“GEMBA”, NO DICIONÁRIO LEAN, SIGNIFICA O LUGAR ONDE AS ATIVIDADES REALMENTE ACONTECEM, ONDE SE AGREGA VALOR (FOTO: GETTY IMAGES)
Quem acompanha a cobertura da mídia sobre o mundo das empresas já percebeu como os altos líderes das companhias – CEOs e presidentes – são cada vez mais tratados como celebridades.
Nada contra, obviamente. O grande problema, porém, é quando esse tipo de “fenômeno” tem consequências negativas dentro da empresa. Isso acontece quando os colaboradores passam a ver as altas lideranças como celebridades no mal sentido do termo, ou seja, pessoas intocáveis, que não podem ser incomodadas tampouco saber dos problemas reais, mas apenas e tão somente estão ali para receber as boas notícias.
Ou, então, quando são vistos e tratados como “super-heróis”, que tudo podem e devem resolver. Ou, ainda, quando são temidos, evitados, como tipos de “deuses” – ou “demônios” – que não podem ser abordados, com quem não se pode sequer conversar, trocar ideias e muito menos falar sobre o que realmente acontece na empresa.
Essas relações entre funcionários e altas lideranças são muito comuns em grandes organizações. Mais do que isso, são reforçadas pela cultura da gestão tradicional. E isso é exatamente o contrário de tudo o que o sistema lean prega como o papel ideal, como o comportamento necessário do líder numa organização.
Na gestão lean, o líder só tem sentido e função se ele ajudar seus liderados a trabalhar melhor, a resolver problemas, a eliminar desperdícios e a agregar cada vez mais valor. Esse é o papel do líder, inclusive o do líder máximo, o CEO ou o presidente.
Em outras palavras, trata-se do líder que abandona os escritórios e as salas luxuosas de reuniões e vai para o “gemba”, termo que no dicionário lean significa o lugar onde as atividades realmente acontecem, onde se agrega valor. Por exemplo, o local onde onde são fabricados os produtos, onde ocorre o serviço, a logística, a administração...
É o líder que fica o tempo todo ao lado das pessoas que produzem na empresa, para ouvi-las, entender seus problemas e ajudá-las a, elas próprias, encontrar as melhores e mais sustentáveis soluções.
É o líder que prioriza “ver com os próprios olhos”, e não por meio de planilhas, apresentações etc. É aquele que “sabe ouvir”, que sabe questionar e que mais pergunta do que ordena. É aquele que apoia na busca por soluções, mas também sabe desafiar as pessoas para que, elas mesmas, tenham olhar crítico sobre o que estão fazendo. É o líder que demonstra humildade tanto para ensinar como também para aprender. E sempre baseando tudo isso no mais profundo respeito às pessoas.
Não é fácil para um CEO, principalmente para aqueles muito (mal) acostumados com a cultura do “líder celebridade”, transformar-se numa liderança que busca problemas, que vai ao gemba, que incentiva a busca de soluções, que ensina, que aprende e que respeita. Requer, muitas vezes, mudanças pessoais dolorosas para quem aceita esse desafio de mudar a mentalidade de liderança.
Isso fica muito evidente, por exemplo, num livro recente escrito por um CEO norte-americano que ousou escrever sobre como foi o seu próprio processo de mudança quando decidiu mudar o estilo de liderança tradicional para uma liderança lean.
É o livro “O trabalho da gestão”, de Jim Lancaster, empresário e CEO da Lantech, uma indústria de máquinas dos EUA, com unidades também na China, na Austrália e na Holanda, que fornece equipamentos a empresas gigantes, como Procter & Gamble, Nestlé e Pepsi, e que tem vendas anuais acima de 130 milhões de dólares. Ela se tornou conhecida nos EUA por ter sido uma das primeiras empresas ocidentais a, ainda na década de 80, implementar o sistema lean.
Ele relata toda a sua transformação pessoal e como isso foi fundamental nos anos em que teve que retomar a evolução do sistema lean para realmente mudar a gestão da empresa e torná-la melhor, mais competitiva e produtiva.
Por exemplo, em um trecho da obra, ele diz com todas as letras: “...eu continuava fazendo caminhadas de revisão todos os dias. Eu andava pelos mesmos lugares, conversava com as mesmas pessoas, fazia as mesmas perguntas por 90 ou 120 minutos todas as manhãs. Se alguma vez eu tinha pensado que ser um CEO era glamoroso, esses anos certamente tiraram essa noção de mim”.
Ou quando ele relata um certo questionamento que fez a um coach, que o ajudou nessa transformação, e recebeu uma resposta um tanto provocativa: “Perguntei ao Bob quem faria meu trabalho enquanto eu estava no chão de fábrica. Ele disse: ‘Que trabalho? Você quer dizer ir para todas aquelas reuniões que você diz serem úteis?’”.
São trechos reveladores sobre como os CEOs tradicionais perdem muito do seu tempo com processos que, de fato, pouco ou nada agregam real valor à empresa.
Todos sabem, por vivência em suas organizações, que as atitudes dos CEOs e presidentes influenciam enormemente no comportamento de todos os demais líderes da organização: diretores, gerentes, coordenadores etc., que acabam reproduzindo o seu estilo de liderar.
Se os principais líderes da empresa ficam nas salas de reuniões recebendo relatórios e querendo dar resposta a tudo, eles podem estar certos que muitos também farão isso, em todos os níveis. Se eles se comportam como verdadeiros líderes lean, indo aos locais de trabalho para fazerem perguntas que desafiem as pessoas a pensar e a resolver os problemas, uma energia inigualável de melhoria será desencadeada.
E ele provavelmente ficará mais famoso ainda, por causa do elevado desempenho sustentado que será gerado na organização. Mas isso não será o mais importante, e sim o comprometimento e o orgulho de todos na empresa, que saberão a enorme contribuição que também dão para esse sucesso.