ESTRATÉGIA E GESTÃO

Melhorar gestão diminui estresse no trabalho

Flávio Augusto Picchi
Melhorar gestão diminui estresse no trabalho
Segurança psicológica está relacionada com a criação de um ambiente em que as pessoas se sintam seguras de dar sua opinião, discordar, apontar problemas, experimentar e errar

As crescentes incertezas e instabilidades dos mercados, a maior competição entre as empresas, o uso crescente de novas tecnologias… tudo isso tem gerado o aumento dos níveis de estresse no trabalho.

Claro que isso varia muito de pessoa para pessoa. Alguns se adaptam melhor às diferentes situações, e outros, nem tanto. Todos temos de aprender como lidar com os problemas de formas mais saudáveis. Nesse plano pessoal, há diversas e interessantes recomendações.

Entretanto, há nesse contexto também o fator gestão. A forma como se organiza os trabalhos pode, sim, afetar esse fenômeno, muitas vezes sem que se perceba. Assim, não é errado dizer que melhorar a gestão pode diminuir consideravelmente os níveis de desgaste emocional das pessoas.

Por exemplo – algo que deveria ser óbvio, mas que não é –, companhias que têm processos “despadronizados”, mal desenhados, pouco racionais, frágeis do ponto de vista da confiabilidade de entregar o que é demandado, são ambientes sempre mais estressantes.

Como sabemos, processos ruins geram produtos e serviços que resultam em insatisfações internas e externas generalizadas, retrabalhos e, consequentemente, mais estresse aos envolvidos.

Já em organizações em que se predomina a melhoria contínua, os processos são cotidianamente aperfeiçoados, os produtos e serviços tendem a ser melhores, e diminui-se a necessidade refazer as coisas a todo momento – pois elas já são feitas de maneira correta da primeira vez, em processos simples, em fluxo contínuo, com objetivos e métodos claros e bem comunicados. E parece evidente que isso tende a gerar menos desgaste emocional

Ligado a isso está a forma com que a empresa lida com problemas. Escondê-los, achar ou fingir que eles não existem pode até gerar a ilusão de que tudo está bem, mas, sabemos, é sempre a calmaria antes da tempestade. Os desgastes, inclusive emocionais, serão certamente enormes.

O contrário disso é valorizar a busca racional e científica de desvios, os métodos lógicos de identificação de causas raízes e as maneiras precisas e impessoais de se adotar contramedidas. Se feito de forma correta, tudo isso tende a tornar “problemas” em algo normal e factível de ser enfrentado e vencido. Ou seja, menos estresse.

Isso está relacionado com um assunto que tem merecido grande atenção: a segurança psicológica. De maneira simplificada, podemos dizer que está relacionada com a criação de um ambiente em que as pessoas se sintam seguras de dar sua opinião, discordar, apontar problemas, experimentar e errar. E isso tudo com métodos que levem a aprendizados pessoais e organizacionais.

Também entram aqui, evidentemente, os relacionamentos entre pessoas que são cultivados pelo sistema de gestão e principalmente pelo estilo de liderança. Sabemos que reuniões “tradicionais” são recheadas de buscas por culpados, de geração de medos, de disputas pessoais, entre outros desgastes.

Isso é diferente da reunião focada não nos indivíduos, mas em problemas, nas causas raízes, sobre os quais são discutidas, com base em dados e fatos, as soluções concretas; tudo isso sabendo ouvir e perguntar, sempre tendo como base o respeito às pessoas.

Outro fator que merece atenção é a padronização dos processos – ou a sua falta. Fazer as coisas sem um padrão lógico, sem protocolos de como agir nas situações mais frequentes, faz com que cada pessoa tenha que tomar importantes decisões a todo momento, o que é tipicamente um fator de insegurança, de imprevisibilidade e de instabilidade – vetores certos de desgastes emocionais.

Distinto disso é, de forma clara e organizada, planejar, implementar, seguir e corrigir cotidianamente padrões de processos permanentemente aperfeiçoados, com a participação de todos. É uma maneira de realizar as atividades da melhor forma conhecida até aquele momento, com muito menos estresse, tendo uma cadeia de ajuda para tratar os desvios que ocorram e gerando um novo padrão quando necessário.

Não menos importante é a forma como se estabelece, alinha e comunica o “propósito” dentro de uma companhia. Uma coisa é o ambiente de uma empresa em que isso é desorganizado, dando a impressão de que setores diferentes ou mesmo pessoas demonstram ter propósitos distintos no que fazem.

Distinto disso é estabelecer que a organização toda, do CEO à linha de frente, tenha um propósito único; um norte verdadeiro que é claro, factível, didático, de conhecimento e transparente a todos.

Esses exemplos ilustram alguns aspectos dos sistemas de gestão que podem gerar mais desgaste emocional ou construir um ambiente mais saudável, em termos psicológicos.

Sem esquecer que tudo isso se encontra potencializado nestes tempos de intenso trabalho remoto. O home office traz um estresse inerente, que se soma a fatores que podiam já estar presentes, mas que eram amenizados pelos contatos diretos, conversas informais e relacionamentos interpessoais, que são enormemente prejudicados no trabalho à distância.

Isso pode ser encarado como uma oportunidade: os problemas de gestão que geram estresse no trabalho ficam mais expostos e chamam atenção para a necessidade de serem abordados e resolvidos.

Desde os primórdios, o trabalho é predominantemente encarado como uma atividade humana geradora de desgastes, sejam físicos ou emocionais. No entanto, já há algum tempo se sabe que ele pode também ser fator de satisfação e realização profissional e pessoal.

Cabe hoje às empresas se esforçarem para eliminar o sentido arcaico do trabalho, estressante e nada produtivo, enfatizando os aspectos positivos, através de propósitos maiores e formas de trabalho que sejam motivadoras e apoiadas na plena capacidade das pessoas. O jeito como se estrutura a gestão, sem dúvida, faz toda a diferença nesse contexto.

Publicado em 13/05/2021

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil