Todos os semestres recebemos muitos participantes dos mais diversos setores em nosso Programa Prático de Formação Lean. Muitos deles vêm em pequenos grupos de uma empresa, para que possam trabalhar juntos e possam se ajudar durante as atividades e, principalmente, na elaboração do A3. É sempre uma experiência muito gratificante que faz com que eles possam aplicar na prática, em suas empresas, o que aprenderam no curso de forma teórica.
Isso faz com que muitos pensem que o PPFL somente é viável para empresas em que o apoio vem de cima, da alta liderança, que designa grupos de trabalho para o programa. Essa visão não representa a realidade, entretanto, já que sempre recebemos muitos participantes que, autonomamente, decidem tomar a iniciativa e, muitas vezes sem esperar a alta liderança dar as cartas, participam do programa. Como será a experiência dessas pessoas que decidem que podem, elas mesmas, iniciar a jornada lean em suas empresas, sem esperar que a mudança venha de cima? Quais dificuldades enfrentam? O que ganham com o programa? Quanto sucesso obtêm?
Neste último PPFL que conduzimos, contamos com a participação de três participantes que ingressaram no programa por iniciativa própria – sendo dois do setor alimentício e um de uma siderúrgica – e que conquistaram resultados significativos ao final do programa, tais como: retorno financeiro de um milhão de reais em um ano, aumento de performance de 70% para 90% no principal produto da empresa e redução de
lead time em até 50% em processos críticos.
Entretanto, até chegarem nesses resultados e mostrarem a todos o quão proveitoso isso pode ser e como a mudança pode, sim, começar pela base, esses três participantes enfrentaram o desafio de passar pelo PPFL “sozinhos”. Neste artigo, reunimos algumas dificuldades compartilhadas por eles e algumas dicas para você que tenha começado ou que pense em começar sua jornada de implementação lean por iniciativa própria.
Não seja um gênio solitário
Mesmo que as nossas empresas estivessem cientes e, de certa forma, tivessem dado seu aval para a nossa participação no programa, nos nossos exemplos, o desejo de adotar uma cultura lean não partiu da alta liderança, mas de uma escolha própria da base com o intuito de sermos capazes de entregar um resultado real, aliviar as pressões e resolver problemas. Com a responsabilidade de trazer soluções e melhorar ou manter os resultados positivos de uma extensa lista de KPIs, sentimos essa ansiedade de encontrar mecanismos “aceleradores” do processo e de eliminar incômodos que se repetem, apesar dos esforços diários.
Fazer o curso por iniciativa própria não foi fácil no começo, mas um ponto determinante para superar essa ação “isolada” foi unir-se a outros colegas em situações similares e fora dos encontros do curso. Encontramos um no outro uma excelente oportunidade de crescermos juntos a partir de uma dificuldade em comum. Um aparente simples bate papo entre nós mudou completamente a sensação de incapacidade que tínhamos. Fomos nos ajudando ao compartilhar as dificuldades e aprendizados e revezando a vez de ser o sensei. Juntos, percebemos que o lean é uma transformação do modo de fazer, ver e conduzir a resolução dos problemas.
Nossa união foi uma propulsionadora do nosso sucesso no programa, mas trazer o lean para a organização toda começando pela base é outra história. Para manter o aprendizado, é necessário fazer a vez do sensei até que outras pessoas consigam mudar a forma de olhar para o problema e não propor uma solução imediata. No início, é necessário conduzir as pessoas a irem ao gemba e evitar consultar os softwares para obter os dados para analisar os problemas. O caminho aparentemente mais rápido para obter as informações muitas vezes é mais burocrático e não reflete a realidade dos fatos.
Trazendo o lean para as nossas empresas, conseguimos mostrar, a partir das nossas idas ao gemba, um entendimento surpreendente do processo para as outras pessoas da organização, e as nossas empresas, a partir daí, conseguiram repensar seus fluxo e redesenhar seus equipamentos. Esse diagnóstico proporcionado pelo PPFL foi uma descoberta que facilitou a todos os envolvidos propor contramedidas que fizessem sentido.
Comece a escavar
Já sentiu alguma vez que o seu A3 não avança mesmo com sua mente tendo as soluções mais incríveis? Dolorosamente, precisamos admitir que muitas vezes não entendemos o que realmente está acontecendo, apenas os sintomas. E a causa raiz? O lado científico do lean está em se aprofundar intensamente no problema até que todos os porquês tenham sido respondidos de forma consistente e com evidências de que têm uma ligação com a lacuna e que possam remover os obstáculos que nos impede de atingir uma meta.
Para superar essa dificuldade, é preciso sofrer um pouco, pois aceitar que temos que mudar a nós mesmos antes de mudar os processos é a única forma de perceber que projetamos processos que são propensos a todos os tipos de erros. Ao observar e ouvir como os demais participantes faziam e relatavam suas experiências, através de exercícios em que tínhamos que saber fazer e responder as perguntas, desenvolvemos novas percepções com a contribuição das histórias dos instrutores e as leituras dos livros sugeridos.
O entendimento foi ocorrendo devagar, mas de forma natural. Precisamos ajudar as pessoas a questionar e procurar alguma resposta que faça sentido e que consiga se relacionar com a lacuna. É um processo contínuo, mas, quando começado, fica impossível pensar na solução sem saber qual é o problema. As causas são visíveis, basta trocar os óculos: muitas vezes aprofundamos nossas causas no que está aparente ou no que acreditamos ser o motivo, embrulhado muitas vezes em variáveis sem controle; trocar os óculos nos fez enxergar com mais simplicidade o problema e focar em causas nas quais podemos agir.
O lean é sócio-técnico
Em geral, a maioria dos treinamentos nos oferece um “pacote” de ferramentas, dicas e um guia por onde começar e o que fazer. Ficamos com essa premissa que, ao fazer uma nova qualificação numa “metodologia”, vamos aprender como implementar o lean em nossas empresas. Contudo, o passo a passo tão desejado não veio, mas apenas um “seja intuitivo, viva e entenda a sua situação”. “Use somente o necessário para expor o problema e cavar profundamente para enxergar o que não estava visível”. “Não culpe as pessoas, seja crítico com suas perdas e seu processo e ajude as pessoas”.
Ao achar que aprenderíamos como resolver um problema utilizando uma folha A3 com alguns quadrantes, divididos em lado direito e esquerdo, deparamo-nos com um problema ainda maior: como? Através das conversas e relatos de dificuldades entre nós, enquanto mostrávamos o andamento dos nossos A3, e durante as tutorias, descobrimos que cada quadrante do A3 eram os passos a seguir, mas, por trás de cada etapa, haveria muitas idas ao gemba, coletas de dados e fatos, discussões com outras pessoas envolvidas e atuantes no processo. A solução depende de cada situação, e não é a quantidade de ferramentas que facilita a resposta, afinal lean é enxuto.
Não é tão imediato e simples preencher um A3, pois depende do quanto você já sabe do problema. Então, quando você chega ao ponto de dizer “já sei o que eu não sei”, as coisas começam a melhorar, e o A3 começa a ter sentido. Demoramos a vê-lo como um PDCA, até porque nós acreditamos que já fazemos PDCAs rotineiramente, mas, na profundidade e intensidade necessária para checar, raramente fazemos bem, pois as ações nem sempre são capazes de eliminar a lacuna. A ficha não cai de imediato, pois temos nossos vícios de usar as ferramentas sem essência e apenas preenchemos para apresentar e mostrar que temos as respostas e que nossa brilhante solução resolveu o problema. Aparentemente até resolve, mas, quando volta, sempre tem outra causa, e saímos na busca do culpado por não seguir à risca o plano de ação.
Para superar essa dificuldade, as orientações e leituras recomendadas ajudaram nesse processo. Quando olhamos os A3s uns dos outros e recebemos um “não vejo isto que está dizendo no seu A3”, percebemos o quão determinante foi ter a ajuda de outras pessoas. Mostrar o A3 para outras pessoas ajuda muito, pois qualquer pessoa precisa entender facilmente o que está acontecendo, qual é a meta e a lacuna a ser removida, a causa raiz do problema e as contramedidas que se relacionem. As conexões precisam estar claras.
Para isso, há um intenso trabalho e aprendizado por trás do A3, (e muitos e muitos rascunhos). Através do trabalho do A3, foi possível enxergar necessidades de inovações e introdução de novos métodos e materiais para atingir a meta. Além de detectar que não havia alto custo envolvido, com medidas simples e parcerias estratégicas, o resultado seria alcançado. Aprendemos que somente após fazermos muitos A3s é que seremos capazes de ensinar para os outros e adotar o conceito de forma eficaz e incorporada na rotina.
Mas como saber qual técnica de abordagem usar? Qual ferramenta de análise de problema? A resposta é: se você realmente sabe o que não sabe, saberá o que precisa saber. E quando descobrir qual é o problema, ficará fácil achar as contramedidas. A mudança começa na nossa forma de pensar e, conforme o liderar com respeito avança, conseguimos conectar as ferramentas de forma simples e ajustadas à nossa realidade. Por isso, falamos que o lean é 30% técnico e 70% social. Não basta aplicar as ferramentas; precisamos mudar a cultura.
Depois que o lean entra na sua vida, você não consegue mais agir do modo antigo
Uma grande dificuldade (e dúvida) que surge quando acabam os encontros do PPFL é “como seguir agora?”. No último encontro, muitos manifestaram que apesar do cansaço e esforço para estar ali, muitos sentiriam falta dos encontros. Essa primeira sensação de estar sozinho, sem ter para quem perguntar, sem ter uma pessoa mais experiente para orientar seus caminhos traz alguma insegurança, mas o lean é ensinamento, filosofia e modo de pensar.
Se você incorporou a mudança, será capaz de andar sozinho, o que não quer dizer que não terá tropeços, como em todo processo de aprendizado. Afinal, se você passou 4 meses ouvindo ensinamentos, recebendo orientações e praticando o modo lean de ser como pessoa, algo deve ter mudado. Se a transformação ocorreu em você, não irá perdê-la. Você não volta mais atrás, pois foi um aprendizado de vida, e não um método passo a passo para seguir metodicamente. Para superar esse receio, temos de manter vivos os ensinamentos, ler e reler os livros recomendados, manter grupos ativos de conversa e desafiar-se a contagiar outras pessoas.
O lean é uma filosofia que vai muito além de contribuir para melhoria de processos. É uma filosofia que muda a nossa vida, muda muito o nosso jeito de agir, muda nossa percepção. É incrível as possibilidades que surgem diante de nós quando se tem o conhecimento sobre o lean; o horizonte se amplia à nossa frente.
Participar de um PPFL por iniciativa própria pode parecer intimidador no início, mas se você entrar sozinho, encontrará um ambiente de apoio e pessoas com o mesmo propósito e dispostas a compartilhar e ouvir experiências. O lean ensina a unir forças e respeitar o aprendizado, mas também expõem nossas fraquezas. Se a direção não te dá um projeto, construa com a base a melhoria, pois eles sabem onde estão os desperdícios e geralmente estão dispostos a eliminar os problemas que atravancam suas rotinas. Depois, apresente os ganhos construídos com a participação de todos. Convencer pelo resultado é muito bom!
Novas turmas de PPFL estão iniciando. Confira as turmas oferecidas neste semestre: saúde, indústria e digital.