomia para o mecânico realizar sua atividade sem ter que esperar que o supervisor distribua o trabalho, esta também pode ser uma das causas do desperdício de espera.
Esta gestão visual possibilita o planejamento do trabalho e o controle do desempenho, que acontece associado ao Trabalho Padronizado, pois, uma vez que temos o tempo de cada atividade, é possível prever qual o tempo necessário a ser planejado. Há várias formas de gestão visual que podem ser utilizadas, mas o essencial é que a gestão visual permita identificar se o trabalho agendado está atrasado ou adiantado em relação ao planejado, quem deve realizar o trabalho e que permita a sinalização quando há problemas na realização do trabalho.
Colhendo os resultados da transformação
Aplicando os conceitos apresentados acima é possível colher resultados interessantes em termos de redução do tempo que o veículo fica na concessionária - em torno de 70% de redução -, redução na realização das atividades ao eliminar caminhadas e atividades desnecessárias - de 10 a 20% -, melhorias na qualidade do serviço ao seguir o trabalho padronizado e redução de espera no processo como um todo.
O maior resultado, sem dúvidas, está na percepção do cliente, pois o carro está disponível para ele em apenas 2 horas, ou seja, ele só fica sem o veículo por 2 horas e não 8 horas como antigamente. Desta forma, fidelizamos o cliente e entregamos o que ele precisa.
Este resultado de percepção muitas vezes vai contra algumas premissas disseminadas neste tipo de negócio de que se o carro do cliente fica pouco tempo na concessionária, não é possível oferecer mais serviços a ele. É necessário um outro olhar neste sentido, se o cliente é bem atendido, ele passa a confiar mais na concessionária, e não fica desconfiado de que um serviço está sendo empurrado para ele sem necessidade, ele passa a confiar nas pessoas da concessionárias, criando um relacionamento de confiança de mão dupla, a qual permite a venda de mais serviços de acordo com a necessidade do cliente, puxado e não empurrado.
Fazendo um plano para começar a transformação
Para iniciar o projeto é fundamental estabelecer uma conexão do projeto com os objetivos estratégicos da empresa, ou seja, qual o motivo para fazer a transformação lean? Aumentar a satisfação do cliente? Aumentar a produtividade das operações?
Após definido o objetivo, faça um estudo dos tipos de serviços que são realizados na oficina; crie famílias de serviço com base na similaridade de tempo de execução; com base nisto, procure definir uma família de serviços piloto para iniciar o projeto; faça o mapa do fluxo de valor para identificar quais são os desperdícios; desenhe o mapa do estado futuro; finalmente, faça um plano para atingi-lo.
Você encontrará algumas dificuldades, que devem ser superadas a partir do momento que algumas melhorias forem sendo implementadas. Iniciar é crucial para que os resultados possam aparecer, busque o conhecimento nas literaturas do Lean Institute Brasil, em especial no manual "Aprendendo a Enxergar" que ensina como mapear o fluxo de valor.
Conclusão
Este artigo é apenas um início das possibilidades de aplicação do lean em concessionárias, pois se refere apenas ao serviço da oficina. Há um universo amplo de aplicação no almoxarifado, nos processos administrativos e em vendas, que podem trazer resultados significativos para os empresários, empregados e, finalmente, para o cliente.
A aplicação dos conceitos acima dependem da busca de conhecimento e da vontade dos administradores em melhorar seus processos para que eles tenham um desempenho mais eficiente ao longo do tempo.
Alexandre Cardoso.
BIBLIOGRAFIA:
BRUNT, David; KIFF, John. Creating Lean Dealers. Ross-on-Wye: Lean Enterprise Academy, 2007. 116 p.