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Gestão: realizar experimentos não é dar tiros no escuro

Flávio Augusto Picchi
Cada vez mais, planos detalhados para o longo prazo perdem sentido. O mais importante é saber aonde se quer chegar, os porquês de se chegar lá e os próximos passos nessa direção

Gestão: realizar experimentos não é dar tiros no escuro  (Foto: krisanapong detraphiphat via Getty Images)

Gestão: realizar experimentos não é dar tiros no escuro (Foto: krisanapong detraphiphat via Getty Images)

É difícil acreditar que até pouco tempo atrás era comum, em diversos setores, a direção de uma empresa traçar planos para médio e longo prazos com razoável certeza de realização dos objetivos.

Claro que sempre houve mudanças de cenários, necessidades de ajustes etc., mas nada que se compare às incertezas de hoje.

Ainda é importante ter um rumo, uma direção estratégica, mas como chegar lá está cada vez mais distante de uma linha reta. É como se tivéssemos que atravessar um terreno acidentado, o que nos obriga a descobrir o melhor caminho para superar obstáculos, testando alternativas e, às vezes, tendo de voltar atrás até descobrir uma saída.

Cada vez mais, planos detalhados para o longo prazo perdem sentido. O mais importante é saber aonde se quer chegar, os porquês de se chegar lá e os próximos passos nessa direção.

Do ponto de vista da gestão lean – também conhecida como mentalidade enxuta –, a palavra-chave é “aprendizado”. E para que isso ocorra, devemos realizar “experimentos”. A evolução de uma companhia rumo aos seus objetivos pode ser entendida como uma sequência de “experimentações”.

Por exemplo, se vamos lançar um novo produto, necessitamos aprender sobre os clientes, suas necessidades, seus hábitos de uso, a reação deles à nossa inovação, etc.

Para isso, precisamos realizar experimentos que possam nos mostrar, passo a passo, se estamos na direção correta. Isso se relaciona com o conceito de mínimo produto viável, tão propagado hoje no mundo das lean startups.

Se temos um problema a resolver, devemos entender as causas raízes, formular contramedidas como hipóteses de bloqueio dessas causas e testá-las. Esse é o consagrado método científico de solução de problemas.

Portanto, saber realizar experimentos em todos os níveis é uma competência extremamente importante para toda organização. Ainda mais num cenário tão dinâmico como o que temos hoje.

Vejo, porém, em muitas situações, pessoas confundindo “realizar experimentos” com “sair tentando alguma coisa”. Experimentação não significa pegar uma ideia aleatória e testar.

Algumas empresas se consideram muito dinâmicas simplesmente porque estão mudando tudo a todo momento. Se esse dinamismo todo não tiver algum método, pode simplesmente representar um enorme gasto de energia e recursos, com pouco resultado. Nesse caso, acaba de tornando um grande desperdício.

Para que possamos chamar uma mudança ou um teste de experimento, inicialmente temos de definir que problema queremos resolver. Qual desempenho está abaixo da necessidade?

Uma vez criado consenso sobre isso, precisamos ter muito claro o que pretendemos aprender com aquele experimento. Quais são as hipóteses que queremos comprovar ou refutar?

Muitos falham ao não formular esses primeiros passos, pulando para a implementação, sem chegar depois a nenhuma conclusão. Partem, então, para outras tentativas, como se estivessem dando tiros no escuro.

Passada a fase de entendimento do problema, das causas e de estabelecimento de propostas, passa-se para a fase de implementação do plano de ação traçado. Vejo aqui também muita gente tropeçar em algumas armadilhas.

Um experimento precisa ocorrer num ambiente controlado. É claro que uma companhia é um organismo social complexo e não se compara a um laboratório controlado. Temos de ter em mente, porém, que não é possível tirar nenhuma conclusão, por exemplo, se uma mudança surtiu o efeito desejado, caso muitas condições tiverem sido mudadas ao mesmo tempo.

Por isso, para que possamos ter um experimento de fato, é importante realizar aplicações em menor escala, de forma que possamos avaliar os resultados objetivamente, com indicadores, comparando situações antes e depois, ou que sofreram e que não sofreram a mudança.

Outro cuidado que precisamos tomar diz respeito à duração do experimento. Mudanças enormes, que vão levar muito tempo, precisam ser divididas em experimentos menores, de forma que possamos aprender mais rapidamente, reformulando hipóteses e colhendo resultados parciais ao longo do caminho.

Como última armadilha a ser evitada, podemos apontar a “elitização” dos experimentos. Todos podem e devem estar envolvidos na formulação e realização de experimentos, nos mais diversos níveis da organização. Isso não pode ficar restrito a especialistas, com métodos complicados.

Uma boa forma para se obter resultados mais consistentes é desenvolver uma cultura de permanente aprendizado através de experimentos, com foco bem definido, de forma controlada, em ciclos rápidos e com a participação de todos.

Faça uma reflexão sobre o processo de mudança e adaptação a novas situações em sua empresa.

Ela é engessada, resistente e lenta para mudar? Isso hoje, nos ambientes de negócio cada vez mais dinâmicos, é fatal.

Ou, então, ela é extremamente rápida para mudar, porém todos sentem que os objetivos não estão claros e que muita energia é gasta sem ir a lugar nenhum?

Esses são extremos que precisam e podem ser evitados formulando-se bons experimentos.

Publicado em 10/06/2020

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil