Home office “forçado” vai mudar a forma como trabalhamos nas empresas (Foto: Reprodução/Pexel)
Dentre as diversas repercussões mundiais, a covid-19 também impactou enormemente a forma como trabalhamos nas empresas, e tudo indica que isso trará efeitos duradouros.
Muitas companhias colocaram em home office a quase totalidade de seus colaboradores que antes trabalhavam em escritórios. Praticamente da noite para o dia, milhões de pessoas, no mundo todo, passaram a desempenhar suas funções de casa.
Diversos problemas surgiram, pois a grande maioria não estava preparada para um movimento tão repentino: falta de hardware e software adequados, desconhecimento de ferramentas necessárias, dificuldades de espaço e convivência nas residências etc.
Porém, em meio às dificuldades inevitáveis, pessoas e empresas estão se adaptando e colhendo muitos aprendizados nesse processo.
O primeiro impacto foi sentido nas formas de comunicação e colaboração. Todos tiveram rapidamente de aprender a usar ferramentas específicas para interagir com colegas, fornecedores e clientes de formas diferentes das que faziam “ao vivo”.
A utilização de reuniões de trabalho através de videoconferências, por exemplo, ganhou uma escala sem precedentes. Claro que nesse processo parte da comunicação humana é perdida, mas o interessante é que, em muitos casos, foram observados ganhos de produtividade, em vários aspectos. Em geral, as reuniões começam mais pontualmente, são mais curtas, tendem a ser mais objetivas e com menos dispersão do assunto em questão.
São comportamentos que podem trazer reflexos positivos, se cultivados e mantidos nas reuniões presenciais, quando forem retomadas. E certamente muitas decisões passarão a ser tomadas em rápidas reuniões à distância, utilizando de maneira mais seletiva as interações presenciais, para questões mais complexas.
As formas de compartilhamento de aprendizados também ganharam em agilidade. Nunca se viu tantos webinars e lives disseminando experiências e boas práticas para o enfrentamento da crise ou sobre assuntos gerais. As modalidades de ensino à distância também tiveram grande impulso, e isso certamente repercutirá após a crise.
A nova situação trouxe também a necessidade de mudanças em diversos processos de trabalho. Para se adaptar rapidamente, algumas rotinas tiveram de ser simplificadas, e o uso de soluções digitais foi enormemente acelerado.
Recebi depoimentos de empresas relatando que conseguiram em alguns dias implantar mudanças que normalmente demorariam meses, racionalizando rotinas e fazendo uso mais intenso de tecnologia.
Nesses casos, os impactos positivos em processos internos e de atendimento aos clientes serviram para uma resposta imediata à crise e trouxeram aprendizados de agilidade na solução de problemas que serão extremamente úteis na continuidade.
Outra questão que sempre foi complexa e que ganhou dimensão ainda maior no atual cenário é a necessidade de se dar visibilidade ao trabalho feito nos fluxos administrativos, que basicamente processam informações.
Como saber se estamos realizando as atividades com a qualidade, prazo e eficiência esperados, de forma a atingirmos os objetivos traçados? Se sempre foi complicado responder essas questões, com o uso intensivo do home office, isso se tornou ainda mais difícil.
A mentalidade enxuta, ou lean thinking, sempre enfatizou a importância da aplicação de conceitos e ferramentas que possam proporcionar visibilidade dos processos e de seu desempenho, em tempo real, a todos os que deles participam.
Isso começa com o entendimento do que é valor para os clientes e de todas as etapas envolvidas para entregar esse valor. Continua com a eliminação de desperdícios e desenho de processos simples e diretos, com entregas e padrões claros. E se completa com o estabelecimento de uma gestão visual dos padrões e parâmetros estabelecidos, de forma que o time envolvido diariamente identifique os desvios, analise as causas e faça correções e melhorias.
É um caminho de transformação que exige uma análise profunda, com forte envolvimento da equipe. Mesmo empresas que já estavam avançadas nessa visibilidade de processos e gestão diária estão precisando aprender como adaptar as práticas presenciais à nova realidade de home office. Empresas que não tinham ainda seus processos e rotinas bem estruturados estão sofrendo ainda mais no novo cenário.
Mas a boa notícia é que, também nesse campo, interessantes aprendizados estão acontecendo. Quadros virtuais de gestão visual estão sendo utilizados, em conjunto com discussões online, resgatando pelo menos em parte a essência de rotinas de gerenciamento diário dos times. Empresas que não tinham práticas formalizadas nesse sentido, e se baseavam apenas na proximidade da supervisão para acompanhamento e apoio, estão buscando estabelecer meios virtuais de reunir a equipe em ciclos curtos, para verificação do andamento e do desempenho dos trabalhos.
As formas presenciais de trabalho certamente continuarão, pois são fundamentais e representam essências do sistema lean, como a necessidade de ir ao gemba – local onde as coisas acontecem, para ver os problemas com os próprios olhos, no lugar onde ocorrem etc. Mas possivelmente combinarão mais
intensamente as interações à distância e a tecnologia, com impactos nos espaços corporativos, residenciais e talvez até mesmo nos urbanos.
Toda essa experiência pela qual estamos passando deixará um legado. Certamente vai nos ajudar a visualizar melhor os processos, a identificar desperdícios, a entender melhor qual é o valor essencial que nossos clientes desejam e a acelerar a forma como melhoramos processos e incorporamos soluções digitais. E deverá também valorizar ainda mais o trabalho presencial, mas feito de forma mais assertiva.
Estamos passando por um ciclo intenso, que gera quebras de paradigmas e mudanças rápidas, em aspectos culturais, sociais, econômicos e tantos outros. A experiência em massa de “home office forçado” é apenas um exemplo de situação que trará consequências perenes, nos níveis corporativo e individual.
Toda crise traz oportunidades. Precisamos estar atentos aos aprendizados que possam ser colhidos, para serem utilizados de forma que sejam úteis para o fortalecimento das organizações e da sociedade, tanto durante a crise quanto no período que virá a seguir.