LOGÍSTICA E CADEIA DE SUPRIMENTOS

Um caminho para o lean em compras se tornar uma realidade

Montadoras desenvolvem alternativas de acesso a juros bancários mais competitivos para seus fornecedores!

Montadoras antecipam prazos de pagamento de matéria-prima à cadeia de fornecimento!

Montadoras enviam especialistas em fabricação para auxiliarem os tier 2 a elevarem suas capacidades produtivas. Política de pagamento de ferramentais alterada para aliviar fluxo de caixa de seus fornecedores!

Mas de onde estamos falando? Do Brasil? Felizmente, neste caso não. Falamos dos Estados Unidos, e as notícias acima foram dadas por altos executivos da Toyota, Nissan e Chrysler. O que observamos são ainda os efeitos da crise no mercado automobilístico americano, que começa agora a respirar um pouco mais aliviado.

Todavia, que esta lição sirva para o mercado brasileiro. Apesar da crise de 2009 ter passado um pouco mais ao largo do Brasil, fácil seria imaginar o que teria acontecido com nossa cadeia de suprimentos, em especial os tier 2 e 3, se a crise econômica tivesse, de fato, aterrissado por aqui.

Cadeia de fornecedores que ainda não aprendeu a enxergar desperdícios tem baixa produtividade; OEE ainda longe dos melhores padrões mundiais; baixo investimento no desenvolvimento e qualificação de seus gestores; gestão tipicamente autocrática; falta de fôlego financeiro etc. Imaginem o efeito de uma crise econômica em um cenário como esse.

Entretanto, esse não é um inferno com um diabo só. E os clientes, elos mais fortes desta corrente, o que fazem para ajudar sua cadeia de fornecimento?

Infelizmente, minha experiência em intermediar essa relação por vários anos mostra pouquíssimos exemplos construtivos. Sem a pretensão de generalizar minha opinião, posso afiançar que a maioria dos relacionamentos clientes/fornecedores funciona conforme descrevo.

Pergunta 1: Como as áreas comerciais nivelam suas vendas para apoiar a estabilidade da manufatura?

Resposta: Simplesmente desconhecem os benefícios que a estabilidade dos fluxos produtivos pode trazer à qualidade dos produtos. O perfil das vendas ainda se comporta como nos tempos inflacionários (50% ou 60% nos últimos dias do mês), e quando não é o mercado que dita essa regra, campanhas de vendas não planejadas com a antecedência necessária se encarregam de transformar a vida da manufatura em um inferno! Infelizmente, ouso dizer que muitas das áreas de vendas nunca entraram em uma fábrica!

Pergunta 2: O que as áreas de planejamento e controle da produção fazem para aliviar esta instabilidade de vendas?

Resposta: Nada! Pior do que nada, passam dias e dias gerando ordens e ordens de produção e tabelas de priorização de fluxo nas máquinas, as quais perdem a validade de sequência de produção, no segundo seguinte ao que a tabela foi gerada por meio de uma fórmula matemática. Ouvir as vozes dos clientes e dos fornecedores, entender o porquê da instabilidade, entender como eles produzem, identificar com antecedência as variações de demandas sazonais e daí definir maneiras de proteger a manufatura dessas instabilidades nem pensar!

Pergunta 3: Como as informações são processadas pelas áreas de planejamento de materiais?

Resposta: Mecanicamente. Os números recebidos dos clientes são jogados dentro de uma máquina que os processa como se fosse um liquidificador, e daí então repassados com a instabilidade amplificada para o próximo elo da cadeia.

Pergunta 4: E as compras, que devem ser as zeladoras da integridade desta cadeia, como agem?

Resposta: Em um primeiro momento, as compras ficam cercadas pelas instabilidades geradas pelas áreas de PCP, planejamento de materiais e vendas de sua própria organização, e não conseguem administrá-las, evitando que cheguem aos fornecedores.
Em um segundo momento, pressionadas por custos competitivos e foco no curtíssimo prazo, desenham estratégias de como espremer o fornecedor até a morte. Quando o discurso deveria ser preço-alvo e custo-alvo com nosso apoio para atingi-los, ele é na prática “se não me der o desconto vou desenvolver outra fonte”.
Como conseguir que um comprador pense em desenvolver o fornecedor se seu bônus anual esta vinculado ao tamanho do aperto que ele dará no fornecedor?

As respostas acima mostram o quanto estamos longe de entendermos nossas cadeias produtivas de forma estendida, o que nos permitiria usufruir da eliminação dos enormes desperdícios que habitam este caminho pouco explorado.

Nivelamento das vendas, estabilidade dos fluxos produtivos e administrativos, relação de médio e longo prazo com nossos fornecedores, melhoria na fidelidade e qualidade das entregas, redução de estoques em toda a cadeia e aumento da agregação de valor são apenas alguns dos ganhos que se encontram hoje obscurecidos pela sombra dos resultados a qualquer custo no curto prazo.

Longe de mim o purismo de imaginar um mundo azul em que a concorrência é amigável, que há espaço para todos e que o menor preço com a maior qualidade não representem o guia de todas as ações. A lei do mais forte sempre esteve e sempre estará ditando o cenário das relações comerciais.

O que já se faz tarde é a percepção de que tanto os elos fornecedores quanto os elos clientes não terão vida muito longa se uma nova base de relacionamento não começar a se estabelecer rapidamente.

Um esforço conjunto dos clientes (compras, PCP, planejamento de materiais, vendas) e de seus fornecedores poderia representar o início de uma jornada lean com foco na cadeia estendida, o que traria ganhos significativos para todos.

Certamente novos fornecedores surgirão, mas o clima de desconfiança, que serve hoje de pano de fundo a este relacionamento, permanecerá.

Os fornecedores devem entender que não há mais espaço para manutenção de desperdícios em seus fluxos produtivos e que investir em pessoas e no seu desenvolvimento é tão importante ou mais do que investir em ativos.

As áreas de planejamento (PCP e materiais) devem deixar de ser meras processadoras de papéis e informações para cumprirem o importante papel de amortecer as instabilidades geradas tanto por vendas quanto pelos fornecedores, por meio do uso de ferramentas lean como nivelamento, supermercado e outras.

A vendas, sugiro a prática de algumas empresas automobilísticas, as quais definem o trabalho nas linhas de montagem por alguns dias como parte importante do treinamento dos funcionários das áreas comerciais.

Quanto a compras, processos de APQP que cumpram prazos acordados, formação técnica de seus compradores nos processos que controlam programas consistentes de desenvolvimento de fornecedores, compra com metas de preço e custo e apoio técnico aos fornecedores são algumas das possibilidades para começar a mudar o cenário atual.

Pensar de forma integrada e em todas as interligações existentes no fluxo produtivo é pensar de forma estendida, é pensar LEAN!

* Gerente de Projetos do LIB, professor da FACAMP e consultor. Foi Diretor Industrial da Bosch - Campinas e atuou por 6 anos do desenvolvimento de fornecedores da Bosch.

Publicado em 29/04/2011

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal