EDUCAÇÃO

Gestão “pela metade” é reflexo de ensino fundamental fraco

Flávio Augusto Picchi
O que a educação básica tem a ver com gestão nas empresas brasileiras?

Uma pesquisa internacional recente explica muito sobre a qualidade que temos hoje na gestão das empresas brasileiras. Trata-se de um levantamento feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), "Education at a Glance" (Um olhar sobre a educação), que mostra, mais uma vez, deficiências no ensino brasileiro, principalmente no fundamental.

Somente para citar alguns dados desse estudo: 50% dos brasileiros adultos (entre 25 e 64 anos) não concluiu o ensino médio, contra a média de 22% dos países da OCDE (que reúne 35 nações desenvolvidas). Muitos (17%) não terminam nem mesmo o ensino fundamental no Brasil, enquanto a média na OCED é de 2%.

Quanto a recursos, aplicamos 3,8 mil dólares por ano para cada aluno do ensino fundamental, valor bem abaixo da média dos países membros da OCDE, que é de 8,7 mil dólares por estudante. Já quando o assunto é ensino superior, o cenário muda: o valor investido pelo Brasil é de mais de 11 mil dólares, o que é bem perto do que investem países como Portugal e Espanha.

Nas duas pontas (ensino fundamental e superior) existem inúmeras deficiências e recursos escassos e mal aplicados, mas com certeza no ensino fundamental a situação é muito mais dramática.

O que isso tem a ver com gestão? Tudo.

Sabe-se, hoje, cada vez mais, que a qualidade da gestão de uma empresa não pode ficar dependente apenas da competência ou da formação de seus principais líderes. Não se consegue contar somente com alguns poucos executivos que tiveram boa formação e que, assim, têm condições de sustentar uma excelente gestão, independentemente do restante da companhia. Essa é uma visão antiga de gestão, aquela do “superexecutivo”, que a tudo resolvia.

Hoje, tem-se cada dia mais consciência de que uma gestão excelente só pode ser fruto do uso do pleno potencial de todos. Só assim é possível realmente se diferenciar no atual mercado hipercompetitivo. Se apenas os executivos e especialistas tiveram sólida formação educacional, e o restante da empresa, não, é bem provável que se tenha uma “meia” boa gestão. Uma gestão “manca”, “pela metade”, em que os bons resultados dependem de alguns poucos, em vez de depender de muitos. A empresa segue em frente, claro, mas aos tropeços, com pontos fracos aqui e ali...

O ideal é que a imensa maioria da empresa, cotidianamente, procure problemas e desperdícios. Investigue e encontre causas raízes. E por meio de experimentos, implemente planos de resolução e de melhorias do trabalho. Só assim haverá uma crescente e imbatível melhoria contínua, tornando qualquer organização cada dia mais sustentável, eficiente, produtiva e agregadora de valor.

Mas para que isso realmente ocorra é preciso que a grande maioria tenha uma formação educacional sólida. E é claro que essa tarefa não pode ficar só a cargo do ensino superior.

É na educação básica que boa parte da formação intelectual do indivíduo se desenvolve. É nela em que as operações lógicas e matemáticas são primeiro e melhor assimiladas. É também nela que o texto, a narrativa, a capacidade de expressão, de contar e de ouvir históricas evoluem. É ainda lá que as ciências e suas capacidades de experimentações deveriam ser sedimentadas dentro das mentalidades dos alunos. É lá, no ensino básico, que se aprende coisas que jamais se vai esquecer. É onde se forma o cidadão com fundamentos tão importantes, como responsabilidade, honestidade, ética, consciência crítica e real capacidade de trabalho eficiente. Sem essa base mínima, a participação de cada funcionário para a melhoria cotidiana do trabalho fica prejudicada.

O problema é que, sabemos, essas formações educacionais tão importantes não ocorrem como deveriam na maior parte das nossas escolas fundamentais, principalmente nas públicas, mas não só nelas. A importância do ensino básico para a evolução de um país é largamente conhecida, mas acaba sempre ficando em segundo plano, até por não comportar soluções simples nem de curto prazo.

Além dos importantes pontos da agenda política e econômica deste e do próximo anos, a questão da qualidade do ensino fundamental precisa estar entre os assuntos prioritários, a serem encarados de frente pela sociedade, pois é também um gargalo para o desenvolvimento do país.

As empresas que atuam no Brasil somente serão competitivas com uma gestão completa, que aproveite a capacidade de 100% de suas pessoas. Para isso, é necessária uma formação sólida na base da pirâmide e uma gestão que envolva todos na resolução de problemas, todos os dias.

Publicado em 20/09/2017

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil