SERIA MELHOR DIZER: “EXPONHA OS PROBLEMAS, BUSQUE SOLUÇÕES JUNTO COM SEUS COLEGAS E CONTE COM MEU APOIO PARA DESENVOLVÊ-LOS" (FOTO: THINKSTOCK)
Não, você não leu errado. Sei que o título desta coluna pode dar a impressão de estar invertido. Com certeza você já ouviu de diversos líderes em diferentes empresas o bordão que prega o contrário: “não me traga problemas, traga-me soluções”.
Esse bordão foi propagado e tem sido bastante repetido até hoje por líderes atolados por problemas trazidos pelos membros de suas equipes. Seria o famoso “delegar para cima”. As pessoas somente trazem problemas esperando que o líder traga a solução. O bordão “não me traga problemas, traga-me soluções” seria uma forma do líder para estimular os membros de seu time a terem mais iniciativa e a pensarem em soluções, o que seria um tipo de empowerment. Ambos objetivos bastante desejáveis: iniciativa e empowerment.
Mas será que somente pedir para trazerem soluções é suficiente?
O que vejo em muitas empresas é que esse bordão não é acompanhado de mudanças na forma como a organização e sua liderança encaram o processo de identificação e solução de problemas. E isso acaba não gerando efeito algum.
Não adianta pedir para que as pessoas tragam soluções se elas não forem sistematicamente desenvolvidas pelos líderes como solucionadores de problemas, ou seja, se não souberem praticar o velho e bom PDCA – sigla das expressões em inglês plan, do, check e act, que resumem o método científico de resolução de problemas. Assim, elas vão trazer propostas sem fundamento, sem nem mesmo entenderem o problema e suas causas.
O líder, inseguro com a capacidade da equipe em trazer soluções efetivas, rapidamente volta ao seu modo “herói” e passa a mandar as pessoas fazerem uma série de coisas que ele acha serem a “solução”. Mas também sem método, sem conhecer o problema na essência e gerando propostas que em geral também não resolvem os problemas.
Você já viu essa situação na sua empresa? O discurso “não me traga problemas, traga-me soluções”, que na prática acaba mantendo o antigo estilo do líder que determina o tempo todo o que fazer, do seu jeito? E o que é pior é que as pessoas, sem informações, estrutura ou método para pensarem em soluções, podem somente se ater à primeira parte da frase, “não me traga problemas”, e simplesmente esconder as falhas, as dificuldades e os desvios.
No sistema lean (a mentalidade enxuta), a mudança fundamental está em entender que, entre os papéis dos líderes, um dos mais importantes é o de desenvolver pessoas como solucionadores de problemas.
Se quisermos imaginar o que o líder lean falaria para sua equipe sobre problemas, seria algo do tipo: “exponha os problemas, busque soluções junto com seus colegas e conte com meu apoio para desenvolvê-los com o método científico”.
É uma postura bem diferente: o líder lean, sem dúvida, quer que os problemas sejam rapidamente identificados e resolvidos na base pelas equipes que realizam os processos, e não por ele. Mas para isso, faz o papel de coach, desenvolvendo as pessoas para que resolvam problemas e apoiando-as nessa tarefa no dia a dia, indo ao gemba, onde as coisas acontecem, e não simplesmente dizendo: “tragam-me soluções”.
Os problemas que podem ser identificados na base são em geral desvios entre o esperado e o realizado. Metas que não são atingidas, padrões não seguidos, atrasos, problemas de qualidade etc. Se a gerência não estabelece um processo simples, direto e padronizado, com metas claras e facilmente verificáveis, a variabilidade é tão grande que é difícil para as equipes identificarem quais são os problemas, ou seja, situações diferentes do planejado.
No sistema lean, a liderança desdobra os objetivos estratégicos em metas desafiadoras, simplifica e padroniza processos e cria gestão visual, tudo para trazer à tona os reais problemas que as equipes precisam resolver, para agregarem mais valor aos clientes. Mas cria também um sistema de cadeia de ajuda e de desenvolvimento de habilidades para a solução dos problemas, utilizando plenamente a inteligência experiência das pessoas. Esse é o maior respeito pelas pessoas que uma organização pode praticar.
Nesse sentido, o título desta coluna traz uma provocação, invertendo não só as palavras, mas também o sentido dos interlocutores. Em vez do líder falar para sua equipe: “não me traga problemas, traga-me soluções”, a equipe é que tem a grande vontade (e nem sempre tem espaço para isso) para dizer ao líder: “não me traga soluções, traga-me problemas”.
Ou seja, o recado que as equipes gostariam de dar para os líderes é: não traga suas ordens sobre como deveríamos tratar os desvios. Crie um sistema que exponha os problemas e desenvolva-nos, para que possamos solucioná-los com método, com a liderança sempre acompanhando e fazendo as perguntas que nos estimularão a utilizar cada vez mais o método de resolução de problemas, de forma a identificarmos contramedidas efetivas.
Como os líderes de sua empresa encaram os problemas? Se predomina ainda o “não me traga problema, traga-me soluções”, mas na prática os gestores mandam fazer do seu jeito o tempo todo, pode estar na hora de rever algo no estilo de liderança.