
Uma das bases de um modelo de gestão é adotar “padrões” nos diferentes tipos de trabalhos que ocorrem cotidianamente numa empresa. “Padronizar o trabalho” é, na verdade, uma expressão muito genérica e que dá vazão para vários tipos de interpretações.
No universo corporativo tradicional, isso pode significar vários tipos de documentos que as empresas produzem cotidianamente – como normas, regras, procedimentos etc. – que buscam determinar, por exemplo, como um produto ou processo deve ser feito numa companhia, objetivando manter a qualidade, a segurança, etc.
O grande problema ocorre na forma de implementar isso, quando os “padrões de trabalho” se transformam, na prática, em algo burocrático e demasiado complexo.
Você já deve ter visto isso em sua empresa. São aquelas normas excessivamente detalhadas, herméticas, complexas. E que geralmente ficam enclausuradas nas gavetas ou expostas em locais de uma forma confusa, sem que ninguém as use. Ou que são lembradas somente na véspera de auditorias de sistemas de gestão.
Como consequência, as pessoas acabam não seguindo esses “padrões” e acabam criando formas pessoais de realizar as atividades, que podem ser mais ou menos produtivas, trazer maiores ou menores riscos de qualidade.
A “padronização do trabalho”, feita dessa forma, torna-se mais um processo inútil dentro das organizações. Algo que existe, consome trabalho para ser feito, mas que pouco funciona. Ou seja, mais um grande desperdício.
O sistema lean – pensamento enxuto – traz um olhar totalmente diferente com relação a essa questão.
Na mentalidade lean, o principal foco está em criar e permanentemente melhorar o “trabalho padronizado”, que vai muito além dos “padrões de trabalho”. Parece, à primeira vista, um mero jogo de palavras, mas essa diferença caracteriza uma mudança conceitual muito importante.
Os “padrões de trabalho” recebem vários nomes nas empresas, como “instruções técnicas” ou “procedimentos operacionais”, e focam, em geral, nos detalhes técnicos dos produtos e dos processos. Já o “trabalho padronizado” lean olha para a forma como as pessoas realizam o trabalho.
Por exemplo, um “padrão de trabalho” pode estabelecer a sequência de operações que uma peça deve seguir para se obter o produto final. Isso é um pressuposto do processo e independe da demanda.
Já o “trabalho padronizado” parte da demanda do cliente, caracterizada pelo ritmo que devemos produzir – ritmo esse que, no sistema lean, chamamos de tempo takt, conforme explicamos na coluna Saiba controlar a ‘batida do coração’ da empresa: o tempo takt.
A partir daí, estabelece-se, então, o layout necessário de máquinas, o número exigido de operadores, a melhor divisão de tarefas entre eles, a sequência que cada um vai seguir, os pontos de distribuição dos materiais, os pontos de cuidados com qualidade, segurança, ergonomia. Essas definições são discutidas em detalhes, visando eliminar todos os desperdícios, e propiciam um enorme aumento de produtividade.
Se a demanda mudar, vamos supor que aumente, um novo “trabalho padronizado” precisa ser elaborado, distribuindo o trabalho entre um número maior de operadores. Mas é mantido o mesmo “padrão de trabalho”, que continua sendo importante para as definições técnicas.
No sistema lean, os “padrões de trabalho” continuam tendo um papel importante, mas sofrem uma mudança de formato, transformando-se em documentos simples, curtos, muito mais visuais (com uso de fotos, fluxogramas etc.), expostos nos locais de trabalho.
Os dois tipos de padrões, portanto, convivem no sistema lean, mas para ficar claro, vamos analisar mais algumas diferenças.
Enquanto os “padrões de trabalho” são feitos geralmente pela engenharia ou por outros especialistas, o “trabalho padronizado” lean é elaborado pelo líder de time, com a participação e a contribuição ativa e fundamental dos trabalhadores, que vão colocar aquilo tudo em prática. Afinal, são eles que conhecem todos os detalhes e problemas e podem dar ótimas sugestões. São, em geral, mudanças simples na forma como se realiza o trabalho, sem afetar os parâmetros técnicos. Caso se identifique alguma mudança necessária nos “padrões de trabalho”, é claro que a engenharia precisa ser envolvida.
Mais diferenças. O tradicional “padrão de trabalho” define o “quê” deve ser feito. Isso deixa espaço para haver muitas possibilidades de variações, conforme quem está fazendo a tarefa. Assim, frequentemente se abrem enormes brechas para desperdícios de todos os tipos.
Já o “trabalho padronizado” lean define exatamente “como” o trabalho deve ser feito, com base na melhor forma de realizar o processo que temos hoje, visando maximizar a agregação de valor. A qualquer momento pode e deve ser melhorado, com as sugestões dos que realizam o trabalho. E uma vez atualizado, deve ser seguido por todos até que mude novamente.
Essa é também outra diferença: enquanto os tradicionais “padrões de trabalho” demoram muito para mudar – pela forma centralizada e burocrática que em geral são feitos –, o “trabalho padronizado” é atualizado constantemente pelo time no local de trabalho.
Uma vez estabelecido o “trabalho padronizado” lean, ele é visto como uma base sobre a qual haverá cotidianamente melhorias. Qualquer variação ou dificuldade em atingir os objetivos é facilmente detectada, desafiando o time a identificar causas e propor melhorias.
Se sua empresa utiliza somente os burocráticos “padrões de trabalho”, tente mudar esse “olhar” dentro de sua organização. Tente aplicar, mesmo que em uma “área teste”, o conceito lean de “trabalho padronizado”. Você vai entender melhor essa profunda diferença.
O tradicional “padrão de trabalho” geralmente fica na gaveta. Já o conceito lean de “trabalho padronizado” deve estar vivo, praticado nos locais de trabalho, melhorando sempre, com a participação de todos.