Dentre os fatores que prejudicam a competitividade das empresas em nosso país, a burocracia é sempre apontada como uma importante vilã do custo no Brasil. A enorme complexidade de impostos é um fator frequentemente lembrado. Além do peso das taxas em si, isso exige das companhias estruturas muito mais onerosas do que em outros países, pelo fato de que aqui é preciso processar a grande confusão de tributos que temos.
O tempo para abrir uma empresa é também muitas vezes apontado como um indicador de nossa burocracia, prejudicando o ambiente de negócios. Ocupamos o 123º lugar nesse quesito, com uma demora que é de mais de cem dias, enquanto que, na Nova Zelândia, país que ocupa o primeiro lugar, uma empresa pode ser aberta no mesmo dia.
Não faz muito tempo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, veio a público reconhecer que a burocracia imposta pelo Estado é um dos principais entraves para se diminuir o custo de produção no Brasil. E prometeu medidas de simplificação, por exemplo, na arrecadação de impostos. Todos aguardam ansiosamente por essas medidas, que ainda não foram anunciadas.
Tudo isso é largamente conhecido e debatido, embora poucas ações ocorram. Mas existe pelo menos o reconhecimento por parte da sociedade de que a burocracia estatal é um grande problema. O consenso entre os diversos envolvidos de que um problema existe é o primeiro passo para que ele seja enfrentado.
Mas e dentro das companhias? Será que existe consenso sobre os danos que a burocracia interna também gera à competitividade das empresas? Minha percepção é que a importância desse assunto é ofuscada pela predominância da discussão sobre a burocracia estatal.
Todos enxergam a burocracia gerada nas companhias pelas exigências governamentais. Uma é extensão da outra.
Mas poucos enxergam que também existe uma série de processos administrativos que não agregam valor algum e que não são decorrentes da burocracia estatal. São inúmeros relatórios, controles, assinaturas criados pelas próprias empresas e que não têm nada a ver com exigências externas.
Isso fica evidente quando uma companhia inicia a aplicação do Lean Thinking, conhecido como mentalidade enxuta, em suas áreas administrativas. Após terem usado esse conceito em seus setores operacionais, percebem que há um enorme campo para eliminação de desperdícios também nos escritórios.
Todas as vezes que participei em trabalhos de mapeamento de fluxo de valor em processos administrativos, vi grupos de diversas áreas ficarem estarrecidos com inúmeras atividades que não agregam valor. É uma verdadeira terapia de grupo constatarem desperdícios de todo tipo, com situações que fazem as pessoas rirem para não chorarem: “Você faz isso no início do processo? Eu refaço tudo no final!”.
Vamos pegar um caso real, dentre tantos outros, para exemplificar as situações que surgem. Em uma multinacional do setor automotivo, o lançamento de novos modelos estava comprometido pelo atraso na confecção de ferramental necessário para a estampagem das novas peças.
O fornecedor esperava semanas para iniciar a fabricação porque não recebia a primeira parcela. O problema não era a falta verba, mas, sim, o burocrático processo de aprovação do pagamento. Exigia nada menos do que sete assinaturas, e todos se orgulhavam por elas serem “assinaturas eletrônicas”, criptografadas etc. A pretensa modernidade escondia o processo arcaico, que exigia a reanálise de um investimento que estava totalmente dentro do que havia sido previsto no projeto, meses antes.
Você certamente encontrará “pérolas” como essa aos montes em sua empresa. Basta procurar. Quando as pessoas envolvidas, analisando juntamente, perguntam por que os processos estão cheios desses passos, que não agregam valor, num primeiro momento recebem respostas que, na verdade, não passam de tentativas de justificar: a matriz exige; é uma demanda dos clientes; a legislação não deixa fazer diferente; no passado ocorreram problemas e tivemos que inserir novos controles etc.
Indo mais fundo, percebem que, em sua grande maioria, essas desculpas não são verdadeiras, e muita coisa está nas mãos do próprio grupo de trabalho, que poderia fazer mudanças. É importante saber que a burocracia governamental, embora massacrante, não é a única. Grande parte dos processos internos, que ocorrem dentro das organizações e que não estão ligados a nenhuma necessidade, digamos, da esfera pública ou governamental, é também extremamente burocrática.
No pensamento lean, independentemente do tipo da organização, os processos de negócio só têm sentido se cada atividade apoia a agregação de valor. Do contrário, são desperdícios.
As autoridades e os estudiosos que falam sobre a burocracia brasileira centram suas críticas basicamente nos processos ligados ao Estado. Têm total razão, e a sociedade não pode mais tolerar que continue desse jeito.
Mas é preciso lembrar que a burocracia também está dentro das empresas. E foi criada por elas. Pode e deve ser eliminada imediatamente, sem nenhuma desculpa ou postergação.