ESTRATÉGIA E GESTÃO

Por que os programas lean fracassam?

O sucesso da Toyota tem inspirado dezenas de milhares de organizações a adotaralgum tipo de programa lean. O termo foi introduzido na “Máquina que Mudou o Mundo” e mais tarde na “Mentalidade Enxuta”, como um novo paradigma que foi tão monumental como a mudança do estilo artesanal à produção em massa. O foco lean está no cliente e no fluxo de valor. Você pode dizer que é uma busca pela perfeição, eliminando, constantemente, os desperdícios por meio da resolução de problemas. Certamente, uma organização que está verdadeiramente dedicada a tornar-se lean está no caminho em direção à excelência.

“Ambos concluímos, a partir de  nossas diferentes jornadas e experiências com empresas, que as pessoas têm compreendido mal o que é o Sistema Toyota de Produção  na prática."

No entanto, um grande estudo realizado pela Industry Week em 2007 revelou que apenas 2 por cento das empresas que têm um programa lean atingem seu resultado previsto.1 Mais recentemente, o comitê do Shingo Prize, evento que dá prêmios pela excelência em manufatura lean, reviu os últimos vencedores e descobriu que muitos não tinham mantido seu progresso depois de ganharem o prêmio. Os critérios de premiação foram então alterados.2 Por que a busca pela excelência através do lean é tão difícil?

De onde Vem a Melhoria?

Quando olhamos para uma fábrica da Toyota, vemos muitas idéias boas, e parece que a empresa possui  um departamento de gênios do Sistema Toyota de Produção que projetam e implementam todas essas inovações lean. Poderíamos nos perguntar se essas idéias são padronizadas e implementadas em todas as fábricas da Toyota exatamente da mesma maneira. Os especialistas do TPS estão dizendo às plantas o que fazer e estão auditando para ver se eles estão seguindo as melhores práticas?

A realidade é que muito pouco do que você vê em uma planta da Toyota é resultado de uma pessoa com uma grande idéia que tem padronizado as plantas. Mais frequentemente, o que você vê é a condição de hoje, que é o resultado de muitos pequenos passos, alguns dos quais foram descartados e outros abraçados. Foi o resultado de muitos ciclos de PDCA e é diferente em vários pontos da Toyota, pois diferentes organizações  estão em diferentes ciclos de aprendizagem.

Mike Rother, autor que passou anos pesquisando como a Toyota faz o que faz e como melhor ensinar as empresas que estão em busca de excelência, resume o que descobriu sobre o conceito de kata de melhoria, o que sugere um esforço base para vencer os desafios na Toyota. Um kata é uma rotina muito bem ensaiada que eventualmente se torna uma segunda natureza. Neste caso, a rotina é o processo para fazer melhorias.

Ambos concluímos, a partir de  nossas diferentes jornadas e experiências com empresas, que as pessoas têm compreendido mal o que é o Sistema Toyota de Produção na prática. Nós confundimos as soluções lean com o processo que leva ao que nós vemos em uma fábrica da Toyota. Precisamos olhar mais profundamente o  pensamento humano e os processos que são bases das práticas específicas que observamos.

Por exemplo, no início de nossa compreensão do TPS entendiamos heijunka como uma poderosa ferramenta  para nivelar a carga de trabalho e reduzir o estoque. Mas o que descobrimos com nossas experiências com  empresas foi que estabelecendo o heijunka, ele em si muda pouco na maioria dos casos. O mais importante é o comportamento gerado pela visualização do heijunka como uma condição-alvo e a continuação da kata de melhoria na tentativa de alcançá-la. É o trabalho sistemático e iterativo de superar os obstáculos, passo a passo, que realmente melhora os processos, e é preciso prática para adquirir as habilidade e a mentalidade de como fazer isso.

Da mesma forma, o objetivo evidente do kanban é proporcionar uma forma de regular a produção entre dois  processos, de modo que o processo de suprimento produza apenas o que é necessário e quando  necessário.  O objetivo invisível do kanban, que nós perdemos, é proporcionar uma condição-alvo. Kanban é um padrão pré-determinado entre o processo fornecedor e o cliente que, com liderança e cultura certas, é usado para  gerar um comportamento de trabalho de superar os obstáculos para atingir essa condição-alvo.

A diferença entre os objetivos visíveis e invisíveis do heijunka, do kanban e de outras ferramentas lean é a diferença entre as tentativas de implementação das ferramentas e a utilização das ferramentas como parte deliberadamente praticar uma rotina de melhoria contínua.

Aprendendo uma Nova Maneira de Pensar e Agir

Descobertas recentes em neuropsicologia demonstram que as pessoas desenvolvem bom uso de vias neurais  que torna confortável fazer as coisas da mesma forma novamente e novamente. Enquanto os humanos derivam muito do seu sentido de segurança e confiança disso, o conteúdo do que fazemos, estará, de fato, mudando, intencionalmente ou não, porque as condições estão sempre mudando. Um antídoto para esse dilema de resistência à mudança é desenvolver fortes circuitos mentais não para soluções, mas para saber como  desenvolver soluções.

“Um antídoto para esse dilema de resistência à mudança  é  desenvolver fortes circuitos  mentais não de soluções, mas  para saber como  desenvolver soluções."

A tarefa de gestão, então, é fazer com que a prática dos membros da organização tenham um padrão de comportamento, como a kata de melhoria, que alcança esse objetivo. Precisamos de uma rotina e não apenas  para fazer o trabalho, mas para melhorar continuamente o trabalho. Essa rotina está faltando em organizações que usam os objetivos de gestão de cima para baixo, para que os gerentes não tenham escolha a não ser cegamente começar a eliminar e cortar coisas.

A kata de melhoria é uma forma de podermos quebrar uma visão abstrata em uma série de condições-alvo  descritivas, e através do esforço para atingir ambas: tanto desenvolver como utilizar o poder criativo das pessoas. Isso envolve ensinar as pessoas um método padronizado e consciente de compreenderem a essência das situações e a responderem cientificamente trabalhando iterativamente. A em>kata de melhoria é uma rotina de ensinar e aprender que mobiliza a capacidade das pessoas para alcançarem as condições desejadas. A kata de melhoria é uma forma de atingir níveis que você não sabe como vai conseguir.

As cinco perguntas

1. Qual é a sua condição-alvo aqui?
2. Qual é a condição real de agora?
3. Quais obstáculos estão impedindo você a alcançar a condição-alvo? A qual delas você está se dedicando agora?
4. Qual é o seu próximo passo?
     (comece do novo ciclo de PDCA)
5. Quando poderemos ir e ver o que nós aprendemos  depois de darmos esse passo?

 

Ensinar a kata de melhoria significar fazer essas perguntas todos os dias.

A kata de melhoria da Toyota tem sido ensinada implicitamente em algumas partes da Toyota durante décadas. O mentor de TPS fazia isso dando ao estudante um desafio, tal como avançar no desempenho em um processo (por exemplo, combine essas duas células de produção em uma célula de modelo misto que opera em dois turnos com quatro   pessoas e que possa responder às mudanças na demanda do cliente). Mesmo que o mentor tivesse uma noção de como o desafio poderia ser alcançado, ele não o compartilha com o aluno. Sua tarefa é levar o aluno a desenvolver bons hábitos de trabalhar por meio da solução de problemas, por meio de u metdo baseado em um intenso questionamento sobre esse problema.

Nós perdemos essa habilidade básica e o foco na mentalidade de desenvolvimento do TPS. Por exemplo, em uma organização, o Professor Liker observou que o COO 3 decidiu responsabilizar os gerentes da fábrica pela execução de um determinado número de eventos kaizen para atingir certo nível de melhoria de produtividade. Tornou-se um projeto lean sem sustentabilidade e sem nenhuma melhoria contínua, ou seja, a antiga escola, focalizada no resultado imediato, com a motivação baseada na cenoura ou no bastão.

Nos dias atuais há mais estrutura para o processo de aprendizado das práticas da Toyota, mas a relação entre mentor e estudante está no cerne de como a Toyota leva a melhoria a ser uma rotina profundamente enraizada. Para ter treinadores suficientes, eles são muitas vezes os gestores diretos dos alunos, mas os gerentes também podem usar sempre o treinamento e podem ter um coach de dentro ou de fora da organização.

Parece haver uma crença muito forte nos negócios ocidentais de que você seleciona as pessoas que tem boas características (hábitos) de trabalho/gestão inato(a), e depois você dá a eles metas de resultados. Em contrapartida, a Toyota seleciona pessoas pela sua disposição a aprendizagem e, após serem contratados, ela desenvolve as características (hábitos) desejadas do(a) trabalho/gestão por meio da prática. A neurociência nos mostra que o cérebro humano adulto é mais plástico do que imaginamos, e é disso que a Toyota tira vantagem a fim de desenvolver uma cultura deliberada.

Desafio demanda aprendizagem

As pesquisas tem mostrado repetidamente que quando uma tarefa é relativamente fácil - ou seja, quando o caminho para a condição-alvo é muito claro - a gestão por resultados e com os motivadores externos podem funcionar muito bem. A tarefa é, basicamente, fazer, e os líderes da organização não precisam se preocupar excessivamente com a garantia de que as pessoas estão empregando uma abordagem sistemática e científica para alcançar a condição-alvo.

Por outro lado, se a tarefa é um desafio - ou seja, o caminho para a condição-alvo não é claro e tem de ser descoberto através da aprendizagem iterativa - a gestão por resultados, por incentivadores e motivadores externos não competem tão bem. Nesse caso, como as pessoas se esforçam para alcançar suas condições-alvo torna-se importante, e, em mercados competitivos, é algo com que os líderes terão de se preocupar.

Quando olhamos para o lean dessa forma não é apenas um conjunto de técnicas de eliminação de desperdícios, mas um processo pelo qual os gestores como líderes desenvolvem as pessoas para que os resultados desejados possam ser alcançados, de novo e de novo. Isso significa treinar pessoas, praticando a kata de melhoria todos os dias.

Qual é a kata de melhoria de sua empresa?



Para mais informações:

  • Homepage da Toyota Kata - Aprenda mais sobre o que é a kata de melhoria, faça downloads de apresentações, definições chaves e muito mais.
  • Homepage de Jeffrey Liker – Leia excertos e faça downloads do “The Toyota Way” (versão do livro “O Modelo Toyota” em inglês).


Sobre os autores

Jeffrey Liker Jeffrey Liker, PHD, é professor de Engenharia Industrial e Operações na Universidade de Michigan e diretor da Optiprise, Inc. Dr. Liker tem a autoria ou coautoria de mais de 70 artigos e capítulos de livros e de oito livros. Ele é autor do best-seller internacional, “O Modelo Toyota: 14 Princípios de Gestão das Maiores Fabricantes do Mundo”, que revela a filosofia e os princípios básicos que orientam a qualidade da Toyota e a cultura obcecada por eficiência. O companheiro (com David Meier) “Modelo Toyota- manual de aplicação, detalha como as empresas podem aprender com os princípios do “O Modelo Toyota”.
 
Mike Rother Mike Rother é um pesquisador, um engenheiro e um professor sobre os temas de gestão, liderança, melhoria, adaptabilidade e mudança. Ele é coautor dos manuais do LIB “Aprendendo a Enxergar”, “Criando Fluxo Contínuo. Seu livro mais recente, o “Toyota Kata”, é baseado em seis anos de pesquisa sobre as práticas de gestão da Toyota.

 

Notas da Tradutora

1 Everybody's Jumping on the Lean Bandwagon, but Many are Being Taken for a Ride. Industry Week, 1 de Maio, 2008.

2 Robert Miller, Diretor Executivo do Shingo Prize, entrevistado na radiolean.org, Julho, 2010. "Cerca de três anos atrás, nós sentimos que precisávamos de uma profunda reflexão. Após  19 ou 20 anos nós voltamos e fizemos um importante estudo das organizações que receberam o Shingo Prize para verificar quais que tinham mantido o nível de excelência que eles  demonstraram no momento em que foram avaliados e quais não tinham ... Nós ficamos bastante surpresos, mesmo estando decepcionados com uma grande porcentagem de  organizações que foram reconhecidas, porém não foram capazes de manter e de avançar, e, de fato, perderam o chão.. Estudamos as empresas e descobrimos que uma grande percentagem daqueles que tinham sido avaliados eram especialistas na implementação de ferramentas lean, mas não as tinham enraizado em sua cultura."

3 COO é uma sigla para Chief Operating Officer, que, em português, significa Executivo-Chefe de Operações.

Publicado em 25/02/2011

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal