POLÍTICA

Assim como nas empresas, debate eleitoral precisa focar nas causas e não só nos sintomas

Flávio Augusto Picchi
Toda eleição é sempre a mesma coisa. Mas candidatos deveriam focar nas causas das mazelas, em vez dos sintomas

Toda eleição é sempre a mesma coisa (Foto: TSE via BBC)

Toda eleição é sempre a mesma coisa. Os candidatos são definidos, começam os debates, o horário eleitoral obrigatório se inicia, e os postulantes ao cargo máximo da nação não perdem oportunidades para falar ao público sobre como pretendem resolver os problemas que mais afligem a todos: a violência e a falta de segurança, a saúde pública precária, a educação deficitária, o desemprego cada dia maior...

Nesse contexto, outro fenômeno também se repete: os candidatos, independentemente dos partidos ou das ideologias, focam seus discursos muito mais nos “sintomas” dos problemas, mas pouco ou nada discutem sobre as “causas-raízes” que geram as mazelas. Propostas para efetivamente resolver essas causas raízes, então, passam longe.

Trata-se de um erro básico da nossa discussão política: ver os problemas só pelo lado perceptível, aquele que sentimos na pele, sem analisar razões ocultas, que ficam imunes às soluções aparentemente fáceis.

São os casos, por exemplo, dos discursos sobre segurança e saúde pública.

No primeiro, não faltam palanques prometendo mais polícia na rua, mais presídios, mais aparatos de repressão e similares. Claro que são necessárias ações de contenção, que protejam a população frente à situação calamitosa a que chegamos. Mas quase nenhum candidato dá ênfase a outras ações que realizará para evitar essa situação. Vamos somente aumentar indefinidamente a repressão? Esse é o jeito certo de fazer a criminalidade diminuir?

Para isso, seria necessário discutir muito mais sobre as causas-raízes - a miséria, os jovens sem perspectiva, o crime organizado, o fluxo de armas etc. - e as formas de solucioná-las. Na sociedade, esse debate passa pelo controle do tráfico de armas nas fronteiras, a desestruturação das organizações criminosas e suas formas de financiamento, as necessárias ações nas comunidades que deem perspectivas educacionais, culturais e de trabalho aos jovens etc. Poucos candidatos apresentam planos detalhados nesse sentido.

Em muitas empresas ocorre um fenômeno parecido. Nelas, os líderes e especialistas percebem os problemas, mas se dedicam muitas vezes somente aos sintomas, adotando soluções superficiais, focadas no que está aparente.

No sistema lean, jamais se foca no sintoma de um problema, mas sim se busca entender a causa-raíz que está gerando a situação. Daí, tenta-se elaborar uma contramedida definitiva para eliminar a fonte e resolver definitivamente a questão.

Voltando ao debate eleitoral, se analisarmos a discussão sobre a saúde pública (outro assunto recorrente), vemos coisa similar: o foco predominante nos sintomas. Grande parte dos discursos acenam para mais hospitais, mais postos, mais equipamentos etc., o que sem dúvida é uma parte importante da equação. Mas poucos tratam da questão da má utilização do que já existe: hospitais sem materiais, carência de médicos, disparidades regionais etc.

De nada adiantará ter mais estrutura se ela continuar com as enormes ineficiências. Mais uma vez, fica em segundo plano a discussão das causas-raízes e das formas de enfrentá-las, como a formação de médicos e paramédicos e os incentivos para que eles atendam todas as regiões, a otimização dos processos de gestão e suprimento da cadeia de atendimento, a modernização dos fluxos de conexão dos pacientes com os provedores, um maior enfoque em saúde preventiva etc.

Focar nos sintomas é uma tendência muito comum em nosso país. Candidatos fazem isso possivelmente porque assim o discurso fica mais fácil e sensibilizador, sem se comprometer com análises e propostas mais profundas. As empresas, porque nasceram e cresceram sob visões tradicionais de gestão, buscam ações imediatas sem antes analisar bem o porquê. É preciso mudar ambos os fenômenos.

Por isso, quando estiver assistindo ao horário eleitoral na TV e aos debates, experimente analisar se o que está sendo dito ali é somente algo paliativo, focado nos sintomas, ou se são apresentadas propostas baseadas numa boa análise das causas, de forma que se resolvam os problemas na sua raiz. E leve essa mentalidade para onde você trabalha.

Se todos agissem assim, pararíamos de “enxugar gelo”, que é a sensação que temos quando discutimos eternamente os sintomas dos mesmos problemas sem nunca os superar.

Publicado em 29/08/2018

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil