GERAL

Saiba como o hoshin pode gerar planejamentos que funcionam

Flávio Augusto Picchi
O primeiro passo é a definição da direção estratégica de longo prazo, desdobrando os objetivos do próximo período

O HOSHIN, O NORTE VERDADEIRO DEVE SER FOCADO EM POUCOS OBJETIVOS, QUE VÃO PUXAR A ORGANIZAÇÃO TODA NO PRÓXIMO PERÍODO (FOTO: PEXELS)

Especialistas em gestão dizem, com toda razão, que um dos processos mais estratégicos de qualquer empresa é o planejamento que ela precisa fazer para o futuro, prevendo o que deve ocorrer na companhia em médio e longo prazos.

Isso é claro. Uma organização que não se planeja para o futuro é como um barco sem rumo. E essa questão torna-se ainda mais relevante nesta época do ano quando boa parte das empresas estão pensando e/ou fazendo seus planejamentos para o ano que vem.

Mas o grande ponto em que muitas companhias falham nesse tema é que o problema não está apenas em fazer um planejamento, mas, principalmente, em como fazê-lo.

No sistema lean, a forma mais adequada de se fazer isso é o chamado hoshin kanri, que no Brasil se convencionou chamar de desdobramento da estratégia.

Trata-se de uma forma bastante específica de se pensar e de se fazer um planejamento. Por um lado, refere-se à definição do rumo (hoshin) e, por outro, com seu desdobramento (kanri). A ênfase no desdobramento já é uma grande diferença. Muitas empresas fazem um enorme investimento em definir uma direção para seu futuro, mas falham completamente em como colocar isso em prática, desdobrando as ações de maneira coerente e articulada, em todos os níveis.

O primeiro passo é a definição da direção estratégica de longo prazo, desdobrando os objetivos do próximo período. No hoshin, isso é chamado de norte verdadeiro e deve ser focado em poucos objetivos, que vão puxar a organização toda no próximo período.

Um erro comum nessa etapa é a falta de foco. Não é raro vermos empresas com dezenas de metas e planos, o que gera uma enorme dispersão, na qual nada acaba sendo prioritário, e muitos planos acabam não acontecendo.

Aí vem a segunda parte, a do desdobramento. A mentalidade básica é buscar a justa conexão e alinhamento dos objetivos estratégicos da empresa com todas as atividades que vão ocorrer nela. Para isso, no hoshin, o norte verdadeiro direciona o desdobramento dos objetivos e planos em cascata, nos diversos níveis, alinhando toda a organização, tanto vertical como horizontalmente. Isso é obtido através de muitas interações ao longo do processo, o que evita um problema comum, que é a geração de objetivos e ações conflitantes entre os silos organizacionais.

Outro exemplo é a ideia tradicional do planejamento focado em números, em detrimento do plano que prioriza olhar para os processos que devem gerar os resultados.

Trata-se daquele típico planejamento focado prioritariamente nas planilhas, com previsões de faturamento, lucro, custos, investimentos etc. Mas que se esquecem que esses números são gerados pelos processos da empresa. Esses, sim, é que precisam ter foco e serem planejados para que gerem os números pretendidos. E não o contrário, como normalmente ocorre.

Diferente disso, o conceito de hoshin força a empresa fazer um planejamento que vincule as melhorias necessárias nos processos aos números desejados, para que assim se consiga atingir as metas pretendidas. É o inverso do que geralmente ocorre.

Outra falha típica dos planejamentos tradicionais é que eles geralmente desenham um futuro perfeito e ideal para a empresa, mas se esquecem de dizer o que é preciso mudar hoje para que a companhia consiga realmente chegar naquele futuro idealizado.

Por exemplo, se o seu cliente está de alguma forma insatisfeito com o produto que você oferece hoje, de pouco adianta planejar um novo produto sem antes entender por que o atual recebe críticas. Sem uma profunda compreensão da situação atual, há um imenso risco de fazer planos ineficientes, que não se sustentam.

O conceito de hoshin muda isso ao colocar como base do planejamento o entendimento profundo da situação atual, fruto do levantamento e da análise de dados, de fatos e de idas ao gemba (onde as coisas acontecem) para só depois se pensar no que fazer para o futuro.

Isso também está ligado a outra típica falha que ocorre nos planos tradicionais: propor soluções para a organização sem entender as causas raízes dos problemas. São aqueles planos que quase nunca esclarecem ou detalham os problemas que querem resolver, mas simplesmente reproduzem aquele modelo mental que pode ser chamado de jump to solution, que propõe soluções por si mesmas, mas que não são frutos do entendimento profundo do que acontece na realidade.

Todas essas incoerências já explicadas ficam ainda piores com outra falha ainda mais típica e grave dos planejamentos tradicionais: eles planejam metas e futuros grandiosos para a organização, mas via de regra não dizem absolutamente nada sobre como desenvolver as pessoas da empresa para se atingir os objetivos desejados.

Já a mentalidade de planejamento do hoshin tem como base a ideia de que empresas são feitas de pessoas. São elas que poderão ou não atingir as metas. Portanto, é preciso desenvolvê-las.

Por exemplo, desenvolvendo solucionadores de problemas direcionados às necessidades do negócio, que consigam cotidianamente melhorar as formas com que fazem os seus trabalhos. Que busquem eliminar desperdícios e aumentar a agregação de valor em tudo o que fazem. Tendo líderes que evitam dar soluções, mas que agem como coaching, como professores, estimulando a busca pelas soluções, fazendo as perguntas certas, provocando equipes a pensar nas causas raízes e seguir o método de solução de problemas.

Essas são algumas das falhas do planejamento tradicional que são transformadas quando se planeja tendo como base os conceitos de hoshin. Há diversas outras.

Este momento, em que provavelmente a sua empresa está fazendo os planejamentos de praxe, pode ser uma oportunidade para observar se muitos dos planos que são feitos frequentemente fracassam. Se isso ocorrer, pode ser a hora de repensar esse processo. E tentar fazer planos de uma forma mais efetiva, usando os conceitos do hoshin kanri.

Publicado em 29/11/2017

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil