POLÍTICA

Carta dos 23 ganhadores do Nobel a Temer: empresas têm problema similar

Flávio Augusto Picchi
Responder a crises cortando coisas que não têm consequência imediata, mas que comprometem o futuro, é algo que acontece não só no governo, mas também nas empresas

Na semana passada, 23 ganhadores do Prêmio Nobel das últimas décadas enviaram uma carta ao presidente Michel Temer alertando quanto às consequências nefastas que os sucessivos cortes de investimento em ciência e tecnologia podem trazer ao futuro do país.

O fato de um grupo de celebridades internacionais se mobilizar para reforçar o alerta, já repetidas vezes feito pela comunidade científica nacional e não ouvido, mostra a gravidade da situação.

Cortar investimentos nessa área é “fácil” para o governo, pois não traz consequências imediatas à população nem desencadeia reações de parlamentares preocupados em manter emendas que tenham maior impacto em seus posicionamentos para o próximo ano eleitoral.

Mas as consequências no longo prazo são incalculáveis. Cortes significativos, como os que vêm ocorrendo, causam atrasos de décadas em poucos anos, pois destroem rapidamente a já débil infraestrutura e o interesse de toda uma geração de potenciais cientistas.

Responder a crises cortando coisas que não têm consequência imediata, mas que comprometem o futuro, é algo que acontece não só no governo, mas também nas empresas.

Observe como a maioria das empresas responde às crises. Qual é a primeira área que, em geral, sofre cortes? Conheço inúmeras companhias nas quais a resposta a essa pergunta é imediata: treinamento.

Em muitos casos, uma das primeiras medidas para conter gastos atinge a área de gestão de pessoas. Cortando especialistas da área, programas de desenvolvimento, cancelando a inserção de novos estagiários e trainees etc., o que gera um verdadeiro buraco no fluxo futuro de pessoas qualificadas, o maior patrimônio competitivo de qualquer empresa.

Outra área foco de corte imediato em crises é o desenvolvimento de produtos. O modelo mental seguido é o mesmo: no desespero da crise, corta-se algo que é despesa atual e que vai gerar receita somente no futuro. Mas com isso se atrasa a nova geração de produtos, que poderia levar a empresa a um diferenciado patamar competitivo.

No ditado popular, nos momentos de crise, algumas empresas (e países) parecem vender o almoço para pagar o jantar. Nos exemplos acima, parecem, na verdade, estar matando a galinha dos ovos de ouro para fazer o jantar. Matam o principal patrimônio que pode gerar riqueza no futuro: pessoas, conhecimento e inovação.

Já as empresas que conseguem manter, mesmo nas crises, seus investimentos em coisas que constroem o futuro terão enormes vantagens competitivas, dando um salto à frente de seus concorrentes no momento de retomada da atividade econômica.

O modelo mental predominante é: se não sobrevivermos hoje, com certeza não haverá amanhã. Vamos cortar tudo que gera despesas e que não dá retorno imediato. Nessa lógica, lá se vai o futuro.

A única forma de sair dessa armadilha é mudar esse modelo mental, adotando premissas totalmente diferentes: preservar ao máximo as áreas e investimentos que vão nos preparar para o futuro; voltar a atenção não ao corte do que não gera receita imediata, mas ao combate às enormes fontes de desperdício que existem hoje; e acelerar as novas formas de agregar mais valor aos clientes.

É, sem dúvida, um caminho mais difícil no curto prazo. Mas que certamente pavimenta um futuro bem mais promissor.

Publicado em 04/10/2017

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil