GERAL

Gestão precisa superar herança milenar

Flávio Augusto Picchi
E uma das melhores formas de fazer isso é utilizar a filosofia lean no redesenho das estruturas e práticas organizacionais

Trânsito próximo à Basílica de Saint Peter, na Itália (Foto: Pexels)

Na última vez que estive na Itália, fiquei mais uma vez impressionado com a “viagem no tempo” que é visitar um país com tanta história a céu aberto, nas ruínas, igrejas, praças e monumentos.

Foi impossível não ser provocado a lembrar que duas instituições fortemente presentes naquelas paisagens, o império romano e a igreja católica, têm ainda enorme influência na gestão dos dias atuais.

Os livros de história da administração, inclusive, atestam essa herança. Diversos autores e pesquisadores nos dizem que muito da forma como as empresas são organizadas hoje vêm das práticas dos antigos impérios, das organizações políticas das pioneiras civilizações e também das primeiras organizações religiosas.

A questão que se coloca é: até quando vamos ficar presos a essa herança histórica?

Percebo que mesmo empresas que buscam intensamente a inovação de produtos, processos e negócios muitas vezes não dão a devida atenção à necessidade de também reverem, na mesma velocidade, suas formas de gestão e organização.

Quando isso acontece, as iniciativas de maior conexão com clientes, agilização, flexibilização e inovação acabam esbarrando, na hora da execução, nas estruturas em silos, com metas conflitantes, chefes autoritários que utilizam o modelo de “comando e controle”, funcionários com medo de expor problemas etc.

A filosofia lean, conhecida também como mentalidade enxuta, é considerada uma das maiores inovações de gestão dos últimos tempos, pois nos traz conceitos que mudam completamente a forma como organizamos o trabalho nas empresas.

Diversos conceitos do sistema lean, que se popularizaram através de aplicações na manufatura, servem de inspiração para uma profunda mudança de paradigma organizacional, se aplicados à empresa toda.

Tomemos como exemplo o conceito de células de trabalho, que mudou totalmente a organização da produção quando surgiu na manufatura lean. Os funcionários são organizados em um verdadeiro time, que tem metas claras, exercem atividades multifuncionais, responsabilizam-se coletivamente pela qualidade e entrega, identificam problemas rapidamente e realizam melhorias.

Esses mesmos princípios, se levados a outros ambientes da empresa, geram uma revolução, quebrando os silos departamentais. Diversas companhias caminhando em suas transformações digitais adotam o formato de comunidades de entrega baseadas em times que utilizam metodologias ágeis, que a rigor são uma expressão de células lean de trabalho. O mesmo raciocínio se aplica a todas as atividades das organizações, sejam elas produtivas, administrativas, de desenvolvimento de software, concepção produtos ou outras.

Esses times de trabalho se alinham não mais por funções ou especialidades, mas sim em torno de objetivos de agregação de valor, para determinados segmentos de produtos e clientes. Isso também é uma aplicação clara do conceito lean de fluxos de valor, onde todas as atividades são alinhadas, da demanda à entrega, focando nas necessidades dos clientes.

Nessas novas estruturas, o papel dos gestores muda, saindo do tradicional comando e controle para o conceito de líderes lean, que atuam como apoiadores das células de trabalho. Passam a ter como prioridades resolver imediatamente os problemas que possam impedir que o fluxo seja contínuo e desenvolver as pessoas, para que elas melhorem os processos permanentemente.

Esses são apenas alguns exemplos de como a aplicação ampla da mentalidade enxuta pode mudar totalmente os paradigmas de gestão e organização das empresas.

Não há como uma organização rígida e estanque responder às necessidades de inovação em ritmo exponencial dos dias atuais. Não podemos continuar presos a estruturas concebidas há milênios, quando o mundo era completamente diferente do que temos hoje. Tente lembrar, em sua empresa, quantas iniciativas que poderiam ter mudado o negócio morreram sufocadas por objetivos conflitantes decorrentes de estruturas arcaicas.

Mas para superar essa herança cultural é preciso ousar. E uma das melhores formas de fazer isso é utilizar a filosofia lean no redesenho das estruturas e práticas organizacionais, e não somente para a revisão de processos.

Publicado em 18/07/2018

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil