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A causa das dificuldades crescentes da GM e Ford

As noticias recentes do mundo automotivo reportam as dificuldades crescentes da GM e da Ford, principalmente nos EUA. Embora no Brasil, essas duas empresas estejam em situação melhor, é inegável que essa situação global poderá afetar em breve seus desempenhos e resultados no país.

As noticias recentes do mundo automotivo reportam as dificuldades crescentes da GM e da Ford, principalmente nos EUA. Embora no Brasil, essas duas empresas estejam em situação melhor, é inegável que essa situação global poderá afetar em breve seus desempenhos e resultados no país.

O declínio das duas gigantes americanas não é novidade, como pode parecer, em face dos recentes anúncios de demissões, redução de capacidade com o fechamento de diversas fábricas, renegociações trabalhistas para reduzir os custos de seguros de saúde e assistência médica, além da divulgação de elevados prejuízos nos últimos meses.

Mas essa situação deve ser vista historicamente. Há mais de três décadas, elas vem perdendo participação no mercado mundial, e americano, em particular, tem tido lucratividades instáveis com momentos de elevados lucros combinados com períodos de substanciais prejuízos e vem perdendo a luta da qualidade e da produtividade há muito tempo para a Toyota.

Elas não tem conseguido lançar produtos que despertem o interesse e o desejo dos consumidores americanos na mesma proporção da concorrência, principalmente japonesa. E assim, ano após ano, essas duas empresas vem anunciando o fechamento de fábricas com a conseqüente demissão de milhares de trabalhadores nos EUA, para reduzir a elevada ociosidade resultado dessa perda de posição no mercado.

Há mais de uma década já haviam perdido a hegemonia no segmento de automóveis, mas foram capazes de se manter sólidas no segmento de "pick-ups" e "sport utilities", em grande medida porque a concorrência japonesas não tinha produtos disponíveis. Com isso, puderam navegar essa última década imaginando que o pior havia passado e acomodando-se a uma situação em que os fundamentos dos negócios não iam bem, mas elas não conseguiam perceber.

As justificativas apresentadas ao longo do tempo quase sempre envolviam fatores externos às empresas. No passado, elas consideraram que os baixos salários e as políticas de estímulo as exportações do Japão eram os fatores competitivos fundamentais. Mais recentemente, afirmavam que era o governo japonês cobre os custos da previdência social e subsídios para o desenvolvimento de novas tecnologias "limpas". Bill Ford, presidente da empresa e neto do fundador, no final de Novembro, afirmou que "podemos competir com a Toyota mas não com o Japão". Se esse argumento estivesse correto - governo japonês viabilizando a competitividade das empresas japonesas- como seria possível explicar o fracasso da indústria japonesa, em geral, nos últimos 15 anos e mesmo o declínio de empresas emblemáticas como a Sony e a Panasonic que estão cada vez mais perdendo terreno para as suas rivais coreanas e chinesas.

É inegável que GM e Ford nos EUA tem algumas desvantagens frente as japonesas, em particular Toyota, Honda e Nissan, com referência aos custos mais elevados com o pagamento de aposentadorias aos inativos, não só porque suas plantas são mais antigas, como também, pelo fato de terem passado anos em declínio, terem usado políticas de estímulo as aposentadorias precoces e pacotes de benefícios bastante suculentos para poder enfrentar o declínio da participação no mercado e garantir as massivas reduções de pessoal. As monstruosas folhas de pagamento ficaram carregadas por um número crescente de aposentados jovens recebendo um conjunto de benefícios equivalentes aos dos que continuam na ativa.

Entretanto, o fundamental, e muitas vezes negligenciado, é o fato de que tanto GM quanto Ford ainda não dominam os princípios que revolucionaram a indústria automobilística no período pós II Guerra, pioneirados pela Toyota, e seguidos de perto pela Honda. Vale recordar que nos anos 50, uma pequena empresa japonesa originária da produção de teares para a indústria têxtil, quando Ford e GM já eram gigantes, começou a desenvolver um revolucionário Sistema de Produção (inicialmente conhecido por Sistema de Produção Toyota e mais recentemente denominado de "Toyota Way" pela empresa) que permitiu enormes ganhos de produtividade e qualidade, menores necessidades de investimentos, menores custos, menor tempo de desenvolvimento de novos produtos etc. Um estudo do MIT publicado em 1990 intitulado "A Máquina que Mudou o Mundo" cunhou o termo Lean (Enxuto) para caracterizar esse sistema de produção e de negócios.

Desde então, a Toyota tem conquistado vitória sobre vitória, tornando-se a numero um em vendas e lucratividade na década de 80. Com bilhões de dólares em caixa, a empresa tem sido capaz de expandir-se globalmente, lançar um numero crescente de produtos para atender suas três marcas (Toyota, Lexus e Scion) e desenvolver novas tecnologias como as dos híbridos (Prius).

Enquanto isso, tanto a GM quanto a Ford bem há anos tentando copiar os métodos e ferramentas da Toyota e, em grande medida, acreditam que já as dominaram, principalmente na produção. Esse talvez seja o erro mais importante e onde reside o principal problema dessas empresas. Elas estão ainda longe de entender os conceitos e valores fundamentais por trás do Sistema Lean. A cultura dessas empresas não se modificou o suficiente para permitir a assimilação dos novos valores necessários para sustentar estas mudanças.

No Brasil, a situação tem sido um pouco diferente pois o crescimento do mercado tem, via de regra, requerido aumentos de capacidade. Examinado a situação de ambas as empresas no país, nota-se que apresentam uma situação diferente da matriz.

É notável que a Ford tem percorrido o caminho inverso. Saindo de uma situação muito difícil após a separação da VW na Autolatina na metade da década de 90, a empresa percorreu um longo caminho de aprendizado até perceber que um dos fatores críticos no pais era oferecer os produtos certos. O sucesso do projeto Amazon onde sobressai a aceitação do EcoEsport, primeiro produto da história da empresa no Brasil resultado de um processo sistemático de procurar entender os anseios e os desejos dos consumidores locais. A nova fábrica em Camaçari-Ba tornou-se um exemplo em manufatura e operações, apesar das dificuldades logísticas. Como resultado, a empresa tem colhido recentemente resultados positivos em lucratividade e aumento da participação no mercado. Pode até se blindar da crise da matriz (como vem fazendo a Fiat) ou até mesmo levar práticas exitosas daqui para lá de forma mais intensa.

A GM continua disputando a liderança do mercado brasileiro com a Fiat e VW em 2005. Mas os resultados financeiros tem sido negativos ao longo da última década. Tem havido um maior esforço de desenvolvimento local de novos produtos e exportações bem sucedidas, até o real ficar excessivamente valorizado. Mas ainda carrega os investimentos excessivos realizados durante a década passada a partir do superdimensionamento do crescimento da demanda local.

Toyota e Honda tem crescido no Brasil com novos produtos, melhor qualidade, elevada satisfação dos clientes e imagem positiva. Ambas vão aumentar suas capacidades produtivas no futuro próximo. Já haviam investido em fábricas de tamanho adequado à sua capacidade de distribuição, seus produtos tem sido lideres nos segmentos em que estão presentes e tem sido rentáveis. Portanto, podem representar, apenas com uma defasagem de alguns anos, o mesmo desafio e ameaça que se constituem hoje nos EUA à Ford e GM.

Mesmo que nos próximos anos, as gigantes americanas sejam capazes de fazer uma profunda transformação, começando por reconhecer a realidade da profunda crise em que se encontram, terão dificuldades de enfrentar no mercado, com produtos adequados a custos e qualidade competitivas, a máquina criada pela Toyota.

O caminho da falência para a GM e Ford parece estar traçado. È uma questão de tempo, embora ambas tenham muitos ativos que podem ser desmobilizados e liberar o caixa necessário para continuar tocando os negócios. Mas até quando? A redução continuada da capacidade produtiva, a perda de disponibilidade de investir em novos produtos e novas tecnologias limita as possibilidades de enfrentar a forte concorrência.

A história se repetirá no Brasil? Isso só não acontecerá se as lideranças das empresas, global e localmente, colocarem em marcha planos alternativos mais agressivos para fazer a reviravolta necessária para voltar a competir.

Publicado em 29/12/2005

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal