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A arte do lean na solução de problemas, parte 2: Lições dos treinadores da NBA

Art Smalley
A arte do lean na solução de problemas, parte 2: Lições dos treinadores da NBA
Nesta segunda parte de sua série, Art Smalley nos mostra um clipe de cinco segundos da NBA, relacionando-o ao lean e mostrando como o treinamento de basquete pode nos ensinar mais sobre o lean do que imaginamos.

Oi pessoal. Sou Art Smalley, presidente da Art of Lean, Incorporated. Hoje, em nome do Lean Enterprise Institute, tenho outro pequeno vídeo para você. Este não vai ser curto. Vai ser um pouco mais longo, pois vamos nos aprofundar. Vamos entrar no mundo do basquete da NBA falando de treinamento (coaching) e solução de problemas e estudando-o com uma visão lean. Acho que a NBA poderia se beneficiar com a forma lean de fazer coaching. Por outro lado, acho que temos muito a aprender com a NBA e com o mundo dos esportes em geral em termos de treinamento também. Então, fique por aqui; acho que você vai gostar.

 

A prática leva à perfeição

Em um vídeo anterior, falei sobre coaching e solução de problemas. Vou fazer uma série de vídeos com o LEI e, ao final, explicarei minha estrutura novamente, provavelmente a modificando com base no que aprendi ao passar por esse processo com vocês. Contudo acho que o coaching envolve, no mínimo, o reconhecimento dos tipos de problemas e situações. Um problema pode ter complexidade baixa, média ou alta e incluir várias combinações de habilidade-vontade entre o coach e os participantes.

É claro que, além disso, existem urgência e fatores externos de ruído e liderança, mas vamos ignorá-los por enquanto. Primeiro, vamos assistir a um videoclipe de cinco segundos da NBA e ver uma situação problemática real que foi treinada, praticada e colocada em jogo. Estou pegando emprestado o material de um técnico e olheiro da D-league do Atlanta Hawks, chamado Dylan Moore. Você pode estudar isso com mais detalhes, se quiser, mas vou mostrar o videoclipe de cinco segundos e, em seguida, falaremos sobre a solução de problemas e o treinamento que levou a ela.

Este é o resultado de uma boa solução de problemas e treinamento defensivo para desacelerar o jogo. Esta é uma situação de pick and roll. O pivô vem fazer o screen, um defensor aparece, e eles trocam de volta a marcação; o armador fica marcando o armador, e ele tem que passar para o ala. Nenhum arremesso de três pontos foi permitido, e nenhuma infiltração fácil para o garrafão foi obtida nesta posse. Então, tecnicamente, a defesa venceu esta pequena batalha. Certo, eu sei que o lance foi rápido (rápido demais para as muitas pessoas que não entendem muito de basquete). Vou dividir o lance em partes e explicar todo o processo de treinamento e pensamento que envolveu aqueles cinco segundos de jogo da NBA, mas, primeiro, você tem que entender que solução de problemas e coaching (treinamento) estão muito presentes nos esportes.

 

Mais do que apenas passar a bola

Francamente, gostaria que a NBA e as equipes se comunicassem em uma linguagem que mais pessoas pudessem entender, pois o basquete (ou qualquer esporte, na verdade) é um jogo de situações. Ele não é estático; para simplificar, podemos dizer que há o time de ataque, o time de defesa e os times especiais, com situações especiais. No ataque, há a transição, o contra-ataque rápido (que é resultado de rebotes e roubos de bola), vários tipos de jogadas inbound e o ataque tradicional de meia quadra. No ataque de meia quadra, uma coisa em particular que você vê em todos os níveis (e uma das jogadas mais antigas do basquete) é o que se chama pick and roll.

Se você estudar basquete, vai descobrir que existem vários tipos de pick and roll. Existe uma versão alta, uma versão lateral e combinações entre as duas. Também existem várias combinações e permutações entre quem faz essa jogada: os armadores, os ala-armadores, os alas, os pivôs… e algumas equipes jogam em um estilo em que não há posições em si. Então, você tem que estar preparado para tudo isso. Agora, vou inventar um problema específico. Novamente, pegarei emprestado aquele exemplo que encontrei no site medium.com do técnico do Atlanta Hawks da D-league, Dylan Murphy. Este é um exemplo inventado, mas acontece muito na realidade. Em média, uma equipe tem cem posses de bola em um jogo da NBA. A média de pontos por jogo atualmente é de cerca de 112 por equipe. Essa média vem aumentando nos últimos anos. A margem média de vitória é de cerca de 10 pontos. Ela varia de temporada para temporada, mas a média é de 10 pontos. Quando você pensa sobre isso, percebe que você precisa ter, em média, cinco vitórias defensivas a mais que seu adversário por jogo. Se você pensar defensivamente, precisará impedi-los de fazer cinco cestas por jogo a mais (vamos pensar em cestas de dois pontos por enquanto) para eliminar a vantagem de 10 pontos. Você precisa marcar mais pontos ou eles precisam marcar menos. Alguma combinação assim precisa ocorrer.

O jogo é vencido com essas margens apertadas. Agora, aqui está uma situação genérica que já vi acontecer muitas vezes: eles fazem muita coleta de dados, muitas análises de vídeo e muitas observações de jogos, e, assim, bancos de dados são construídos. Isso é algo que não é exposto ao público (gostaria que fosse). Um oponente comum, digamos que seja nosso próximo adversário, marca cerca de 40 pontos por jogo no ataque pick and roll. Talvez 30 pontos venham de outras jogadas ofensivas, 20 pontos venham do jogo de transição de que falei e outros 20 venham de lances livres e coisas assim. É sempre uma mistura desses fatores, mas eles sabem, oponente por oponente, qual é essa proporção. Digamos que estejamos enfrentando um oponente que é realmente bom no pick and roll e queremos impedi-lo de atingir sua média atual de um ponto por posse no pick and roll para algo menor do que isso (os três melhores times da liga em pick and roll marcam mais de um ponto por posse de bola nesse quesito. Eles são muito bons nisso). Como faremos para impedi-los?

 

Criando metas com base em experiências anteriores

Assim como na solução de problemas, podemos alcançar esse objetivo. Alguns treinadores conseguem. E eles fazem isso definindo metas para o jogo. Essas metas não são objetivos genéricos, como todos nós, fãs, definimos (vamos ganhar o jogo. Não vamos nos machucar. Não vamos levar para a prorrogação; vamos ganhar no tempo normal). Eles definem metas mais específicas. Eles podem dizer: “vamos defender efetivamente o pick and roll neste jogo”. Mais especificamente, eles dizem: “vamos defender especificamente o pick and roll lateral entre o armador e o pivô”, caso esse seja o ponto mais forte deles. Assim, tentaremos abaixar a média deles de 1 ponto por jogada para 0,8 (não há como chegar a 0, mas se você conseguir parar um pouco que seja, após uma série de posses, isso faz a diferença, e você ganha o jogo).

Então, essa poderia ser uma meta para o próximo jogo. Para fazer isso, é claro, temos que fazer uma análise, e é isso que os locutores e as equipes de TV não mostram (eu gostaria que eles mostrassem). Uma análise de pick and roll mostra como o adversário marca pontos. Nesses 40 pontos de que falei, eles executam o pick and roll alto 20% das vezes e o pick and roll lateral 80%. Os números reais são diferentes; estou apenas criando uma regra 80-20 para este exemplo. Olhando para o pick and roll lateral, a combinação entre armador e pivô é utilizada 80% das vezes, entre ala-armador e pivô, 15% e entre armador e ala, 5%. Cada equipe é diferente; você precisa conhecer os dados, os detalhes de quem vai enfrentar e como precisa se defender. É o que Dylan Murphy explicou neste artigo (em inglês). Encorajo qualquer um que seja fã de basquete a ler.

Agora, assim como você tem análise e solução de problemas no basquete, você tem que criar formas de contramedidas para parar a defesa. Existem cinco maneiras genéricas de parar o pick and roll (claro que há mais do que isso, você precisa se aprofundar, mas vamos focar nas cinco mais genéricas): 1) Por cima do screen; 2) Por baixo do screen; 3) Dobrar a marcação e prender a bola; 4) Trocar a marcação; 5) O que chamamos de ameaça: ameaçar a troca de marcação e depois voltar à marcação inicial.

Todas elas têm prós e contras. É aí que você, enquanto treinador, precisa saber qual delas funcionará melhor para o próximo jogo. Bons treinadores e bons olheiros precisam se preparar para todos esses cenários, e não apenas um. Também não adianta apenas fazer perguntas abertas como “qual você acha que é o problema? Qual é o obstáculo? Deixe-me ler o meu cartão e fazer algumas perguntas”. Nos níveis mais altos, isso não funciona, nem na NBA nem na Toyota ou em boas empresas lean.

 

Dividindo o lance

Agora, para quem estiver curioso sobre o lance, vou dividi-lo, apresentando o passo a passo. Primeiro, o armador driblou para o lado (você pode chamar isso de um pick and roll lateral alto). Depois, o pivô veio para fazer um screen (uma espécie de bloqueio em que o pivô, neste caso, se coloca entre o defensor e o jogador com a bola, o armador, neste caso, para abrir espaço para ele). Isso cria confusão para a defesa e libera espaço para o armador driblar ficar livre. Na terceira parte, o pivô defensivo vai marcar o armador (um jogador grande e marcando um menor), ameaçando a troca de marcação. Eles fazem o ataque pensar que eles vão trocar a marcação, mas, na realidade, eles voltam, porque você quer que o jogador menor marque o menor e o maior marque o maior.

Nem sempre funciona assim, porque depende do planejamento para o jogo e da análise feita, mas eles determinaram, neste exemplo, que não queriam fazer os outros tipos de defesa. Eles queriam ameaçar e depois trocar de volta, pois chegaram à conclusão que isso daria uma vantagem maior para eles neste jogo. Eles chegaram a essa conclusão através do estudo dos jogos anteriores. Então, neste caso, eles ameaçaram trocar (e temporariamente parece que estão fora de posição), mas, na realidade, quando eles voltam, o jogador se recupera e impede a ameaça do pick and roll. O armador não tenta arremessar a bola de três pontos, e o pivô tentando infiltrar no garrafão é bem defendido. Assim, as principais opções do pick and roll são eliminadas ali mesmo. O armador não teve espaço nenhum e não conseguiu o arremesso de três pontos fácil. Também não teve espaço para o pivô fazer uma tabela fácil ao infiltrar no garrafão. Você pode concluir que o ataque foi interrompido, porque o armador teve que passar a bola para o ala. A defesa venceu tecnicamente. Eles ganharam aquela pequena batalha e pararam o ataque.

Em um jogo de basquete, você tem 24 segundos para concluir cada ataque. Você tem que obter essas vitórias defensivas várias vezes com sucesso se quiser ganhar o jogo. Fazer uma vez não é suficiente, você tem que fazer repetidamente. Ao final dos jogos, todos olhamos para o placar e perguntamos: “Quem ganhou?”. Vamos dizer que a equipe que defendeu o pick and roll em nosso exemplo venceu de 110 a 102. A verdadeira pergunta que eles levam para casa para estudar com o departamento de análise (o pessoal do vídeo fica acordado durante a noite toda às vezes estudando) é “Quantos pontos por posse de bola eles conseguiram no pick and roll? Quão bem nós realmente defendemos o pick and roll? Essa era a nossa meta”. Talvez nossa meta fosse ceder somente 0,8 pontos por posse de bola, mas eles conseguiram 0,85. Então, fomos bem nisso (melhor do que no passado), mas não atingimos nossa meta.

Ainda assim, vencemos, porque a análise não tem somente uma variante. Existem várias coisas acontecendo. Talvez tenhamos limitado nossos turnovers e obtido mais pontos com contra-ataque ou algo parecido. É uma combinação de coisas que sempre resulta em vitória ou derrota. Mas tem outro jogo em 48 horas. A NBA tem um ritmo frenético. Você pode ter outro jogo em 24, 48 ou 72 horas. Você tem outro jogo e provavelmente vai enfrentar o pick and roll de outro time e tem que decidir como defendê-lo tudo de novo. Então, eles têm que criar itens de ação todos os dias após um jogo. Eles têm que revisar o vídeo dos jogos anteriores com os jogadores em uma reunião. Eles precisam rever a técnica da ameaça de novo e praticar com o técnico Dylan. Eles têm que repassar os pontos mais específicos sobre como ameaçar e o que o ataque fará para se opor a isso.

É sobre isso que o artigo de Dylan fala principalmente, sobre a ameaça, uma técnica defensiva, e as seis técnicas para combater essa ameaça, que vou listar aqui: 1) o contra desvio, 2) o contra separação, 3) a ameaça e a marca, 4) a ameaça e o canto vazio, 5) a ameaça contra o pick and pop e 6) pequenas ameaças para evitar a troca de marcação. Essas são as coisas que eles vão tentar fazer para te confundir na próxima vez. Eles têm estratégias contra a sua estratégia. Então, você tem que preparar um vídeo para esse estudo sobre todas essas coisas. Você tem que praticar, praticar, praticar e treinar a habilidade repetidamente.

 

O treinamento de basquete aplicado ao lean

Sei que a NBA é muito diferente do mundo lean. Eles têm grandes contratos, muito dinheiro e muitas pessoas para estudar os problemas, mas ainda acho que podemos aprender algumas coisas com este exemplo. Número um: a temporada tem 82 jogos, com vários dias de trabalho durante todo o ano, assim como a maioria de nossos trabalhos. Existem muitos tipos de treinamento, muitos tipos de problemas e muitos tipos de situações e práticas que eles fazem, e não apenas um. Segundo: eles fazem um uso muito bom de vídeo e de análises para descobrir o que treinar. Usamos análises e lean para enquadrar a definição do problema e a análise em nossos melhores exemplos, mas não costumamos fazer um bom trabalho ao usar dados e fazer análise de vídeo para estudo. Apenas temos algumas perguntas prontas, aparecemos na reunião e fazemos nosso melhor.

O planejamento do que treinar especificamente para cada jogo é importante na NBA, e não apenas o treinamento geral. A terceira lição é que, no lean, temos que ser mais específicos sobre o que planejamos para nosso coaching e como fazer isso. Número quatro: pratique o planejamento com situações específicas em mente; planeje para cada pessoa. A NBA não treina um jogador; eles não treinam só o armador. Você tem que treinar todas as cinco posições em uma quadra e os reservas. No lean, gostaria que também o fizéssemos melhor. Não vamos fingir que há só uma pessoa no coaching, só um estilo. O que você quer que o gerente de operações faça é diferente do que você quer que o especialista lean faça. Tudo isso é diferente do que você quer que o gerente de qualidade faça e que o gerente de engenharia faça. Claro, todos eles fazem geralmente a mesma coisa, mas assim como na NBA, você também tem funções específicas que acho que precisamos melhorar na solução de problemas.

Número cinco: Existem padrões altamente desenvolvidos de consciência situacional no basquete porque eles gravam e estudam muito. Eles estudam cinco maneiras diferentes de defender o pick and roll. Eu gostaria de ter isso no sistema lean. Cinco maneiras de enquadrar o problema, cinco maneiras de quebrar a definição do problema, cinco maneiras de pensar sobre sua declaração de meta, cinco maneiras de pensar sobre sua análise de causa raiz, cinco maneiras de pensar sobre contramedidas. A variação ainda existe e precisa ser pensada, mas gostaria que também chegássemos a esse nível em nosso coaching. Os números seis, sete e oito são parecidos, mas acho que o importante é que, naquele clipe de cinco segundos, você não percebeu nenhum treinamento Quando você tem sucesso, você não vê o treinamento de forma direta na quadra. O treinamento ocorre antes do jogo. Durante as paradas e o intervalo ocorrem apenas ajustes; o que você pode fazer é bastante limitado nesses momentos. Há um grande treinamento novamente após o jogo. Gostaria que pensássemos mais assim no mundo lean: antes da reunião de solução de problemas ou antes da atividade de definição de problemas, devemos fazer muito coaching antes. Há algum refinamento durante a apresentação ou a execução e mais muito coaching depois para seguir na direção certa.

Número nove: Outra coisa que vale a pena refletir sobre a NBA, os militares e a Toyota é que os treinadores são desenvolvidos internamente. Isso não quer dizer que você não possa contratar uma pessoa de fora, mas a ênfase extrema é colocada no desenvolvimento e no crescimento das pessoas e no aprendizado do coaching como parte de seu trabalho ao longo da carreira. Número dez: existem diferentes tipos de treinadores além do treinador principal na NBA: treinador principal, treinador assistente, preparador físico, treinador de ataque, treinador de defesa, especialista em análises, olheiros, treinadores que lidam somente com dribles, treinadores que lidam somente com arremessos…

Há muito espaço para melhoria no coaching lean; temos esse coaching genérico, e acho que devemos ser mais específicos sobre o tipo de coaching que estamos tentando fazer e os tipos de coaching que podemos empregar para fazer isso. Entendo totalmente que não temos o grande orçamento da NBA para fazer isso, mas quero que todos nós pensemos sobre isso, façamos um brainstorm e analisemos o que podemos fazer melhor ao utilizar as ideias da NBA. Espero que você tenha gostado deste vídeo. Faremos outro em breve, mas vou abandonar o mundo dos esportes e entrar nas artes marciais. Pode ser diferente do que você está imaginando.

Publicado em 03/06/2021

Autor

Art Smalley
Especialista renomado em liderança, solução de problemas e melhoria operacional.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal