Na semana passada, 23 ganhadores do Prêmio Nobel das últimas décadas enviaram uma carta ao presidente Michel Temer alertando quanto às consequências nefastas que os sucessivos cortes de investimento em ciência e tecnologia podem trazer ao futuro do país.
O fato de um grupo de celebridades internacionais se mobilizar para reforçar o alerta, já repetidas vezes feito pela comunidade científica nacional e não ouvido, mostra a gravidade da situação.
Cortar investimentos nessa área é “fácil” para o governo, pois não traz consequências imediatas à população nem desencadeia reações de parlamentares preocupados em manter emendas que tenham maior impacto em seus posicionamentos para o próximo ano eleitoral.
Mas as consequências no longo prazo são incalculáveis. Cortes significativos, como os que vêm ocorrendo, causam atrasos de décadas em poucos anos, pois destroem rapidamente a já débil infraestrutura e o interesse de toda uma geração de potenciais cientistas.
Responder a crises cortando coisas que não têm consequência imediata, mas que comprometem o futuro, é algo que acontece não só no governo, mas também nas empresas.
Observe como a maioria das empresas responde às crises. Qual é a primeira área que, em geral, sofre cortes? Conheço inúmeras companhias nas quais a resposta a essa pergunta é imediata: treinamento.
Em muitos casos, uma das primeiras medidas para conter gastos atinge a área de gestão de pessoas. Cortando especialistas da área, programas de desenvolvimento, cancelando a inserção de novos estagiários e trainees etc., o que gera um verdadeiro buraco no fluxo futuro de pessoas qualificadas, o maior patrimônio competitivo de qualquer empresa.
Outra área foco de corte imediato em crises é o desenvolvimento de produtos. O modelo mental seguido é o mesmo: no desespero da crise, corta-se algo que é despesa atual e que vai gerar receita somente no futuro. Mas com isso se atrasa a nova geração de produtos, que poderia levar a empresa a um diferenciado patamar competitivo.
No ditado popular, nos momentos de crise, algumas empresas (e países) parecem vender o almoço para pagar o jantar. Nos exemplos acima, parecem, na verdade, estar matando a galinha dos ovos de ouro para fazer o jantar. Matam o principal patrimônio que pode gerar riqueza no futuro: pessoas, conhecimento e inovação.
Já as empresas que conseguem manter, mesmo nas crises, seus investimentos em coisas que constroem o futuro terão enormes vantagens competitivas, dando um salto à frente de seus concorrentes no momento de retomada da atividade econômica.
O modelo mental predominante é: se não sobrevivermos hoje, com certeza não haverá amanhã. Vamos cortar tudo que gera despesas e que não dá retorno imediato. Nessa lógica, lá se vai o futuro.
A única forma de sair dessa armadilha é mudar esse modelo mental, adotando premissas totalmente diferentes: preservar ao máximo as áreas e investimentos que vão nos preparar para o futuro; voltar a atenção não ao corte do que não gera receita imediata, mas ao combate às enormes fontes de desperdício que existem hoje; e acelerar as novas formas de agregar mais valor aos clientes.
É, sem dúvida, um caminho mais difícil no curto prazo. Mas que certamente pavimenta um futuro bem mais promissor.