Arecente confusão envolvendo a renovação da CNH (Carteira Nacional de Habilitação) - após o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) propor novas regras, como a obrigatoriedade de um curso para obter a renovação da carteira - é mais um típico caso de gestão sem método. O governo federal acabou cancelando as resoluções, após muitas manifestações contrárias, mas o caso mostrou problemas sérios. Faltaram nesta discussão elementos básicos que qualquer gestor precisa ter, como comunicação transparente a todos envolvidos, propósito relevante e claro, efetividade comprovada das novas medidas, definição de como elas seriam implementadas. São deficiências frequentes quando se trata da esfera pública, mas que muitas vezes vemos também na iniciativa privada.
Antes de tudo, vamos refletir: qual seria o propósito de mudar os procedimentos necessários para renovar um documento tão importante?
Algumas autoridades argumentaram que a obrigatoriedade de fazer esse curso se justificaria, porque as leis mudam com frequência. Seria esse o problema que queriam resolver com esse curso? Mas, se o propósito era esse era o de manter os motoristas informados, um curso feito na renovação, que ocorre de cinco em cinco anos, seria a melhor solução para o problema? Ou seria mais efetivo, por exemplo, ações cotidianas e eficientes de comunicação, que, no momento das mudanças, alertassem os condutores e toda a sociedade sobre as novas leis e normas do trânsito?
Um propósito muito relevante de uma mudança nos processos de obtenção e renovação da CNH seria obviamente aumentar a segurança. Mas será que um curso feito a cada cinco anos pelos motoristas teria eficácia na diminuição de acidentes? Não foram apresentados estudos nesse sentido, nem foram planejados experimentos que comprovassem a eficácia da medida, se é que esse era seu real objetivo. Talvez se estudos tivessem sido realizados, o apoio da população às novas regras seria maior, uma vez que vivemos uma verdadeira guerra que causa milhares de mortes no trânsito.
Como não ficou claro um propósito relevante, nem a efetividade da medida, a sociedade, já cansada e desconfiada, começou a pensar muito mais nas possíveis consequências negativas (por exemplo, o aumento da burocracia do setor, novas taxas e transtornos e ampliação dos negócios para uma cadeia de fornecedores cativa, que se cria com medidas desse tipo).
Não ficou claro qual seria o planejamento para a implementação desse curso para atender a demanda por renovação de CNH. Apesar de dizer que os cursos seriam gratuitos, não ficou demonstrado de modo claro de onde viriam os recursos públicos para custeá-los - o que, de qualquer forma, acabaria sendo pago pelo cidadão.
Frente a todas as críticas feitas pela população, o governo, tentando evitar mais um desgaste, rapidamente anunciou a revogação das novas regras. Assim, de certa forma, desautorizou o Contran. O argumento para o cancelamento foi que não se pode sobrecarregar a população com mais uma burocracia. Mas isso não foi considerado antes? Precisou haver uma chiadeira geral? Os órgãos técnicos tinham realizado estudos? Não foram considerados? Trapalhada em cima de trapalhada. Mais um caso na esfera pública que vira chacota nacional apesar de tratar-se de um assunto extremamente importante, que envolve a segurança de todos no trânsito.
Refletindo sobre esse caso, seja sincero: as deficiências que vimos aqui não ocorrem de forma similar na sua empresa?
Ou você nunca viu decisões anunciadas, que pegam todos de surpresa, e que não passam no teste de algumas perguntinhas básicas, que ecoam nos corredores: qual problema estão querendo resolver? Qual é o propósito maior da mudança? O que justifica o esforço que isso vai gerar, compensa o custo versus o benefício? Qual é o planejamento para a implantação? Alguém analisou os possíveis efeitos colaterais? Houve diálogo entre as esferas envolvidas, horizontal e verticalmente? Tudo isso foi comunicado de forma transparente a todos os envolvidos?
Um mínimo de método, como o velho e bom PDCA (Planejar, Fazer, Checar e Agir), pode ajudar a evitar enormes desperdícios - tanto nas esfera pública quanto privada.